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| Foto: Ilustração/Gilberto Yamamoto

Fim do voto obrigatório não é consensual

O deputado federal paranaense Sandro Alex (PPS) liderou o debate que incluiu o fim do voto obrigatório como uma das proposições do grupo de trabalho sobre a reforma política na Câmara. O texto final da reforma deve ser finalizado nos próximos dias. Depois disso, será encaminhado a uma comissão especial e ao plenário.

"Quando entrei no grupo, eu só tinha uma proposta, que era a adoção do voto facultativo", afirma o parlamentar, que também é autor de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) sobre o tema. "Não existe hoje nenhuma democracia moderna que adote voto obrigatório. É bem coisa desses nossos regimes atuais da América do Sul", disse.

Temor

Outra deputada federal do Paraná que participa das discussões sobre reforma política, Rosane Ferreira (PV) é contra a mudança. "Meu medo é que, com o desgaste da política partidária que temos hoje, as pessoas se afastem ainda mais do processo democrático com o voto facultativo", disse. Para ela, o fim da obrigatoriedade também pode provocar como efeito colateral o aumento da compra de votos.

Esse não pode

Confira quais segmentos sociais não tinham direito a voto no Brasil e quando eles passaram a ter:

1891

• Pobres - A Constituição imperial de 1824, a primeira do país, exigia comprovação de renda mínima para alguém votar. O critério foi eliminado na primeira Constituição republicana, em 1891.

1932

• Mulheres - O Código Eleitoral Provisório de 1932 permitiu pela primeira vez o voto das mulheres. Ainda assim, parcialmente – foram contempladas só as casadas (com autorização do marido), viúvas e solteiras com renda própria. As restrições acabaram definitivamente em 1946, mesmo ano de implantação do voto obrigatório.

1934

• Religiosos - As Constituições de 1824 e 1891 proibiam líderes religiosos de votar. A primeira citava a vedação para qualquer um que vivesse em "comunidade claustral". A segunda, a "religiosos de ordem monásticas, companhias, congregações ou comunidades". Isso mudou em 1934.

1946

• Mendigos - Só ganharam direito ao voto em 1946. Hoje estão no centro da polêmica lançada por um vereador da cidade de Piraí, interior do Rio de Janeiro, que defendeu a proibição durante discurso sobre os 25 anos da atual Constituição.

1985

• Analfabetos - Um século depois, o direito ao voto dos analfabetos foi restabelecido pela Emenda Constitucional 25, de maio de 1985 (eles puderam votar até 1882, quando foram legalmente impedidos de ir às urnas). A garantia foi mantida na Constituição de 1988, com base no direito à igualdade e universalidade do sufrágio.

1988

• Jovens de 16 anos - A Constituição de 1988 foi a primeira a estabelecer o voto facultativo para cidadãos entre 16 e 18 anos. Em 1990, 2,9 milhões jovens com 16 ou 17 anos participaram das eleições. Em 2012, esse número baixou para 2,6 milhões.

• Militares - As restrições ao voto dos militares permearam as sete primeiras constituições brasileiras. Soldados e cabos foram proibidos de votar até 1988. Os jovens que estão prestando o serviço militar ainda hoje não podem votar.

Obs.: nenhuma Constituição brasileira proibiu expressamente o voto dos negros, inclusive a imperial. Mas apenas escravos libertos (alforriados) nascidos no país podiam votar. E, como eles geralmente não tinham renda suficiente, na prática não votavam.

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  • Mestre Pop (PSC), vereador de Curitiba

Em um dos milhares de debates sobre os 25 anos da Constituição que se espalharam pelo país ao longo do mês passado, o vereador Russo resolveu discursar sobre as regras do sufrágio no país. "Mendigo não tem de votar. Mendigo não faz nada na vida. (...) Eu acho até que deveria virar ração para peixe", disse o parlamentar de Piraí, município de 25 mil habitantes do interior do Rio de Janeiro.

