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A construção das 824 casas em Campo Mourão teve um investimento total de R$ 51,9 milhões, sendo R$ 49,5 milhões do Governo Federal e R$ 2,4 milhões do Governo Estadual | /
A construção das 824 casas em Campo Mourão teve um investimento total de R$ 51,9 milhões, sendo R$ 49,5 milhões do Governo Federal e R$ 2,4 milhões do Governo Estadual| Foto: /

O sorteio para distribuição de residências do programa federal Minha Casa, Minha Vida em Campo Mourão, na região Centro-Oeste do estado, pode ter sido fraudado, de acordo com indícios detectados pela Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar) e apurados pelo Ministério Público Federal e do Ministério Público Estadual. No último sábado (21), um sorteio serviu de critério para a distribuição de 824 casas no Residencial Fortunato Perdoncini, um conjunto residencial da cidade.

Viúva fica sem casa e sorteado oferece imóvel nos classificados

A viúva Catarina Cordeiro de Godoy, 56 anos, estava desolada no último sábado (21). Após oito anos tentando conseguir uma casa pelo programa “Minha Casa, Minha Vida”, ele teve seu cadastro indeferido na última hora. Sustentando uma filha de 23 anos e um neto, ainda bebê, com uma aposentadoria de R$ 788 que pertencia ao marido, Catarina consegue juntar “mais uns R$ 200” por mês, cobrando R$ 50 como diarista. “Não posso trabalhar todo o tempo, pois cuido da criança, enquanto minha filha procura emprego”, justifica.

Morando em uma casa com vários problemas estruturais, com enormes rachaduras nas paredes, Catarina viveu o sonho de sua vida até terça-feira (17). Em março, ela foi comunicada que estava entre as sorteadas para obter uma casa no Residencial Fortunato Perdoncini.

“Me ligaram da prefeitura e pediram meus documentos. Fui atrás de cartório para retirar segunda via, gastei dinheiro, e fiz uma procuração para minha filha, já que não sei ler ou escrever. Estava tão feliz que não cabia em mim. Mas aí veio o desgosto. Na terça-feira, fiquei sabendo que estava fora da lista dos sorteados. Fui na prefeitura e ninguém me explicou porque. O “Tião” da Ação Social (referência à Sebastião Galdino, do Conselho Municipal de Assistência Social, órgão da secretaria de Ação Social, dirigida pela filha da prefeita Regina Dubay), disse que nem ele sabia explicar como eu fiquei de fora. Fui ao Ministério Público Federal e me falaram para procurar um advogado público. Fiquei sem chão. Tanta gente que tem carro, casa, foi sorteado e eu fui retirada. Não sei o que aconteceu, mas o “Tião” disse que vai dar um jeito”, afirma ela.

Ao contrário de Catarina, Manoel Vilmar Serafim estava muito feliz no interior do ginásio Juscelino Kubitschek na tarde do mesmo sábado. Ele era um dos felizes contemplados com uma casa no sorteio das chaves e recebeu um envelope com a inscrição “Parabéns”, distribuído pela prefeita aos presentes. Na noite do dia anterior, Serafim havia recebido um telefonema de um repórter da RPCTV de Londrina, abordando à venda de um imóvel anunciado no perfil de classificados de uma rede social.

A casa que Serafim diz ter os direitos está localizada no conjunto Avelino Piacentini, também construído com recursos do programa Minha Casa, Minha Vida.

Mostrando interesse nas informações do anúncio, o repórter pegunta qual o valor da casa. Serafim rapidamente responde que quer R$ 50 mil pelo imóvel, localizado no conjunto habitacional e confessa que a casa faz parte do programa federal. Ele diz que comprou os direitos de uma mulher e promete ao repórter: “Se você comprar, quem vai passar o contrato para você é a primeira dona”.

Surpreso, o repórter pergunta se a negociação não poderia trazer problemas. “Não tem problema nenhum. Tem um cara aqui que comprou 13 casas”, diz Serafim. O repórter se assusta com a informação e pergunta como foi possível a comercialização. Serafim, responde tranquilamente: “Compra, né (sic). O cara tem dinheiro. O povo quer vender. Vai embora...”

Questionado no sábado (21), ele disse ao repórter que só mora nesta casa.

As fraudes teriam ocorrido no cadastro de beneficiados. A mais grave é a existência de cadastros homologados de pessoas que são, ou foram, proprietários de outros imóveis, o que contraria os pré-requisitos do programa direcionado a famílias com renda mensal de até R$ 1,6 mil. Se as fraudes forem confirmadas, o sorteio pode ser refeito.

Em março deste ano, ao receber a lista enviada pela prefeitura de 1.080 cadastros, escolhidos entre mais de cinco mil inscritos, a Cohapar encontrou 22 cadastros irregulares. O órgão estadual também constatou anomalias em relação aos critérios dos selecionados, como a omissão de cadastros e alterações na ordem de suplentes entre idosos e pessoas portadoras de deficiência e na ordem do sorteio do grupo geral.

