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A discussão sobre a “igualdade de chances” no acesso à educação superior deve ser considerada em dois patamares, o ideológico e o prático.

A polêmica ideológica está vencida pela decisão do STF (ADPF n.º 186), que declarou a constitucionalidade do sistema de cotas. Mas, nem todos se convenceram do acerto desta decisão.

As cotas sociais ou raciais são uma das maneiras de se promover as chances de pessoas que, por outras formas de seleção, não teriam oportunidade de acessar o ensino público superior. Esta é uma forma substancialmente mais igualitária de inclusão.

A outra maneira de pensar o tema (mais formal e liberal) supõe que todos estão equiparados (de maneira justa) porque realizarão a prova num mesmo dia, com um mesmo conteúdo programático pré-definido.

Para ambos os modelos há a competição e a aferição de mérito individual. Num caso, os cotistas concorrem entre si. No outro, todos concorrem com todos.

Nesse cenário, é que se põem as questões: que tipo de sociedade democrática se quer? O modelo de vestibular permite alcançar este tipo de sociedade? Quais compromissos as pessoas que utilizaram dos recursos públicos têm com a sociedade?

A visão “liberal” propõe uma sociedade “meritocrática”, na qual os mais habilitados (aqueles que estudaram nas melhores escolas, na maioria privadas), têm direito a qualificarem seus talentos na UFPR. Tais pessoas até poderiam estudar em faculdades particulares de qualidade, mas elas entendem ter o direito de qualificar seu talento na universidade pública. Aí surgem as seguintes polêmicas: pessoas mais favorecidas devem usar de recursos públicos que poderiam ser empregados para outras destinações? Qual compromisso público pode-se exigir destas pessoas que foram favorecidas duplamente (pela condição econômica e pela vaga na UFPR)?

A perspectiva “igualitária” propõe uma sociedade mais “plural”, na qual as pessoas (independentemente da condição de nascimento) devem ter uma chance real de qualificar seus talentos e alçar uma vida melhor. Argumentam que o estudante mais favorecido que não foi aprovado na UFPR ainda terá a chance de cursar uma universidade privada, o que não ocorreria em relação aos cotistas.

Algumas observações importantes para que a perspectiva igualitária seja levada a sério: a) o PROUNI e o FIES são, igualmente, programas de inclusão social (apesar de parcialmente diferentes); b) um programa de igualdade de oportunidades deve resolver problemas presentes (daqueles que não tiveram chances razoáveis no passado), mas, também, problemas futuros (daqueles que atualmente estão no ensino fundamental).

É de se notar que ambas as formas de vestibular visam selecionar as pessoas mais habilitadas. Não se trata de incluir inábeis e pessoas que não têm um talento relevante para a sociedade.

Daí surge uma segunda polêmica (a “linha de corte”), que diz respeito ao aspecto prático da concretização das ideologias.

Sim, existem distorções no resultado do vestibular, pois alguns concorrentes (cotistas) foram aprovados com um baixo percentual de acertos.

Mas, as distorções são inerentes a qualquer modelo de Justiça. Então, a questão é saber qual modelo é menos arbitrário (o mais liberal ou o mais igualitário?).

Algumas perguntas podem ajudar na reflexão: a) o que fazer com as distorções? Elas anulam o modelo escolhido como um todo? b) as distorções poderiam ser evitadas com uma linha de corte mais exigente? Qual seria o limite? c) aqueles que não acertaram tantas questões no vestibular, realmente, não terão condições de concluir o curso superior? d) A UFPR, durante o curso, fará provas “mais fáceis” para que os cotistas se formem? e) a UFPR reduzirá o nível geral de suas provas para que todos concluam o curso?

Caso a UFPR tenda à “mediocridade”, certamente, o mercado privado estará ávido para absorver os bons alunos que podem pagar mensalidades. A confirmar-se tal ilação, certamente, os menos favorecidos serão “graduados” de segunda classe, o que contradiz a lógica da promoção de igualdade de oportunidades. Logo, não é de esperar que esta seja a política da Universidade.

Por sua vez, ao manter uma nota de corte menos exigente no vestibular e, em seguida, cobrar um nível de excelência para a formação dos menos favorecidos, a UFPR terá de se desdobrar com programas de reforço educacional, que exigirão um maior empenho do estudante cotista que enfrentar dificuldades.

Esses são os compromissos (da UFPR e dos calouros) que precisam ser constantemente esclarecidos e justificados, especialmente quanto aos critérios de “corte” (requisito mínimo de habilidades educacionais) porque parte da sociedade não se acostumou às cotas. Qualquer proposta de justiça social (liberal ou igualitária) é polêmica. Mas, os ressentimentos que advém das distorções tendem a ser mitigados quando se mostra à sociedade os seus objetivos e resultados (positivos e negativos).

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