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Picape da Polícia Federal, em 2011, na frente da sede da Adesobras: ONG de Curitiba está sob intervenção judicial | Antônio More/Gazeta do Povo
Picape da Polícia Federal, em 2011, na frente da sede da Adesobras: ONG de Curitiba está sob intervenção judicial| Foto: Antônio More/Gazeta do Povo

Em Itaipulândia, instituição empregava 4% da população

O pequeno município de Itaipulândia, a 70 quilômetros de Foz do Iguaçu, no Oeste do Paraná, tinha o maior contrato da ONG Adesobras no estado. A entidade empregava cerca de 400 pessoas na cidade. Ou seja: 4,4% dos moradores de Itaipulândia, cuja população é estimada em 9 mil pessoas, trabalhavam para a organização.

No total, a prefeitura repassava mensalmente cerca de R$ 700 mil para a Adesobras. A ONG atuava em quase todas as áreas na cidade: saúde, educação, cultura, esportes, turismo, ação social, agricultura, desenvolvimento econômico e geração de empregos e renda.

O contrato foi rompido em novembro do ano passado, segundo a prefeitura. A decisão foi tomada pelo atual prefeito Sidnei Picoli, que assumiu o município após o prefeito anterior, Lotário Knob, ter sido cassado. Knob ocupou o cargo no lugar do prefeito eleito Vendelino Royer, assassinado em julho de 2008.

No fim de 2011, antes da troca de prefeito, o município chegou a lançar um concurso público para contratar 163 funcionários. No entanto, o concurso foi cancelado por suspeitas de irregularidades.

Alegando não ter funcionários suficientes para prestar serviços, o município fez um contrato emergencial com outra ONG, que hoje presta serviços no lugar da Adesobras. "Assumimos a prefeitura sem ninguém para trabalhar", justifica o atual secretário de Administração Jeferson Machado.

São Miguel

Em São Miguel do Iguaçu, a 45 quilômetros de Foz, a prefeitura mantinha três convênios com a Adesobras, que totalizavam um repasse mensal de R$ 168 mil. Todos venceram no último dia 14 e não foram renovados. A determinação para encerrar o vínculo com partiu do próprio interventor da Adesobras.

O secretário municipal de Administração, Rosari Luis Bedin, diz que os projetos serão mantidos pelo município. O próprio interventor da Adesobras recomendou a continuidade do projeto executado na área social, direcionado a crianças carentes.

Bedin diz que o contrato foi selado porque até então não havia sido detectado problemas entre o município e a Adesobras. "Não havia problemas com a gente. O problema deles era fora [da cidade]." O secretário ainda diz que são poucas as empresas que se candidatam para prestar serviços em municípios pequenos.

No projeto esportivo, a prefeitura repassava para a Adesobrás R$ 37 mil mensais. Cerca de 800 crianças e jovens de 17 anos eram beneficiados com a prática de vôlei e escolinhas de futebol. Um grupo de 25 cadeirantes tinha aulas de handebol. O município abriu concurso público para contratar técnicos esportivos para manter o projeto.

Na área de cultura, a prefeitura pagava R$ 34 mil mensais à ONG. Para manter o serviço, o município pretende aproveitar funcionários da própria administração. O maior montante era destinado ao projeto social: R$ 97 mil ao mês. São atividades de lazer e cultura voltadas para cerca de 300 crianças no contraturno escolar. A prefeitura quer fazer uma licitação e contratar outra instituição para não encerrar o projeto.

Denise Paro, da sucursal

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Prefeitura

Curitiba tem convênio com ONG sob intervenção

A prefeitura de Curitiba mantém desde 2010 um contrato com a Ibidec, ONG "irmã-gêmea" da Adesobras. Apenas a Adesobras está na lista negra da União. Mas as duas, que funcionam na mesma sede e eram administradas por marido e mulher, estão sob intervenção judicial devido a irregularidades em seus contratos. A Ibidec fornece instrutores para cursos nos 26 Liceus do Ofício que a Fundação de Ação Social (FAS), órgão da prefeitura, mantém na cidade. A administração municipal ganhou prazo até junho para que o contrato seja encerrado.

A Ibidec foi vencedora de uma licitação no fim de 2009 e assinou contrato em março de 2010. O contrato é para fornecimento de instrutores para cursos de informática, construção civil, turismo, hotelaria, administração e gastronomia. Os liceus são responsáveis por treinar trabalhadores nos bairros da cidade.

No ano passado, a ONG chegou a receber R$ 165 mil em um único mês da prefeitura. O dinheiro serve para pagamento das horas-aula dos instrutores e para cobrir os custos da instituição. Segundo a prefeitura, não houve nenhum indício de irregularidades no contrato.

