
Pode soar irônico, mas, mesmo depois de confirmado o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o futuro da agora bancada de oposição parece estar nas mãos do presidente Michel Temer (PMDB). Reduzidos a menos de 100 deputados e não mais do que 20 senadores, os oposicionistas são numericamente incapazes de oferecer qualquer resistência ao peemedebista no Congresso. Para especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a única saída para os aliados de Dilma é se aproveitar de divisões dentro da base governista em relação a temas polêmicos, como as reformas trabalhista e da previdência, e incutir cada vez mais no público o caráter impopular das propostas.
Na teoria, Temer terá a maior base aliada desde Fernando Henrique Cardoso (veja infográfico). Juntos, os cinco partidos que votaram majoritariamente contra a saída de Dilma − PT, PCdoB, PSol, Rede e PDT – somam apenas 98 deputados e 15 senadores. Num cálculo mais otimista para a nova oposição, levando-se em conta o placar final das votações do impeachment, seriam 137 parlamentares anti-Temer na Câmara e 20 no Senado.
Com esses números, o peemedebista teria margem folgada para aprovar projetos de lei e medidas provisórias, que dependem de maioria simples – 257 votos de deputados e 41 de senadores –, e também mudanças na Constituição, que precisam de 308 votos na Câmara e 49 no Senado.
Análise
Analista político do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto de Queiroz afirma que a ampla maioria de Temer para aprovar matérias em plenário vai depender da “calibragem das pautas encaminhadas ao Congresso e da não sobreposição de temas polêmicos”. Ele cita como exemplo a decisão de enviar ainda neste mês ao Parlamento a proposta de reforma da previdência, em meio à tramitação da PEC do teto dos gastos públicos, segundo a qual, por um período de 20 anos, as despesas do governo em saúde e educação só poderão crescer com base na inflação do ano anterior.
“O atropelo aumenta o grau de resistência às matérias. É essa calibragem que dirá o tamanho da bancada do governo. Não há como implementar uma agenda de temas polêmicos todos ao mesmo tempo”, avalia.
Para Queiroz, esse possível atrito dentro da base aliada fornece à oposição a munição necessária para dizer à população que Temer assumiu o poder “não para sanear as contas, mas para redirecionar o orçamento dos mais pobres para os mais ricos”. “A nova oposição seguirá denunciando o caráter impopular dessa agenda, buscando criar o maior nível de resistência possível aos temas em curso no Parlamento”, afirma. “Uma coisa é lidar com partidos de esquerda e movimentos sociais indo às ruas defender a Dilma, com quem já não estavam completamente satisfeitos. Outra é querer impor uma agenda claramente contrária aos interesses desses grupos.”
Já o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília (UnB), lembra que Temer terá pouco tempo para negociar temas polêmicos com o Congresso entre o retorno da China, na terça-feira (6), e o embarque para Nova Iorque, onde participará da Assembleia-Geral da ONU, a partir do próximo dia 20. “O Temer já está tentando negociar demandas com os movimentos sociais para evitar mais protestos de rua, que podem ocorrer enquanto ele estiver em Nova Iorque para desmoralizá-lo internacionalmente. Veremos se ele será bem sucedido nisso.”