O pronunciamento de Russo, ou melhor, José Paulo de Carvalho (PTdoB), aconteceu no dia 8 de outubro para um plenário vazio. Só ganhou popularidade quando virou hit na internet, na semana passada. As palavras do vereador renderam a ele um indiciamento por apologia ao crime. Mas Russo não é o único com ideias para limitar quem pode votar e quem pode ser votado no país. Várias comunidades em redes sociais na internet defendem que beneficiários do programa Bolsa Família percam o direito de participar das eleições. O assunto também é tratado em uma petição sobre o tema no site Avaaz, espaço on-line para a população fazer abaixo-assinados.

Enquanto isso, na Câmara dos Deputados, a Comissão de Constituição e Justiça aprovou na semana passada uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que reserva vagas para negros nas eleições para deputado estadual e federal. Também em relação ao alcance do sufrágio, o grupo de trabalho da Câmara que discute a reforma política decidiu levar ao plenário a sugestão de tornar o voto facultativo.

Sem chance

O professor de Direito Constitucional Cristiano Paixão, da Universidade de Brasília (UnB), diz não haver possibilidade de mendigos, beneficiários de programas sociais ou de qualquer outro grupo de cidadãos perderem direitos eleitorais. "O voto direto, secreto, universal e periódico não pode ser alterado nem por PEC [proposta de emenda à Constituição]", diz.

Paixão destaca que esse seria um caminho inverso à história das constituições brasileiras, que trilharam uma gradativa universalização do direito ao voto. No Brasil Imperial (1822-1889), havia critérios de renda para a participação nas eleições, que se explicavam pela relação entre o regime e o pensamento conservador europeu do século 19. Já na Primeira República (1889-1930), como não havia uma Justiça Eleitoral nacional, cada estado fazia suas regras, controladas por oligarquias locais.

A evolução começou na década de 1930, com o acesso ao voto das mulheres – ainda que com restrições (veja mais detalhes no quadro à direita). Em 1946, surgiu o voto obrigatório e também acabaram as restrições para os mendigos, que hoje são alvo do vereador Russo.

Professor emérito da UnB e visitante das universidades de Washington e Nova York, o norte-americano David Fleischer afirma que "discutir quem pode votar é discutir cidadania". "No Brasil, a Constituição de 1988 construiu um conceito bastante amplo de cidadania. Pode até ter gente que queira diminuí-lo, mas viabilizar isso é bem improvável."

Vereador negro é contra cota racial para o Poder Legislativo

Um dos poucos parlamentares negros com mandato no Paraná, o vereador de Curitiba Adilson Alves Leandro, o Mestre Pop (PSC), é contra o projeto que reserva vagas para afrodescendentes nas eleições para deputados estaduais e federais.

De acordo com a proposta de emenda à Constituição (PEC) 116/11, em tramitação na Câmara Federal, seriam criadas cotas por cinco eleições seguidas. A quantidade de vagas reservadas no Legislativo seria equivalente ao número de pessoas que se declararam negras ou pardas no último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), não podendo ser menor que um quinto ou maior que a metade do total de cadeiras da Casa. O critério para disputar a eleição como cotista seria a autodeclaração de cor.

"Não tiro o mérito de quem fez a proposta, mas acho que ela poderia criar mais preconceito. Se eu fosse pensar desse jeito, não teria sido eleito", diz Mestre Pop. "Acho que essa é uma questão diferente das cotas para afrodescendentes nas universidades públicas, que é uma coisa que eu sou favorável."

Por outro lado, o vereador admite haver dificuldades para os políticos negros. "O que parece é que os partidos só veem os negros como cabos eleitorais, não como candidatos." Ele também reclama de um preconceito "minucioso" existente entre os curitibanos contra negros.

Choque

Autor da PEC, o deputado Luiz Alberto (PT-BA), que é negro, tem defendido a proposta como "choque de democracia". "E que esse choque recaia justamente sobre a questão decisiva em todas as discussões históricas e teoricamente mais relevantes sobre a democracia no Brasil, que é a das relações entre equidade racial, econômica, cultural e política", relata o petista na justificativa da PEC.

Presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral, o advogado Guilherme Gonçalves diz que a mudança pode "artificializar" os critérios de representação política no Brasil. "A cota partidária interna, como já existe para as mulheres, faz sentido. Mas qualquer preestabelecimento de vagas para esse ou aquele grupo distorce completamente o nosso modelo de representação democrática."

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