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O ano que está terminando deu uma dura lição à sociedade: não é permitido aos cidadãos evitarem se envolver no debate sobre o orçamento e as contas públicas. O Congresso Nacional aprovou diversos aumentos em 2016, num momento em que a saúde financeira do Estado indicava que as decisões deveriam ser conduzidas de forma exatamente oposta.

Não são só os parlamentares que ainda não caíram na real. Muita gente parece não se dar conta da dura realidade financeira do país, nem de que o orçamento não é ilimitado. Em se tratando das finanças do Estado é sempre preciso fazer escolhas, por vezes, trágicas. E em tempos de crise acima de tudo é necessário cultivar uma ética de frugalidade.

Essas constatações tão simples, que até uma criança no ensino fundamental entenderia, estão muito longe de sensibilizar os parlamentares brasileiros. Em mais um dos seus atos de irresponsabilidade, a Câmara dos Deputados aprovou durante a semana o projeto de repactuação das dívidas dos estados. A proposta aprovada deve trazer consequências funestas já nós próximos anos, afetando seriamente a capacidade dos próximos governantes em gerir a máquina pública.

O projeto, que agora segue para sanção, vai apenas adiar o desfecho dos problemas causados pelo endividamento público. Depois de todo o diagnóstico dos problemas econômicos deste ano, a aprovação do projeto é um feito inacreditável de falta de noção.

A crise continua sem muitas perspectivas de acabar e os representantes do povo se mostram incapazes de colocar freios no frenético impulso gastador dos estados. Parte dos governos estaduais já não consegue pagar as despesas correntes e sabe que haverá considerável ampliação do gasto em 2017, um ano em que a economia deve prosseguir patinando. As crescentes despesas com salários e com previdência pública na prática inviabilizam a capacidade de investimento e tendem a levar os estados à falência.

Há o problema adicional da qualidade do gasto. Há ineficiências administrativas, mas há também os privilégios que a classe política e altos funcionários reservam para si. Senadores e seus familiares, por exemplo, recebem assistência médica vitalícia. E quando se contabilizam os auxílios que são pagos aos altos funcionários dos estados, muitas vezes elevando seus rendimentos para patamares próximos, ou superiores, ao teto constitucional, constata-se a mais completa dissonância existente com a realidade do país.

A ética de austeridade, ainda mais num momento de crise, deve permear todas as relações estatais. E daí a necessidade de urgentemente discutir as decisões de onde devem ser gastos os recursos públicos. Nestes tempos de escassez, abre-se a oportunidade de a sociedade se apropriar desse debate e fortalecer uma nova ética sobre o uso de dinheiro público. O momento é de refletir sobre quais áreas eles são mais necessários e trarão maior impacto. Não é hora de facilitar que os estados continuem deteriorando deliberadamente suas contas.

Ao afrouxar as regras para a repactuação dos estados, os parlamentares simplesmente “lavaram as mãos”. Poderiam liderar um debate que já não mais pode tardar. Mas ao não ter força, nem mesmo vontade, de realizar as mudanças necessárias, vão abrindo margens para gerar mais descontroles fiscais. Na ausência da capacidade dos parlamentares em lidar com essas questões, cabe aos cidadãos e à sociedade organizada conduzir um amplo e democrático debate sobre onde o Estado deve aplicar os seus recursos e sobre o tamanho aceitável da dívida pública.

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