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| Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

A comissão especial do Senado que analisa o processo de impeachment ouviu nesta sexta-feira (29) três ministros que farão a defesa da presidente Dilma Rousseff. Falaram o o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, e os titulares da Fazenda, Nelson Barbosa, e da Agricultura, Kátia Abreu.

Barbosa iniciou a defesa da presidente na comissão destacando que a aceitação do pedido de impedimento pela Câmara dos Deputados está baseada apenas em fatos de 2015. Ele começou a apresentação técnica argumentando que não houve crime de responsabilidade por parte da presidente.

Barbosa citou que os seis decretos de suplementação orçamentária emitidos por Dilma no ano passado – alvos do processo – não foram secretos, mas sim públicos, apesar de não serem numerados. “Decretos de suplementação orçamentária nãos numerados seguem definição estabelecida ainda no governo Fernando Henrique Cardoso”, alegou.

Segundo ministro, esses decretos são compatíveis e estão de acordo com a legislação orçamentária em vigor. “Para que haja créditos de suplementação, é preciso haver um fonte de recursos. Isso pode vir por um remanejamento de recursos, por um excesso de arrecadação que supere a previsão inicial de receitas, ou por superávit financeiro de anos anteriores”, afirmou. “Todos os decretos questionados foram baseados nesses três fatores”, completou.

Barbosa lembrou que os seis decretos criam créditos suplementários de R$ 95,9 bilhões, mas argumentou R$ 93,4 bilhões se referiram a remanejamentos. “Não foram criados mais gastos. Não houve ampliação do orçamento. Houve redução de gastos em rubrica e aumento na outra”, defendeu.

Segundo ele os R$ 2,5 bilhões restantes foram autorizados com base em aumento de receitas, e R$ 700 milhões desse montante foram usados para o pagamento de juros, sem impacto no primário do governo. “Então estamos falando de apenas R$ 1,8 bilhão de novas despesas. É isso que está em discussão”, disse.

O ministro detalhou que, desse valor, R$ 1,256 bilhão teria sido destinado à Educação, R$ 171 milhões foram para a Justiça do Trabalho e a área da Defesa ficou com R$ 121 milhões.

Idoneidade

Na sequência, Kátia Abreu disse que a equalização de taxas de juros dentro do Plano Safra é importante para que os produtores rurais brasileiros consigam concorrer no mercado internacional. “Existe diferença importante entre subvenção e subsídio. A subvenção agrícola é necessária e quase obrigatória no Brasil porque nós somos um país aberto e concorremos com o mundo na produção de alimentos. As taxas de juros dos nossos principais concorrentes são muito menores que as brasileiras, por isso a equalização é necessária”, argumentou a ministra, lembrando que o mecanismo foi criado em 1992.

Kátia afirmou ainda que o Brasil não concede subsídios distorcidos como os Europeus. “No Brasil, as subvenções equivalem a menos de 4% do valor bruto da produção. Na Europa, os subsídios chegam a valer 20% da produção”, acrescentou.

A ministra detalhou os cálculos para se chegar ao valor das equalizações, com base nos juros praticados pelo mercado. “Essas taxas prefixadas são o pilar da política agrícola brasileira”, defendeu.

Kátia alegou que o Tesouro Nacional obedece a legislação e diversas portarias sobre o mecanismo, que estabelecem que a fatura da equalização deve ser entregue pelo governo semestralmente, enquanto os balanços dos bancos que realizam as operações são mensais. “O descasamento das faturas cria esse entendimento de que o governo está devendo os pagamentos. Mas não há débito, apenas datas diferentes”, afirmou.

A ministra disse ainda que seria “natural que o copo da equalização continue enchendo” porque o instrumento é usado para financiar investimentos de longo prazo, de até 15 anos. O governo pagaria então as subvenções referentes às parcelas anuais desses contratos. “Os recursos não são usados apenas para custeio. Mas quando TCU exigiu o pagamento total dessas subvenções a cada seis meses, o governo pagou”, completou.

Ela ainda disse acreditar na honestidade e na idoneidade da presidente. “Temos que pensar na importância da agricultura. Não podemos criminalizar instrumentos importantes para os produtores rurais”, defendeu.

Kátia argumentou que os atrasos em pagamentos do Tesouro referentes à equalização de juros de crédito agrícola não podem ser encaradas como um empréstimo tomado pelo governo junto aos bancos. Segundo ela, atrasar um pagamento não é fazer um contrato de empréstimo, já que não houve deslocamento de recursos dos bancos para o Tesouro .

“Se eu deixo de pagar uma conta de uma empresa de segurança, por exemplo, terei que pagar multas e juros. Não equivale a pegar um empréstimo com a firma. Quem é que nunca atrasou um pagamento de conta na sua vida?”, afirmou.

Golpes podem ser feitos com pretextos jurídicos, diz Cardozo

José Eduardo Cardozo voltou a afirmar que o impedimento de um presidente da República é um ato “absolutamente excepcional”. Para ele, para haver o processo é preciso haver um “atentado à Constituição” cometido pelo presidente no exercício das suas funções.

