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Antonio Di Pietro é o rosto mais conhecido da força-tarefa que deflagrou a Mãos Limpas, entre 1992 e 1994, na Itália. | Gabriel Bouys/AFP
Antonio Di Pietro é o rosto mais conhecido da força-tarefa que deflagrou a Mãos Limpas, entre 1992 e 1994, na Itália.| Foto: Gabriel Bouys/AFP

O ex-magistrado Antonio Di Pietro, 65 anos, é o rosto mais conhecido da força-tarefa que deflagrou a Mãos Limpas (Mani Pulite), operação que entre 1992 e 1994 investigou o alto escalão da política italiana e que inspirou a Lava Jato. Em conversa com a Gazeta do Povo, Di Pietro expressou solidariedade ao juiz federal Sergio Moro e lançou uma advertência: “Certamente, Moro acabará processado, mas meu desejo é que, como magistrado independente, cumpra seu dever”.

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Na época, a força tarefa de Mãos Limpas respondeu a vários inquéritos e processos, inclusive de atentado aos órgãos constitucionais do estado. “Foi uma tentativa de desviar a atenção e minar a credibilidade da investigação”, diz o magistrado. O que está acontecendo no Brasil, segundo ele, é uma história já vista antes.

O senhor está acompanhando os desdobramentos da operação Lava Jato?

Não conheço os autos do processo, mas as polêmicas alcançaram um nível internacional. O que está acontecendo é uma história já vista antes: um magistrado independente que está fazendo seu trabalho e que é vítima de deslegitimação, críticas e ataques. É a tentativa de culpar quem investiga e não quem cometeu os crimes.

O senhor conhece pessoalmente o juiz Sergio Moro?

Não, mas vi que está tentando descobrir fatos criminais no Brasil, assim como aconteceu na Itália. As personalidades do alto escalão envolvidas não deveriam se esconder atrás do cargo de ministro, mas deveriam ir perante um juiz para serem julgadas.

Moro tem uma popularidade altíssima. O senhor também foi considerado herói nacional.

Ter a grande atenção da opinião pública é o único modo para que um magistrado não seja reprimido.

As personalidades do alto escalão envolvidas não deveriam se esconder atrás do cargo de ministro.”

Comparado com a sua época, Moro tem um instrumento a mais: as interceptações telefônicas. Sua utilização, porém, está gerando fortes controvérsias no Brasil.

Na minha época havia poucos celulares, mas hoje eles são um instrumento de investigação importante. Tomei conhecimento das polêmicas sobre as interceptações dos altos cargos do governo e das acusações contra o juiz Moro, que ele estaria agindo sob mando político e estaria rompendo o pacto democrático. Mas, ao invés de focar em quem investiga, quem tem papel de destaque nas instituições, tem o dever ético e político de explicar seu comportamento perante a opinião pública. O elevado grau de atenção da sociedade garante a eficiência da Justiça.

O personagem

Nascido num pequeno município da região Molise, no sul da Itália, Antonio Di Pietro ganhou popularidade durante Mãos Limpas graças a sua atuação no tribunal em que se expressava com um linguajar popular e informal, que ficou conhecido como “dipietrese”. Declarou-se um católico liberal de centro e foi delegado de polícia antes de ganhar o concurso de magistrado. A partir de 1985, passou a trabalhar no Ministério Público de Milão e a investigar crimes contra a pública administração. Afastado de Mãos Limpas, aos 45 anos, ingressou na política e fundou o partido Itália dos Valores, cujo objetivo era a moralização da vida pública. Foi duas vezes ministro nos governos de centro-esquerda do primeiro ministro Romano Prodi e se destacou na cena nacional por ser um dos principais opositores de Silvio Berlusconi. Em 2013, terminou sua carreira política.

O senhor foi fortemente criticado pela ampla utilização das medidas de prisão preventiva. Moro erra ao agir da mesma forma?

Ninguém contesta as prisões de quem comete furtos nos supermercados ou de bicicletas. As contestações surgem quando envolvem personalidades do alto escalão. A prisão preventiva é utilizada quando há perigo de fuga ou adulteração das provas. Quem ocupa os postos de poder consegue tomar conhecimento dos fatos investigados, sobretudo quando são muito complexos e envolvem muitas pessoas. Quando há o perigo de adulterar as provas, a prisão preventiva se torna necessária.

Moro corre o risco de sofrer um processo disciplinar e parte da investigação foi tirada de suas mãos. Qual a sua avaliação?

Além de expressar a minha solidariedade ao juiz Moro, quero dar a mesma advertência que minha irmã me deu na época: “Faça seu dever e pague as consequências”. Certamente, Moro acabará processado, mas meu desejo é que, como magistrado independente, cumpra seu dever.

O senhor foi vítima de dossiês, ameaças de morte e sofreu vários processos. Como foi aquela fase?

Fui acusado também pelo suicídio de pessoas [durante a Mãos Limpas, alguns investigados se suicidaram] e de atentado aos órgãos constitucionais do estado. Foi uma tentativa de desviar a atenção e minar a credibilidade da investigação. O país Brasil não é o juiz Moro, mas é constituí do por instituições ocupadas por pessoas que estão ali por seus próprios interesses. A Mãos Limpas foi descrita como uma guerra entre bandos quando na realidade foi uma guerra entre policiais e ladrões.

A Mãos Limpas acabou com os grandes partidos tradicionais da Itália e abriu o caminho para Silvio Berlusconi. Um magistrado tem que pensar nas consequências políticas de seus atos?

Uma investigação penal não é feita contra os partidos, mas contra pessoas físicas. Não é culpa do magistrado se a classe política daquela época se aproveitou de ideais históricos para cometer crimes, nem o juiz deve se preocupar quem irá governar no dia seguinte. O juiz deve aplicar a lei. É culpa do médico se o paciente tem um tumor?

Uma investigação penal não é feita contra os partidos, mas contra pessoas físicas. Não é culpa do magistrado se a classe política daquela época se aproveitou de ideais históricos para cometer crimes, nem o juiz deve se preocupar quem irá governar no dia seguinte.”

Hoje a corrupção na Itália é maior ou menor que naquela época?

A corrupção continua porque o sistema dos colarinhos brancos se “engenheirizou” e os delitos são cometidos com maior inteligência criminal. O juiz é como o coveiro: um é ativado quando a pessoa já está morta, o outro quando o crime já foi cometido. A corrupção não vai acabar enquanto houver conveniência em cometê-la. É preciso investir em prevenção, educação, dar mais recursos à magistratura e à polícia, e melhorar o sistema judiciário para agilizar os processos.

Seus detratores dizem que a sua carreira de magistrado foi um trampolim para ingressar na política. Em 1998 o senhor fundou um partido.

Impediram que eu prosseguisse as investigações em dezembro de 1994, mas eu tinha apenas 45 anos. Virei ministro no outono de 1996 e me candidatei pela primeira vez em 1997. Nos dois anos que fiquei parado me apresentei perante os juízes e respondi a todos os processos que abriram contra mim. Eu era limpo e não havia nada a temer. Fui absolvido e os que me deslegitimaram foram condenados.

Em 2012, uma investigação jornalística do programa de tevê Report sobre seu patrimônio e o do partido acabou com a sua carreira política. O que o senhor faz hoje?

Advogo. Mas quero frisar que processei o programa e fui ressarcido pelos danos morais e materiais.

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