A Cohapar informou o Ministério das Cidades sobre as falhas. Em resposta, o órgão federal encaminhou e-mail informando que não validaria o sorteio realizado “de forma equivocada”.

Através de um ofício, enviado no mês de março, a Cohapar comunicou a prefeita da cidade, Regina Dubay (PR), sobre a situação e recomendou que a seleção dos beneficiários fosse refeita, usando os parâmetros da portaria 595/2013 do Ministério das Cidades, que regulamenta a seleção do programa Minha Casa, Minha Vida.

Na última terça-feira (17), a prefeitura divulgou a relação dos beneficiários do programa, convocando-os para o sorteio de chaves. Na lista publicada no Diário Oficial constavam sete cadastros apontados pela Cohapar como sendo de proprietários de residências, adquiridas através do sistema de crédito da entidade estadual.

A Cohapar enviou outro ofício à prefeita Dubay, desta vez recomendando a suspensão do evento e alertando sobre a necessidade de um novo sorteio. O aviso foi ignorado pela prefeita, que assumiu o risco e realizou o sorteio das chaves em uma cerimônia que contou com a presença de políticos da base aliada dela. A Cohapar se recusou a participar da cerimônia.

A entrega das 824 casas, com 41,77 metros quadrados, é a primeira etapa do Residencial Fortunato Perdoncini, que quando concluído terá 1.524 moradias. O empreendimento é bancado com recursos da Caixa Econômica Federal, através do programa “Minha Casa, Minha Vida”, e tem apoio do governo do estado - Cohapar, Copel e Sanepar - e da prefeitura de Campo Mourão.

Em março, durante a aprovação dos cadastros sorteados, a Cohapar já havia adotado uma postura semelhante. Na resolução de aprovação do sorteio, também publicada no Diário Oficial, a Companhia e a Caixa Econômica Federal fizeram constar um adendo onde se isentavam de responsabilidades sobre a análise dos cadastros sorteados. O destaque incluído na resolução afirma que as Cohapar e a CEF participaram como observadoras e “se eximem da responsabilidade sobre a análise cadastral e enquadramento das famílias quanto aos critérios nacionais e locais de priorização de candidatos”.

Em entrevista à Gazeta do Povo na segunda-feira (23), o diretor de Regularização Fundiária e Relações com a Comunidade da Cohapar, Nelson Cordeiro Justus, confirmou o envio dos ofícios à prefeita de Campo Mourão, no final de março e na semana passada, e afirmou que o sorteio realizado na cidade “está eivado de vícios”.

Segundo Justus, a Cohapar está juntando documentos sobre o caso e enviará à Justiça, solicitando a anulação do sorteio. “Também vamos comunicar a CEF e o Ministério das Cidades, que podem aplicar sanções à prefeitura”, disse ele. Para o diretor, a Cohapar “vai se responsabilizar pela parte que lhe cabe no empreendimento, mas tem comprovação de que avisou sobre as irregularidades”.

O procurador do MPF em Campo Mourão, Henrique Martins de Menezes, instaurou procedimento na segunda-feira (23) para apurar o caso. Na sexta-feira, um dia antes do sorteio, o promotor da 1ª Promotoria Criminal de Campo Mourão, João Paulo Rodriguez da Cruz, abriu notícia de fato sobre irregularidades apontadas pela Cohapar. O procedimento é utilizado para cientificar e identificar o órgão ministerial com atribuição para apreciá-la.

Outro lado

Em entrevista à RPCTV, o coordenador-geral da prefeitura de Campo Mourão, Carlos Garcia, negou que tivesse recebido qualquer ofício da Cohapar, alertando sobre irregularidades e afirmou que se houver erros, a responsabilidade da análise cadastral é da Caixa Econômica Federal.

A Caixa Econômica Federal informou que “a apresentação da relação dos candidatos à instituição financeira ou agente financeiro contratante da operação, deverá ser realizada pelo ente público. O mesmo, no ato da contratação da operação, também se responsabiliza pela seleção dos candidatos a beneficiários, observados os critérios de elegibilidade e seleção de demanda definidos pelo Ministério das Cidades.”

A nota afirma que “o banco verifica o enquadramento técnico nos critérios socioeconômicos (renda familiar, posse de imóvel dentro do Sistema Financeiro de Habitação e/ou recebimento de subsídio financeiro do governo federal em programas anteriores)”.

A assessoria, no entanto, não soube informar se são realizadas consultas em sistemas de financiamento de companhias de habitação de governos estaduais, como é o caso da Cohapar e alegou que a informação era “muito técnica” e que iria tentar responder a questão na sequência.

De acordo com a CEF, a construção das 824 casas em Campo Mourão teve investimento total de R$ 51,9 milhões, sendo R$ 49,5 milhões do Governo Federal e R$ 2,4 milhões do Governo Estadual.O Ministério das Cidades ainda não se pronunciou sobre o assunto.

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