"Não haveria como a prefeitura fazer as contratações diretamente", diz Deise Sueli de Pietro Caputo, diretora de geração de trabalho e renda da FAS. "São muitos cursos e a cada hora temos demanda por instrutores de uma área. Não haveria como demitir e contratar o tempo todo", afirma. Segundo Deise, a prefeitura está preparando uma licitação para escolher a sucessora do Ibidec, ainda sem data para realização. (RCF e RWG)

Seis instituições sem fins lucrativos paranaenses, incluindo a Ade­­sobras (veja reportagem na página anterior), entraram na lista de 164 ONGs de todo o país proibidas de celebrar convênios com o governo federal por determinação da Con­­troladoria-Geral da União (CGU).

As entidades têm problemas bem diferentes. A Adesobras, por exemplo, está sob intervenção judicial após ter sido alvo de uma operação da Polícia Federal em 2011. Mas há organizações não governamentais com problemas bem menos sérios – caso da Associação Imbuia de Pesquisas, que segundo a União já apresentou os documentos que faltavam e deve ser retirada da relação.

A ONG mais conhecida da lista, dentre as paranaenses, é a Socie­­dade Evangélica Beneficente de Curitiba (SEB), mantenedora do Hospital Evangélico e da Faculdade Evangélica. A entidade fez um convênio com o Ministério do Turismo, com teto de R$ 4 milhões, para qualificação de agentes turísticos para a Copa de 2014. No entanto, o Tri­­bunal de Contas da União (TCU) apontou irregularidades no convênio, que foi suspenso.

Procurada pela reportagem, a SEB disse que o novo presidente, João Jayme Ferreira, assumiu há menos de duas semanas e ainda está tomando pé da situação, e que por isso não iria se pronunciar sobre o assunto.

Outra instituição que entrou na lista devido a um convênio com o Ministério do Turismo foi a Asso­­ciação Brasileira da Indústria de Hotéis do Paraná (Abih). Segundo seu presidente, Henrique Lenz Cé­­sar Filho, a entidade recebeu R$ 696 mil, de um contrato de R$ 1,2 milhão, para a produção de uma cartilha. "Não há nenhuma irregularidade", afirma César Filho. "Ape­­nas, como houve problemas com outras instituições, resolvemos não gastar o dinheiro e esperar instruções sobre o que fazer", diz ele.

Justiça comunitária

Outra ONG que entrou na lista da CGU foi o Instituto Desembargador Alceu Conceição Machado (Idam), de Curitiba. A instituição recebeu R$ 120 mil do Ministério da Justiça para montar um Núcleo de Justiça Comunitária no bairro Sítio Cercado, na capital paranaense.

Segundo o juiz Roberto Bacellar, um dos organizadores do projeto do Idam, a ideia era prestar atendimento jurídico e ajudar a população a resolver os próprios problemas, inclusive capacitando agentes da região para fazer o atendimento. "Nunca mais faço projetos com dinheiro público", diz Bacellar. "Cada vez mudavam as instruções sobre o que tínhamos de fazer. Cheguei a tentar devolver o dinheiro, mas nem isso permitiram que fizéssemos", afirma.

Bacellar diz que o instituto, que é presidido por sua esposa, está encerrando as atividades. "Vamos fazer uma ata notarial para registrar tudo o que foi adquirido e fe­­char as portas", diz. Segundo ele, antes será preciso pegar computadores que estão com voluntários que ainda prestam atendimento à população.

A última ONG a entrar na lista foi o Conselho Londrinense de As­­sistência à Mulher (Clam), responsável pelo Hospital da Mulher. O hospital fechou as portas no ano passado. A reportagem não conseguiu contato com a diretoria da ONG para comentar o assunto.

Municípios "driblam" lei ao fazer terceirizações, afirma especialista

Para o especialista em gestão municipal François Bremaeker, as prefeituras brasileiras usam a contratação de ONGs e de empresas terceirizadas como um modo de "driblar" a Lei de Responsabili­­dade Fiscal. "Desde que a lei passou a impor um limite de gastos com funcionalismo, essa passou a ser uma maneira de contratar mais pessoas sem ferir a legislação", afirma Bremaeker, que é consultor da Associação Transpa­­rência Mu­­nicipal.

Apesar de ajudar as prefeituras a não terem problemas para aprovar suas contas, o esquema causa problemas. "Como é preciso pagar a ONG, é claro que sai mais caro do que se fosse feita a contratação direta dos funcionários", diz. Segundo ele, a terceirização, porém, também tem aspectos positivos. "Um dado importante é que isso reduz o gasto previdenciário mais adiante."

Fiscalização

Para combater as fraudes nos contratos, o Tribunal de Contas do Estado (TC) mudou as regras de fiscalização de ONGs no ano passado. Antes, apenas a prefeitura prestava contas de como havia gasto o dinheiro. Agora, as entidades que recebem a verba também precisam explicar como o dinheiro foi aplicado.

Segundo Elias Gandour Thome, diretor de Análise de Transferên­­cias, as irregularidades mais co­­muns nesse tipo de contrato são a co­brança de taxa de administração, a subterceirização (quando a ONG repassa o contrato para outra instituição), e a falta de demonstração de como foram gastos os recursos. A instrução normativa do TC, publicada em outubro, determina também que a ONG tenha atuação prévia na área exigida pelo contrato.

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