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Eduardo Lino Bueno Fagundes | Antônio More/Gazeta do Povo
Eduardo Lino Bueno Fagundes| Foto: Antônio More/Gazeta do Povo

Ficha técnica

• Natural de: Curitiba (PR)

• Currículo: especialista em direito processual civil pela Unibrasil e Metodologia de Combate à Violência contra Crianças e Adolescentes pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Juiz de direito da 1.ª Vara de Execuções Penais de Curitiba-PR.

• Jurista que admira: Maurício Kuehne

• Leu recentemente: Dom Quixote, de Miguel de Cervantes

• Nas horas vagas: pratica corrida

  • Eduardo Lino Bueno Fagundes

Depois de conduzir com sucesso mutirões carcerários aqui no Paraná, chegou a hora de o juiz da 1.ª Vara de Execuções Penais, Eduardo Lino Bueno Fagundes, levar esse conhecimento para o Pará. O magistrado foi convidado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para coordenar o mutirão que ocorrerá no estado da Região Norte. Fagundes entende que os mutirões são importantes para trazer essas questões ao debate público ao mesmo tempo em que aliviam o sistema carcerário. Defensor da importância de garantir trabalho e estudo para os apenados, ele conta em entrevista concedida ao Justiça & Direito como é a realidade do sistema penitenciário paranaense.

Como será a atuação do mutirão carcerário no Pará?

Os problemas no Pará são muito semelhantes aos problemas nos outros estados do Brasil. Nós temos uma experiência no assunto que podemos dividir com outros estados que ainda estão em certa dificuldade. Aqui no Paraná teve um mutirão carcerário em 2010, organizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Eu estou tentando fazer uma parceria no Pará, utilizando o mutirão para modificar o panorama de lá e resolver gargalos que existem. É isso que o CNJ pretende. A intenção é que o estado, com as próprias possibilidades, continue esse serviço de saneamento do sistema carcerário. A pena consegue cumprir sua função de ressocialização?

A pena tem dois aspectos: a retribuição e a ressocialização do preso, mas no Brasil essa questão acabou sendo deixada de lado. Até pela própria estrutura dos presídios, que são muito antigos e não foram pensados para que os presos tivessem um cotidiano de estudos e trabalho. Nós temos incentivado o trabalho e o estudo, porque temos percebido que esse é o verdadeiro motor que vai fazer a pessoa retornar para a sociedade sem que caia em reincidência. A situação é dramática no regime fechado, no qual poucos conseguem trabalhar e estudar. Como cumprir a progressão de regimes prevista em lei quando não há estrutura física para isso?

O regime aberto é praticamente inexistente no Brasil. Se fôssemos avaliar qual seria o melhor regime, talvez seja o aberto, no qual a pessoa dorme na casa de albergado à noite e trabalha durante o dia. Ela não perde o contato com a sociedade, cumpre a sua pena e pode ser que saia uma pessoa melhor. Mas o investimento foi maciço no regime fechado e acabaram não investindo nos outros como deveriam. Aqui em Curitiba e região metropolitana temos a colônia agroindustrial, com 1500 vagas, o que faz com que aqui as pessoas passem pelo semiaberto. No interior e em outros estados, não há colônia suficiente, e se concede prisão domiciliar para que essas pessoas não fiquem em situação pior do que deveriam. Esses três regimes teriam que ser funcionais. A pena mais grave no Brasil é a prisão em regime fechado. Se aplicarmos o regime fechado para crimes menores, acaba-se banalizando a importância da prisão e se perde a gradação das punições. A informatização do Judiciário tem facilitado o trabalho da execução penal?

Quando não havia informatização, o Judiciário dependia que o advogado provocasse o Estado para que fosse concedida a progressão. Mas, como a massa carcerária é muito pobre e a defensoria pública tem recursos muito escassos, essas pessoas acabavam ficando mais tempo do que o necessário. A partir de 2011, nós começamos a informatização total do sistema. Hoje dificilmente uma pessoa vai cumprir pena mais tempo do que o necessário. O Estado tem obrigação de reconhecer mais rapidamente os direitos. Se formos pensar numa população carcerária de 28 mil pessoas e em cada uma delas ficando meses a mais no sistema, haverá superlotação carcerária. Com o crescimento da massa carcerária, a única forma de manter a higidez do sistema é com a informatização. A Lei de Execução Penal precisa ser alterada?

Precisa de uma alteração urgente, que já está redigida por uma comissão de juristas. Em 1984, o cálculo tinha que ser feito a lápis, era preciso expedir ofícios etc. Hoje a realidade mudou. Nós conseguimos ver os antecedentes do apenado, extrair o atestado de comportamento e calcular a pena de maneira eletrônica. Todos aqueles prazos lá de 1984 perdem o sentido hoje em dia. É possível obter as informações do apenado e já avaliar sua situação, não precisa de meses. As modificações da lei de execuções penais pretendem enxugar e concentrar os atos. Há efetividade nas penas alternativas à prisão?

Isso passa por uma mudança cultural. A impressão é que, se o juiz não opta pela prisão, é como se o Estado não houvesse feito nada. Na Itália, o primeiro ministro recebeu uma pena alternativa de comparecimento a um asilo para prestar serviços, e a comunidade italiana considerou uma punição exemplar. Aqui no Brasil, a mesma situação levaria o povo a dizer que o Judiciário não fez nada. As pessoas têm uma falsa sensação de segurança e gostam de saber que há bastante gente presa. O encarceramento tende a levar à piora da pessoa, como mostram os elevados níveis de reincidência. O sistema carcerário deveria melhorar o cidadão, e está piorando. E tudo isso a um custo caríssimo para o Estado. Depois que cumpre a pena, o preso consegue se reintegrar à sociedade?

Havia um grande preconceito com a pessoa egressa do sistema penitenciário, o que era terrível. Em 2011, começamos a implementar o programa "Começar de Novo", do CNJ, para que os empresários ofertem vagas aos egressos do sistema. Aqui em Curitiba conseguimos uma resposta muito boa, pegamos um mercado de trabalho que estava em expansão e colocamos muitos ex-detentos. Esses egressos passaram na colônia agroindustrial por cursos profissionalizantes e saíram bons pintores, mestres de obra, serventes de pedreiro, para que ingressem no mercado de trabalho e não retornem ao sistema penal. Agora começou um projeto da Secretaria de Justiça de municipalização dos patronatos, que são as instituições que têm a obrigação de acompanhar a pessoa que sai do sistema penitenciário. Com essa municipalização, o programa "Começar de Novo" está criando capilaridade no interior. É responsabilidade de todos o cuidado com essas pessoas que têm dificuldade em se reintegrar à sociedade. O que pode ser feito para manter uma boa execução penal?

Os servidores da minha vara e eu vamos à penitenciária, o que é totalmente diferente de fazer uma execução penal de gabinete. Vendo as dificuldades existentes, você consegue agir de acordo com a realidade. Se você não conhece o sistema, você toma decisões ininteligíveis para o sistema carcerário. Com o fato de a administração dos presídios saber que vamos até lá periodicamente, o presídio muda. Até o cheiro hoje é diferente do que quando começamos a ir aos presídios em 2011. Em que pese os alojamentos serem antigos, foi adotada uma série de medidas simples, mas que sem o acompanhamento do Judiciário não sei se seriam feitas. É importante que o juiz de execução penal se conscientize de que tem de participar do dia a dia dos estabelecimentos penais. É uma realidade para o qual o Judiciário precisa ter um olhar mais humano. Jogar as pessoas lá todas empilhadas e um dia abrir a porta e mandar embora não está dando certo.

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