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Se o abacaxi tivesse outro nome, seria menos espinhoso? É com essa lógica que o governo federal quer recriar a CPMF. A mesma alíquota, de 0,38%, incidiria sobre todas as operações financeiras, mas com um nome pomposo de Contribuição Interfederativa da Saúde e com a diferença de repartir parte da arrecadação com estados e municípios, para financiar o Sistema Único de Saúde (SUS). De posse deste plano genial o Planalto imaginava que poderia angariar apoio para aprovar a volta da CPMF.

Tem sido exasperante ver as trapalhadas do governo federal. Em um raro momento de calmaria política, depois que os cacifes do PSDB viram que não tinham elementos suficientemente fortes para propor o impeachment na Câmara e que as entidades de classe empresariais vieram a público clamar por diálogo e respeito às instituições e à democracia, o Planalto vem com essa bomba.

Pergunte-se a qualquer adulto se ele gostava de pagar CPMF. Alguém? Se apresente, será notícia, certamente. Pode-se argumentar que ajudará a bancar a saúde, mas a verdade é que os impostos que pagamos e toda a arrecadação do governo federal já deveriam bancar a saúde, a educação e a segurança dos brasileiros, no mínimo. Pode-se pedir apoio aos prefeitos e governadores, mas estes, mais próximos da população, das vaias e dos protestos, não serão facilmente convencidos a defender o retorno de tão odiada tributação como é a CPMF.

Uma pausa para falar dos governos estaduais, que foram mais espertos e já promoveram um bom aumento de imposto regional quando o clima político era mais favorável. Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), a carga tributária sobre o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 1,66 ponto percentual entre 2010 e 2014. Mas maior variação se deve ao crescimento dos tributos estaduais, que cresceram 1,03 ponto percentual. Os tributos federais subiram 0,38 e os municipais, 0,24.

O governador Beto Richa foi mais esperto ainda. Ainda em dezembro de 2014, saiu-se vitorioso na Assembleia Legislativa, quando ainda existia o famigerado “tratoraço” e seus aliados aprovaram um aumento de impostos assombroso. Trinta e quatro deputados foram favoráveis ao aumento de 40% do IPVA e das alíquotas de ICMS de 95 mil itens de consumo popular, que passaram de 12% para 18% ou 25%.

Volta para o governo federal: se faltou a malvadeza, ops, a esperteza, aplicada no Paraná, não será agora, neste momento de descontentamento com a presidente Dilma Rousseff, que a proposta de retorno da CPMF vingará.

Tivesse o PT comprometimento real com a desigualdade brasileira, teria sido o coveiro da CPMF. Certamente, a contribuição tinha alguns aspectos interessantes, entre os quais a impossibilidade de sonegação, que é um grande problema nacional. O Brasil tem uma carga tributária elevada, equivalente a 35,4% do PIB, mas esse dinheiro de fato não é arrecadado, não sua totalidade. No primeiro semestre deste ano, a Receita Federal identificou R$ 75,1 bilhões em impostos sonegados. Isso sem contar as derramas causadas pelas operações Lava Jato e Zelotes – esta, menos midiática que a outra, investiga sonegação que pode totalizar R$ 19 bilhões.

A CPMF era universal, e aí reside um de seus problemas. Que tal discutir tributação sobre patrimônio, herança ou sobre a renda dos mais ricos? Esse é um assunto tabu, mas que precisa ser discutido, a partir de mais dados e menos ideologia.

Imposto de Renda

Foi só recentemente que a Receita Federal divulgou dados sobre o Imposto de Renda dos brasileiros que podem jogar luz sobre as infindáveis discussões de reforma tributária. Os pesquisadores Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que analisaram as estatísticas, mostraram que um grupo de 71.440 pessoas somou rendimentos de R$ 298 bilhões e patrimônio de R$ 1,2 trilhão em 2013. Em média, essas pessoas extremamente ricas pagaram 2,6% de imposto sobre sua renda total (ou 6,4%, se considerar modelo de retenção exclusiva na fonte). A população com uma renda alta, de 20 a 40 salários mensais, pagou o equivalente a 10,2% (ou 11,7% com retenção exclusiva).

Setenta e uma mil pessoas – cabem em um estádio – tiveram rendimentos de R$ 298 bilhões e pagam imposto de, no máximo, 6,4%. E o Brasil discutindo o pesadelo da CPMF, para garantir R$ 68 bilhões em caixa.

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