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Não raramente réus condenados e em cumprimento de pena recebem novas condenações, por crimes praticados antes ou depois da execução vigente, mas transitadas em julgado no seu curso. Nesse cenário, por se fazer necessária a unificação das penas, surge dúvida relacionada à fixação da data de (re)início da contagem do prazo para a progressão de regime.

Pelo STJ, o termo inicial para a contagem da progressão passa a ser o dia do seu trânsito em julgado, seja a condenação referente a crime anterior ou posterior ao início da execução (HC 254255/MG, 6ª Turma). Igualmente, o STF entende que a data do trânsito em julgado da nova condenação é o termo inicial de contagem para concessão de benefícios, que passa a ser calculado a partir do somatório das penas que restam a ser cumpridas (HC 101023/RS). O posicionamento, contudo, parece estar em desajuste com o texto constitucional e com a própria Lei de Execuções Penais.

Os dispositivos legais que dão substrato às referidas decisões são os artigos 111, parágrafo único, e 118, II, ambos da LEP. Eles dispõem, respectivamente, que "Sobrevindo condenação no curso da execução, somar-se-á a pena ao restante da que está sendo cumprida, para determinação do regime"; e que "A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado: (...) II - sofrer condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da pena em execução, torne incabível o regime" (artigo 111). Ainda; em alguns acórdãos se faz menção ao artigo 75, § 2º, do Código Penal, do qual se extrai que "O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos (caput)" e que "Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido" (§ 2º). Uma simples leitura de cada um dos enunciados permite que se conclua que a posição da jurisprudência carece, ao menos em parte, de respaldo legal.

A par de outras situações, pode calhar de o condenado já preso em regime fechado ser surpreendido com nova condenação, esta fruto de ato realizado antes do início do cumprimento da pena vigente. Essa situação merece atenção, pois, se para ela se admitisse a posição jurisprudencial em mostra, se estaria incorrendo em analogia in malam partem, vedada no direito penal pátrio.

Os artigos supracitados da LEP se limitam a determinar a soma das penas em caso de nova condenação e a possibilitar a regressão de regime; não versam sobre a data inicial para a contagem da progressão. O mesmo se denota do dispositivo aludido CP, que, não bastasse ser também silente a esse respeito, está em outro contexto quando despreza o tempo anterior de pena cumprida – ele a desconsidera para fins do limite de 30 anos para a execução, consoante se deflui do seu caput. Nessa toada, conclui-se que não há norma que verse sobre a fixação da data inicial para a contagem do prazo para a progressão de regime ante a superveniência de nova condenação no curso da execução.

Se não há norma, há lacuna, e, se há lacuna, qualquer colmatação que se faça com o uso de outra norma similar é uma interpretação analógica. Mas esta, conforme delineado, não pode ser feita em desfavor do réu, o que torna inviável o uso dos artigos mencionados na hipótese exposta e, consequentemente, ilegal a posição dos tribunais.

Suponha-se a situação em que um indivíduo pratique mais de um crime em datas próximas e somente depois, com a superveniência da primeira condenação, venha a ser preso em regime fechado. Posteriormente, já durante o cumprimento da pena imposta, surge nova condenação definitiva, pelo segundo crime. Sob o prisma da visão dos tribunais superiores, pergunta-se: é justo com o preso que, por descompasso no trâmite processual das duas ações, ele tenha o tempo de segregação ignorado para fins de obtenção da progressão? Pior: e se essa condenação posterior se tornou definitiva somente ano ou anos depois, por força da complexidade do processo?

Não se pode conceber que, sem se portar mal na execução, um condenado tenha direitos tolhidos, por mero infortúnio, por causa de condenação que sobreveio tardiamente. Pensar desse modo é deixar à mercê da eficiência dos aparatos estatais a decisão sobre quando o sentenciado pode ter direito à progressão de regime, o que é incoerente e contrário ao princípio da legalidade e seus consectários, como o da segurança jurídica.

É certo, pois, que no caso exposto se deva incluir o tempo da custódia que já vinha se dando em regime fechado na aferição do cumprimento do requisito objetivo da progressão. Não há problemas em contabilizar a fração correspondente no âmbito da pena unificada como um todo, e não apenas em parte; pelo contrário, é a única forma de se observar corretamente as frações legais, que, pelo critério da jurisprudência, são camufladamente violadas (o preso não cumpriria 1/6, ou 2/5, ou 3/5 da pena total, mas mais que isso para progredir).

A execução penal é o ramo do direito penal que mais se aproxima da prática. Isso demanda que seus institutos sejam estrita e cuidadosamente analisados, a fim de se evitar que sejam afrontados diretamente direitos fundamentais do condenado, notadamente o de liberdade. Nessa perspectiva, e na perspectiva do neoconstitucionalismo, conclui-se que é hora de dar mais atenção a cada caso concreto do direito penitenciário, preterindo, por vezes, a adoção de entendimentos jurisprudenciais genéricos para priorizar a aplicação de normas de ordem constitucional em prol do condenado – e do Estado Democrático de Direito.

Luiza Nascimento Mendonça, pós-graduada em direito penal e processual penal pela Unicuritiba, pós-graduanda em direito constitucional na ABDConst, assessora jurídica no Ministério Público do Paraná – Procuradoria Geral de Justiça.

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