
O sorteio para distribuição de residências do programa federal Minha Casa, Minha Vida em Campo Mourão, na região Centro-Oeste do estado, pode ter sido fraudado, de acordo com indícios detectados pela Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar) e apurados pelo Ministério Público Federal e do Ministério Público Estadual. No último sábado (21), um sorteio serviu de critério para a distribuição de 824 casas no Residencial Fortunato Perdoncini, um conjunto residencial da cidade.
As fraudes teriam ocorrido no cadastro de beneficiados. A mais grave é a existência de cadastros homologados de pessoas que são, ou foram, proprietários de outros imóveis, o que contraria os pré-requisitos do programa direcionado a famílias com renda mensal de até R$ 1,6 mil. Se as fraudes forem confirmadas, o sorteio pode ser refeito.
Em março deste ano, ao receber a lista enviada pela prefeitura de 1.080 cadastros, escolhidos entre mais de cinco mil inscritos, a Cohapar encontrou 22 cadastros irregulares. O órgão estadual também constatou anomalias em relação aos critérios dos selecionados, como a omissão de cadastros e alterações na ordem de suplentes entre idosos e pessoas portadoras de deficiência e na ordem do sorteio do grupo geral.
A Cohapar informou o Ministério das Cidades sobre as falhas. Em resposta, o órgão federal encaminhou e-mail informando que não validaria o sorteio realizado “de forma equivocada”.
Através de um ofício, enviado no mês de março, a Cohapar comunicou a prefeita da cidade, Regina Dubay (PR), sobre a situação e recomendou que a seleção dos beneficiários fosse refeita, usando os parâmetros da portaria 595/2013 do Ministério das Cidades, que regulamenta a seleção do programa Minha Casa, Minha Vida.
Na última terça-feira (17), a prefeitura divulgou a relação dos beneficiários do programa, convocando-os para o sorteio de chaves. Na lista publicada no Diário Oficial constavam sete cadastros apontados pela Cohapar como sendo de proprietários de residências, adquiridas através do sistema de crédito da entidade estadual.
A Cohapar enviou outro ofício à prefeita Dubay, desta vez recomendando a suspensão do evento e alertando sobre a necessidade de um novo sorteio. O aviso foi ignorado pela prefeita, que assumiu o risco e realizou o sorteio das chaves em uma cerimônia que contou com a presença de políticos da base aliada dela. A Cohapar se recusou a participar da cerimônia.
A entrega das 824 casas, com 41,77 metros quadrados, é a primeira etapa do Residencial Fortunato Perdoncini, que quando concluído terá 1.524 moradias. O empreendimento é bancado com recursos da Caixa Econômica Federal, através do programa “Minha Casa, Minha Vida”, e tem apoio do governo do estado - Cohapar, Copel e Sanepar - e da prefeitura de Campo Mourão.
Em março, durante a aprovação dos cadastros sorteados, a Cohapar já havia adotado uma postura semelhante. Na resolução de aprovação do sorteio, também publicada no Diário Oficial, a Companhia e a Caixa Econômica Federal fizeram constar um adendo onde se isentavam de responsabilidades sobre a análise dos cadastros sorteados. O destaque incluído na resolução afirma que as Cohapar e a CEF participaram como observadoras e “se eximem da responsabilidade sobre a análise cadastral e enquadramento das famílias quanto aos critérios nacionais e locais de priorização de candidatos”.
Em entrevista à Gazeta do Povo na segunda-feira (23), o diretor de Regularização Fundiária e Relações com a Comunidade da Cohapar, Nelson Cordeiro Justus, confirmou o envio dos ofícios à prefeita de Campo Mourão, no final de março e na semana passada, e afirmou que o sorteio realizado na cidade “está eivado de vícios”.
Segundo Justus, a Cohapar está juntando documentos sobre o caso e enviará à Justiça, solicitando a anulação do sorteio. “Também vamos comunicar a CEF e o Ministério das Cidades, que podem aplicar sanções à prefeitura”, disse ele. Para o diretor, a Cohapar “vai se responsabilizar pela parte que lhe cabe no empreendimento, mas tem comprovação de que avisou sobre as irregularidades”.
O procurador do MPF em Campo Mourão, Henrique Martins de Menezes, instaurou procedimento na segunda-feira (23) para apurar o caso. Na sexta-feira, um dia antes do sorteio, o promotor da 1ª Promotoria Criminal de Campo Mourão, João Paulo Rodriguez da Cruz, abriu notícia de fato sobre irregularidades apontadas pela Cohapar. O procedimento é utilizado para cientificar e identificar o órgão ministerial com atribuição para apreciá-la.
Outro lado
Em entrevista à RPCTV, o coordenador-geral da prefeitura de Campo Mourão, Carlos Garcia, negou que tivesse recebido qualquer ofício da Cohapar, alertando sobre irregularidades e afirmou que se houver erros, a responsabilidade da análise cadastral é da Caixa Econômica Federal.
A Caixa Econômica Federal informou que “a apresentação da relação dos candidatos à instituição financeira ou agente financeiro contratante da operação, deverá ser realizada pelo ente público. O mesmo, no ato da contratação da operação, também se responsabiliza pela seleção dos candidatos a beneficiários, observados os critérios de elegibilidade e seleção de demanda definidos pelo Ministério das Cidades.”
A nota afirma que “o banco verifica o enquadramento técnico nos critérios socioeconômicos (renda familiar, posse de imóvel dentro do Sistema Financeiro de Habitação e/ou recebimento de subsídio financeiro do governo federal em programas anteriores)”.
A assessoria, no entanto, não soube informar se são realizadas consultas em sistemas de financiamento de companhias de habitação de governos estaduais, como é o caso da Cohapar e alegou que a informação era “muito técnica” e que iria tentar responder a questão na sequência.
De acordo com a CEF, a construção das 824 casas em Campo Mourão teve investimento total de R$ 51,9 milhões, sendo R$ 49,5 milhões do Governo Federal e R$ 2,4 milhões do Governo Estadual.O Ministério das Cidades ainda não se pronunciou sobre o assunto.



