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A gravação ilegal de conversas telefônicas do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, radicalizou a discussão sobre a dimensão do uso do grampo no Brasil durante a semana passada. Termos como "Estado Policialesco", "guardião" e "big brother" fundiram-se no conceito da existência de um país dentro de outro, a "Grampolândia". A nação de rastreados seria maior que a população do Paraguai e abrangeria todo tipo de gente – do traficante do morro aos comandantes dos três poderes.

Dados das operadoras de telefonia móvel e fixa apontam a realização de 409 mil escutas com mandado judicial no ano passado, o que equivaleria ao rastreamento de todos os habitantes de Florianópolis (SC). De acordo com especialistas, os grampos legais têm um crescimento médio de 10% ao ano. Levando-se em conta que existem ao menos o mesmo número de gravações ilegais e que cada usuário fala com outras dez pessoas, o total de grampeados diretos e indiretos saltaria para 8 milhões.

O batismo oficial da Grampolândia ocorreu na última quarta-feira, em uma cerimônia com a silenciosa presença do presidente Lula. Em discurso durante a posse do novo presidente do Superior Tribunal de Justiça, César Asfor Rocha, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Cézar Britto, deu o tom da polêmica. "Instala-se a ‘Grampolândia’ e, com ela, um paradoxo: o guardião da Constituição é o Supremo Tribunal Federal, mas o guardião do Estado é uma engenhoca eletrônica de bisbilhotagem, disputadíssima pelo Ministério Público e pelas polícias, em todas as suas instâncias: federal, rodoviária, civil", disse o advogado.

O presidente da CPI das Escutas Telefônicas na Câmara dos Deputados, Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), não participou do evento. Na mesma hora em que Britto criticava a banalização das escutas, o parlamentar questionava o diretor-adjunto da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), José Milton Campana. Um dia depois, Itagiba declarou à Gazeta do Povo que a discussão só atingiu tal proporção em função do trabalho da comissão, criada para investigar a suspeita de que pelo menos cinco ministros do STF estavam grampeados desde o ano passado.

"A CPI funciona como um raio X que identifica o que há por trás da caixa-preta das escutas telefônicas legais e ilegais. A imagem que se vê é a tentativa de criação de um Estado Policialesco, no qual estabelecem-se inimigos públicos e utiliza-se de todo um aparato para fazer frente a esses inimigos, custe o que custar", afirmou Itagiba. Ele ainda comparou a situação ao modelo estatal nazista, que escolheu o povo judeu como inimigo a ser combatido.

As armas da suposta guerra nacional por informações ganharam notoriedade na semana passada. A Abin, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e até o Congresso Nacional confirmaram ter comprado maletas de captação telefônica, que no papel deveriam ser restritas à Polícia Federal. Ninguém sabe ao certo qual o potencial de gravação desses equipamentos, o que pode ser esclarecido na próxima quarta-feira pelo ministro da Defesa, Nélson Jobim, em depoimento à CPI.

"É correto que a PRF faça escutas? Que organismos estatais comprem esse tipo de equipamento como bem entendem? Ao meu ver, está bem claro na lei que não", enfatizou o parlamentar.

Delegado da Polícia Federal há 25 anos, Itagiba contou que viveu duas fases distintas na carreira. Até a Lei 9.296 de 1996 não havia norma para o uso de grampos, que também não serviam como prova. Antes da regulamentação, segundo ele, os agentes investigavam muito mais em busca de outros tipos de provas.

"O uso do cachimbo faz a boca torta. Escuta telefônica é algo prático, fácil. O método de hoje em dia é gravar antes para investigar depois, quando deveria ser justamente o contrário."

O advogado criminalista e professor de Direito Penal da PUCPR, Rodrigo Ríos, concorda com a tese. Ele defende que a polícia tem capacidade para buscar mais provas, tão úteis quanto as escutas, e só utilizar o grampo quando for "indispensável", como manda a lei.

O escritório de Rios é especializado em crimes econômicos e tributários. Entre os clientes, 70% foram investigados pela PF. Desse total, a escuta telefônica foi usada como instrumento de prova em quatro de cada cinco casos.

Segundo ele, um cliente chegou a ficar 8 meses grampeado – a legislação diz que a escuta deve durar 15 dias, prorrogáveis por mais 15. "Não sou favorável ao fim das gravações, elas são úteis em uma porção de casos. Mas imagine que você é um doleiro. Dá para provar que você age na ilegalidade até com documentos da Receita Federal, mas o grampo acaba sendo o caminho mais curto."

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