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No julgamento dos Embargos de Divergência nº 386.266/SP a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento segundo o qual inadmitido o recurso especial pelo Tribunal de origem, em decisão mantida pelo STJ, há a formação da coisa julgada, que deverá retroagir à data do término do prazo para interposição do último recurso cabível.

Na mencionada decisão assentou a Corte Superior, com base em dois julgados do Supremo Tribunal Federal - HC 86.125-3/SP, de relatoria da Min. Ellen Gracie e ARE 723590/RS, de relatoria do Min. Ricardo Lewandowski - que “(...) a decisão que inadmite o recurso especial ou extraordinário possui natureza jurídica eminentemente declaratória, tendo em vista que apenas pronuncia algo que já ocorreu anteriormente - e não naquele momento -, motivo pelo qual opera efeitos ex tunc. Assim, exsurge certo que o trânsito em julgado retroagirá à data de escoamento do prazo para a interposição de recurso admissível”.

Ainda, colhe-se do r. acórdão, no que diz especificamente à prescrição na esfera penal, que “o manejo de recursos flagrantemente incabíveis não pode ser computado no prazo da prescrição da pretensão punitiva, sob pena de se premiar o réu que se utilizou indevidamente do aparato judicial. É certo que a procrastinação indefinida de recursos contribui para a prescrição e, como consequência, para a impunidade”.

Tal precedente, pode-se dizer, representou verdadeira mudança de entendimento do Superior Tribunal a respeito do tema (overruling), pois, até então ambas as turmas criminais reconheciam a prescrição da pretensão punitiva estatal levando em consideração o lapso temporal transcorrido entre o acórdão condenatório e o efetivo trânsito em julgado (leia-se esgotamento das vias recursais).

A nova interpretação acerca do trânsito em julgado, cujo ápice, quiçá, tenha ocorrido no julgamento do polêmico HC 126.292 do STF, atinge em cheio e coloca em crise o que compreendemos por Estado Constitucional de Direito – contenção do poder estatal, inclusive jurisdicional, pelas regras e garantais fundamentais estabelecidas no ordenamento jurídico.

Isto porque o ordenamento jurídico pátrio é claro ao determinar que o trânsito em julgado de uma decisão judicial, ou coisa julgada, só se estabelece quando ela (decisão) não mais está sujeita a mutabilidade, ou, em outras palavras, quando esgotados os meios recursais (ordinário ou extraordinário), momento em que se torna imutável e indiscutível.

É o que expressamente prevê o artigo 6º, §3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – Lei nº 4.657 de 1942 – e o que à época do julgamento previa o artigo 467 do Código de Processo Civil (CPC) – hoje previsto no artigo 502 do Nnovo CPC -, respectivamente, in verbis: Art. 467 do CPC - Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário, e, Art. 6º, § 3º, da LINDB - Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.

Vale dizer, havendo previsão legal ou constitucional do cabimento do recurso para impugnar decisão que lhe é prejudicial e tendo a parte, tempestivamente, interposto o recurso adequado, eventual decisão de inadmissibilidade não pode ter o condão de operar a retroatividade do trânsito em julgado da sentença/acórdão penal condenatório.

Poder-se-ia juridicamente admitir, como, aliás, já entendeu o Supremo Tribunal Federal, a determinação de certificação retroativa do trânsito em julgado nas hipóteses de interposição de recurso incabível – leia-se, não previsto no ordenamento jurídico – ou manifestamente protelatório, cujo critério objetivo para sua configuração deve ser melhor desenvolvido e, em respeito a legalidade, inserido na legislação.

Em outras palavras, ao jurisdicionado não é facultado o exercício abusivo do direito recursal, pois, caso assim não fosse, restaria inviabilizada a prestação jurisdicional incumbida ao Estado.

Ao Estado se atribui o poder/dever de resolver o caso penal. Este poder/dever, contudo, deve ser exercido com estrita observância das regras do jogo.

Com efeito, considerar que o trânsito em julgado de uma decisão ocorre antes do esgotamento das vias recursais legal e constitucionalmente facultadas ao jurisdicionado, como fora assentando pela 3ª Seção do Corte Cidadã, contraria de forma manifesta o que dispõe a lei. Por consequência, viola o princípio da Legalidade (artigo 5º, incisos II, XXXIX e XL da CR/88), núcleo do Estado de Direito, de relevância fundamental ao direito material e processual penal, vez que para além de limitar a criminalização estatal impõe que nenhum direito do acusado será tolhido e/ou restringido sem a expressa e clara previsão legal.

Ademais, a hermenêutica empregada pelo Superior Tribunal de Justiça viola o princípio constitucional do devido processo legal (art. 5º, LIV, CR), haja vista que resolve uma questão (processual) penal – reconhecimento da ocorrência da perda do poder punitivo estatal - a partir de regra não estabelecida nos Códigos Penal e Processual Penal, nem tampouco na Lei 8.038/90 que regulamenta os recursos extraordinários.

O fim almejado de aplacar a impunidade, por mais louvável que seja - e de fato o é -, não pode ser atingido a custa dos direitos e garantias fundamentais do jurisdicionado, expressamente previstos no ordenamento jurídico, pois, vale lembrar, no Estado Constitucional de Direito os fins não justificam os meios, senão que ambos devem ser legítimos e, para isso, pautados na legalidade.

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