• Carregando...
Desfile da Vila Isabel: capitão da repressão militar se aliou a bicheiros do Rio e passou a comandar a escola de samba | Ricardo Moraes/Reuters
Desfile da Vila Isabel: capitão da repressão militar se aliou a bicheiros do Rio e passou a comandar a escola de samba| Foto: Ricardo Moraes/Reuters

Escolas de samba

Liga que organiza o carnaval carioca é fruto da união com contraventores

Após deixar o Exército, Capitão Guimarães se uniu a dois notórios contraventores cariocas: os bicheiros Aniz Abraão David, o Anísio da Beija-Flor; e Castor de Andrade e Silva, da Mocidade Independente. Além disso, também firmou aliança com o bicheiro Ângelo Maria Longas, o Tio Patinhas. A aliança blindou os bicheiros da ação da polícia. Para isso, usaram da influência em altos escalões do aparato de segurança e das técnicas de espionagem e violência desenvolvidas nos anos de repressão. Unidos pelos interesses da contravenção e por um projeto de poder, Castor, Anísio e Guimarães (que passou a controlar a Unidos da Vila Isabel) também fundaram em 1984 a Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa), que até hoje organiza o carnaval carioca. Representantes legais de todos eles foram procurados, mas não quiseram falar ou não deram retorno.

Isolado na tropa, o capitão Aílton Guimarães Jorge pediu demissão do Exército em 9 de março de 1981. O gesto do oficial, ao trancar a farda no armário, sedimentou uma aliança que mudaria o perfil do crime organizado no Brasil: a de agentes da ditadura com a contravenção.

Capitão Guimarães é a face mais exposta desse processo, mas não a única. A partir dos anos 1970, um pequeno pelotão de agentes migrou dos porões da tortura para as fileiras do jogo do bicho, levando junto a brutalidade, a arapongagem e a disciplina da guerra suja contra a esquerda. Bicheiros ajudaram a perseguir inimigos do regime, e a ditadura retribuiu com proteção e impunidade.

Pesquisas a documentos de dois arquivos públicos e da Biblioteca do Exército – além depoimentos de agentes, policiais, vítimas da repressão e especialistas – permitiram à Agência O Globo revelar detalhes e personagens desse processo. Pelo menos dez agentes, entre militares e civis, atuaram na máfia da jogatina ou colaboraram com ela, chegando a ocupar cargos na hierarquia do bicho, principalmente a partir do desmonte gradual do aparelho repressivo no governo do general Ernesto Geisel. Sob a influência da doutrina militar e ao custo de uma guerra nas ruas, o jogo do bicho – antes fracionado e informal – tornou-se centralizado e organizado, sobretudo no Rio de Janeiro. Esvaziados pelo processo de distensão política ou excluídos por envolvimento em crimes comuns, agentes da repressão encontraram abrigo na máfia do jogo do bicho quando a repressão política perdia a força na metade dos anos 1970.

São citados por essas fontes e documentos como integrantes desse pelotão arregimentado pelo bicho o coronel Freddie Perdigão Pereira; os capitães Ronald José Motta Baptista de Leão e Luiz Fernandes de Brito; o sargento Ariedisse Barbosa Torres; o cabo Marco Antônio Povoleri; os delegados Luiz Cláudio de Azeredo Vianna, Mauro Magalhães e Cláudio Guerra; e o detetive Fernando Gargaglione, além do Capitão Guimarães, todos com folha de serviços prestados à ditadura.

Procurados, os ex-agentes da ditadura ou parentes não quiseram falar ou não foram encontrados. O advogado de Guimarães não deu retorno.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]