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Se fosse produtor do seriado Brasil, não teria aprovado esse episódio no qual Romero Jucá dá com as línguas nos dentes. Ficou rocambolesco. Um Deus Ex-Machina, representado por um ministro e senador de Roraima, revela toda a trama subjacente dos episódios anteriores. Não parece verossímil; é uma resolução preguiçosa do conflito. Mas atingimos um ponto da crise política ao qual nem mesmo a mais brega novela mexicana conseguiu chegar.

O que estarreceu a todos – por óbvio – foi a revelação, com todas as letras, de que “estancar a sangria” da Lava Jato estava na pauta do PMDB. Não chega a ser surpreendente – não foram poucos, incluindo o titular desta coluna, que apontaram esse risco. Mas ouvir direto da boca do ministro que “enquanto ela [Dilma] estiver ali (...) essa Operação [o termo original é outro] não vai parar nunca” é chocante, de qualquer forma.

Mas a conversa deixou transparecer algo bem mais significativo do que o compreensível medo de um político notoriamente corrupto prestes a ser condenado. Jucá entende que a Lava Jato não é um risco para os políticos, e sim para o sistema político. E isso tem um mar de diferença.

Já houve dezenas, centenas de escândalos de corrupção na história do Brasil. O próprio Jucá já foi alvo de pelo menos quatro acusações graves, em 30 anos de ilibada carreira política. Na maior parte dos casos, tudo fica como está. Em uma parcela reduzida dos casos, os políticos caem em desgraça. Em casos raríssimos, autoridades são condenadas e pagam por seus crimes.

A semelhança entre todos esses escândalos, porém, é que nenhum deles prejudicou o modelo de se fazer política no país. No máximo, pune-se o “boi de piranha” – termo, aliás, usado pelo próprio Jucá – e salva-se a manada. O sistema permanece intacto, funcionando a pleno vapor.

Com a Lava Jato, está sendo diferente. O grau de exposição de corruptos, corruptores e operadores coloca em risco toda uma estrutura de poder construída ao longo de, pelo menos, cinco décadas. E isso explica, ao menos em parte, porque a ex-base de Dilma se voltou contra a presidente, quase que do dia para a noite.

Com ela, o rearranjo dessas forças era impossível – não porque ela não desejasse controlar a Lava Jato, mas porque ela não tinha poder para tanto. Com Michel Temer... bom, no mínimo, dá para dizer que a perspectiva era melhor.

A partir do momento que houve uma brecha para tentar salvar o sistema político de “uma nova casta, pura” – para usar palavras de Jucá – todo o Centrão, construído sobre essa estrutura corrupta, pulou no barco. Os primeiros dias de governo Temer, porém, mostraram que a esperança de Jucá perdeu para o medo.

Essa mudança na estrutura da política brasileira vai dar necessariamente em algo bom? Cautela e canja de galinha nunca mataram ninguém. Na Itália, por exemplo, a Operação Mãos Limpas afundou a política corrupta tradicional e abriu espaço para uma nova política corrupta, consideravelmente pior – o populismo ridículo de Silvio Berlusconi.

Mas, se pode ficar pior, o mais importante é que pode ficar melhor. A perspectiva de um sistema político que não premie figuras como Jucá é animadora, e a sociedade brasileira tem condições de construí-lo. Só não conte com o Temer para isso.

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