“O impeachment é uma situação excepcionalíssima. Não se trata de um julgamento apenas político, mas também de um ato jurídico. Apenas com pressupostos jurídicos provados de crime de responsabilidade se pode fazer a análise da conveniência política de um impedimento”, defendeu.

Para Cardozo, é preciso ainda haver o respeito ao devido processo legal, com garantia à defesa e ao contraditório. Segundo o advogado-geral, se esses pressupostos constitucionais não forem respeitados, o impeachment se torna um golpe. “O golpe é uma ruptura institucional, para destituição de um governo, com violência ou não. Golpes podem ser feitos com pretextos jurídicos e questões retóricas violadoras da Constituição”, argumentou. “Em se consumando esse impeachment, haverá golpe”, completou.

Cardozo voltou a defender que a Comissão Especial do Impeachment do Senado analise apenas as duas questões que fazem parte do processo de impedimento admitido na Câmara dos Deputados: os decretos de suplementação orçamentária e os atrasos nos pagamentos de equalizações de juros do crédito rural. “Se o relatório tratar de outros pontos, o processo é nulo, indiscutivelmente nulo”, afirmou.

Para o ministro, antes ainda dessa análise, caberia ao Senado avaliar se houve nulidade no processo realizado na Câmara dos Deputados. “Se estamos dizendo que o processo na Câmara é nulo, a autorização da Câmara é nula e o Senado não pode recebê-la. Os senadores precisam se debruçar sobre essa questão”, argumentou.

Entre os supostos vícios do processo, Cardozo acusou primeiramente o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de desvio de poder. “Ele abriu imediatamente o processo de impeachment após saber que não teria os votos do PT no Conselho de Ética da Câmara. Se vossas excelências acharem que não houve chantagem e ameaça de Cunha no processo, que o defendam”, completou. “Houve desvio de poder em todo o processo e as provas são ‘fartíssimas’”, completou.

Para Cardozo, a comissão especial da Câmara – sob as orientações de Cunha – criou uma “confusão” ao tratar de diversos assuntos, alguns dos quais até mesmo anteriores à ocupação da Presidência da República por Dilma. “Na comissão falou-se sobre tudo, menos dos objetos do processo”, alegou.

Além disso, o advogado-geral questionou as declarações antecipadas de votos dadas pelos parlamentares, afirmando que tais atitudes configuram “prejulgamento”. Cardozo considerou ainda que o fechamento de questão pelos partidos e as orientações partidárias antes da votação no plenário da Câmara macularam o processo. “Ameaças de expulsão de partidos em caso de votos contrários à orientação dos líderes é um dos vícios do processo”, completou.

Cardozo também criticou os votos dados pelos deputados, que citaram diversos motivos não relacionados ao processo. “Citaram de tudo, mas não falaram dos motivos que estão no processo. Esses votos são nulos”, argumentou.

Na véspera

Os senadores ouviram na quinta-feira (28) dois dos autores da denúncia, os juristas Miguel Reale Jr. e Janaina Conceição Paschoal. Os senadores discutiram temas internos por duas horas e, por conta disso, a sessão demorou mais sete horas. Reale saiu no começo, mas Janaína ficou até o final respondendo aos questionamentos dos parlamentares.

Próximos passos

A comissão ouvirá no dia 2 de maio especialistas indicados pela oposição. Falarão o procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Júlio Marcelo de Oliveira, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso e o professor de direito da Universidade de São Paulo (USP) José Maurício Conti.

No dia 3 de maio estão escalados para falar defendendo o governo o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Marcelo Lavenère, autor da denúncia que levou ao impeachment de Fernando Collor em 1992, e os professores de direito Geraldo Mascarenhas Prado, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Ricardo Lodi Ribeiro, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

O relator, Antonio Anastasia (PSDB-MG), apresentará seu parecer no dia 4. Cardozo terá nova oportunidade de se manifestar aos senadores no dia seguinte. Está marcado para o dia 6, uma sexta-feira, a votação do parecer pela comissão. Com isso, será possível realizar a votação sobre a admissibilidade do processo no dia 11. Se a maioria dos senadores votar a favor da abertura do processo, Dilma será afastada por até 180 dias para que o Senado proceda o julgamento de mérito. Para que Dilma seja afastada definitivamente, ao final, será preciso o voto de 54 dos 81 senadores.

A denúncia feita pelos juristas aborda temas como as primeiras delações na Operação Lava-Jato, como a do doleiro Alberto Yousseff e do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, e as pedaladas fiscais desde 2014, ano em que o Tribunal de Contas da União (TCU) rejeitou as contas da presidente. Mas por decisão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), só foi admitida por aquela Casa a parte que trata das pedaladas fiscais de 2015, relativas ao banco Safra, e de seis decretos de crédito suplementar assinados por Dilma sem autorização prévia do Congresso. Na votação da Câmara, 367 dos 513 deputados apoiaram o impeachment.

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