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Nem sempre as mulheres falam demais. Na Presidência da República, por exemplo, Dilma Rousseff (PT) tem se destacado pela discrição. Com quase um mês de governo, o primeiro evento público que compareceu foi à homenagem ao ex-vice-presidente José Alencar, na terça-feira passada, dia 25. Antes disso só veio a público para visitar as áreas devastadas pela chuva no Rio de Janeiro. Quando falou, foi concisa e não fugiu do assunto principal. Muito diferente não só de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – que comentava sobre tudo –, mas também de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

A eloquência de Lula está bem fresca na memória dos brasileiros. Além de opinar sobre quase tudo, falava quase sempre. Segundo o Dicionário Lula, do jornalista e sociólogo Ali Kamel, o ex-presidente fez, em média, um discurso por dia entre janeiro de 2003 e 31 de março de 2009. O autor do livro contabilizou 1.770 pronunciamentos e afirmou que o petista falou 52% a mais do que FHC em igual período.

Entretanto, o tucano também gostava de um microfone. A reportagem consultou os arquivos do Instituto FHC, que mostram que, entre 1995 e 2002, ele fez 1.804 pronunciamentos. Isso dá, em média, 0,6 discurso por dia – ou um a cada dois dias. Mas nessa conta não estão as entrevistas com os jornalistas, o que aumentaria bastante a média de FHC.

Dilma ainda está no começo do mandato e, por isso, ainda tem tempo de correr atrás das marcas de seus antecessores. Mas esse não parece ser o perfil dela. "Ela não é uma liderança política por natureza. Ela foi talhada para ser candidata e desempenhou bem esse papel. Mas ela não demonstra interesse em se tornar um expoente político como outros que já estiveram no cargo", observa o cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, diretor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj).

Comparando apenas o primeiro mês de gestão de cada um dos três é possível ver a diferença de postura entre eles. No primeiro mês de mandato de FHC, em 1995, ele fez sete discursos. Ainda não há dados consolidados sobre Lula, mas a participação dele em uma série de eventos nas primeiras semanas de sua gestão, em 2003, já antecipava como seriam os anos seguintes.

O petista foi ao Fórum Social Mundial em Porto Alegre no fim de janeiro e chorou ao se encontrar com um ex-menino de rua. Dias depois foi ao Fórum Econômico de Davos, na Suíça, e passou por Berlim e Paris, falando com a imprensa em todas as cidades. De volta ao Brasil no dia 31, lançou o programa Fome Zero, que contou com a presença de 17 governadores. Os discursos eram sempre grandiloquentes: "tirar todos os meninos da rua"; "pacto mundial pela paz e contra a fome"; e "libertar a população brasileira da humilhação das cestas básicas".

Equilíbrio

Para Monteiro, qualquer presidente precisa saber dosar suas aparições e declarações públicas. "Não pode ser tanto, porque aí sufoca as outras forças políticas e corre o risco de se desgastar, porque quem fala sobre tudo acaba cometendo muitos deslizes. Mas também não pode ser tão pouco, porque aí deixa um espaço para que outros se manifestem. Isso está acontecendo agora, com essas brigas entre PMDB e PT", avalia.

O diretor do Iuperj diz ainda que é papel do presidente da República se posicionar sobre temas relevantes, mesmo que por meio de porta-voz, para sinalizar às forças políticas e à população em geral o que pensa e o que está fazendo pelo país. "No caso da presidente Dilma Rousseff, ela não pode ficar escondida no gabinete presidencial, pois ela não é mais uma funcionária burocrata para ficar se debruçando sobre relatórios. Não foi para isso que ela foi eleita. Acho que ela ainda precisa passar por uma fase de adaptação", acrescenta.

Racional

A postura de Dilma, entretanto, traz vantagens para o Brasil. "Ações republicanas demandam racionalidade. Depois de um mês de governo, Dilma sinaliza nessa direção. É isso que a sociedade espera dela e, tudo indica, ela tem os meios e a inclinação para atender a tais expectativas", observou o sociólogo Alberto Carlos Almeida, em artigo da última sexta-feira no jornal Valor Econômico.

Ele destaca que um mês de governo é muito pouco para uma avaliação completa, mas o fato é que Dilma tem uma formação universitária, e essa experiência de vida ditará a marca pessoal que a presidente deixará em seu mandato. "Lula falava o tempo inteiro, utilizava sem cerimônia linguagem de baixo calão. A julgar pela primeira aparição pública de Dilma na tragédia das chuvas do Rio, teremos uma presidente com boa capacidade de comunicação, mas sempre lançando mão de estilo e conteúdo comedidos. Com Dilma e sem Lula, a racionalidade voltou ao Palácio do Planalto", afirmou.Estruturação

Na quinta-feira passada, Dilma apareceu em público para anunciar a construção de casas para desabrigados pela chuva no Rio de Janeiro. Na noite do mesmo dia, fez um discurso em Porto Alegre em memória às vítimas do holocausto. Na sexta-feira, anunciou medidas emergenciais para as cidades gaúchas que sofrem com a seca. Em todas as ocasiões, falou sobre temas específicos, e só foram permitidas cinco perguntas. A Secretaria de Imprensa do Planalto informa que esses eventos mostram a disposição da presidente em conversar com a imprensa. Em conversas reservadas, a presidente teria ressaltado que está estruturando o governo e, por isso, não está se expondo tanto.

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