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A morte, paradoxalmente, é uma das certezas da vida, que dela não faz parte. Ainda que para alguns filósofos a morte seja o início de um novo ciclo de vida, como para Platão que, no diálogo de Fédon com Sócrates, que estava na prisão à espera da cicuta, debatendo sobre a morte, concluiu ser o momento da separação entre a alma e o corpo, prefiro pensar que a nossa própria morte não faz parte de nossa vida. Dou razão a Epicuro, para quem "Quando nós estamos, a morte não está; quando a morte está, nós não estamos"; e para Wittgenstein, de acordo com quem "A morte não é um evento da vida. A morte não se vive". Não vivemos a nossa morte, e sim a dos outros. Vivemos a dor da morte dos outros, tão bem retratada pela pergunta de Affonso Romano de Sant'Anna: "Em 20/30 anos/quantas mortes morrerei/na morte dos demais ?" Não é sobre a morte que desejo tratar, como retrata o título.

No direito brasileiro, a morte estabelece o término da existência da pessoa natural e determina a abertura da sucessão. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. É justamente essa transmissão – causa mortis – e não a morte em si, que é tributada pelo mposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). A base de cálculo sobre a qual incidirá a alíquota de 4% é o valor venal dos bens ou direitos ou o valor do título ou crédito, transmitidos, apurados mediante avaliação procedida pela Fazenda Pública Estadual. É um montante expressivo! Entretanto, essa é a alíquota que nós estabelecemos, em razão da ideia da autoimposição normativa, presente no princípio da legalidade tributária.

Diante disso, várias pessoas começam a encarar o temido momento da morte de uma maneira desmistificada, planejando a sua sucessão, buscando reduzir o montante de impostos nela incidentes. Não me cabe, aqui, analisar a moralidade dessa conduta, principalmente em razão da inexistência de um consenso moral em nossa sociedade. Os valores que interessam, neste caso, são aqueles impregnados nos textos legais pelo legislador. Convém ressaltar que, quanto pior o legislador, pior os valores impregnados na lei. Lembremo-nos disso!

A forma mais comum utilizada para se alcançar a redução dos tributos pagos na sucessão é a constituição de "holdings" patrimoniais, cujo quadro social é composto por pais e filhos. Nesses casos, o capital social é integralizado com bens imóveis. Isso porque a Constituição estabelece uma imunidade tributária para essas transmissões de bens imóveis "inter vivos". Ao tratar do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis Inter-Vivos (ITBI), imposto de competência dos Municípios, estabelece que ele "não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital...", desde que a atividade preponderante do adquirente não seja a "...compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil...". Os §§ 1º e 2º do artigo 37 do Código Tributário Nacional (CTN) estabelecem quando se consideram essas atividades como preponderantes. Sem atentar para as peculiaridades das regras, considera-se preponderante quando mais de 50% de sua receita operacional for decorrente de transações daquela espécie. Ainda que imunidade não houvesse, geralmente, a alíquota do ITBI é menor que a do ITCMD. Em Curitiba, as alíquotas variam de 0% a 2,4%; em Maringá e em Londrina, de 0,5% a 2%; e em Paranaguá, de 0% a 2%, por exemplo.

É possível questionar se esses negócios, com o fim único de reduzir a carga tributária na sucessão, são legítimos. O parágrafo único do art. 116 do CTN prescreve que esses atos ou negócios, cuja finalidade é dissimular a ocorrência do fato jurídico tributário, poderão ser desconsiderados pela autoridade administrativa, desde que observados os procedimentos que venham a ser estabelecidos em lei ordinária. Sem a edição da mencionada lei, a prerrogativa estabelecida pelo parágrafo único não poderá ser exercida.

Há, entretanto, outro reflexo comumente esquecido por quem opta por essa forma de planejamento: aquele decorrente do regime de bens adotado pelos herdeiros de quem transfere o imóvel. Analiso, aqui, apenas o regime de casamento mais comum: o da comunhão parcial. Em havendo doação das quotas ou a sua aquisição por sucessão, casos em que há a incidência do ITCMD sobre o valor nominal das quotas, não haverá comunicação dos bens, ou seja, essas quotas, recebidas em doação ou por herança, não devem ser divididas entre marido e mulher. Caso, porém, as quotas sejam vendidas aos herdeiros, haverá a comunicação dos bens. Afinal, o Código Civil estabelece que entram na comunhão "os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges".

Respondendo à pergunta, não encontro, no direito brasileiro, proibição expressa para essas condutas. Não há, também, é bem verdade, permissão expressa, o que me conduz à conclusão de estarmos diante de uma permissão débil (ausência de proibição). A meu ver, essas condutas são permitidas até que eventual lei as proíba expressamente.

Maurício Dalri Timm do Valle, doutorando em Direito pela UFPR, é professor de Direito Tributário do UniCuritiba e advogado

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