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O aumento acentuado nas tarifas de energia elétrica, no ano passado, levou muitas empresas a buscar alternativas para a redução desse custo, sendo uma delas a tese da não incidência do ICMS sobre as tarifas de uso dos sistemas de distribuição e transmissão de energia, conhecidas respectivamente pelas siglas TUSD e TUST.

Essa tese, que não é nova, está amparada no argumento de que, como a energia elétrica é tratada na Constituição Federal como uma mercadoria, suas características peculiares (a energia não é palpável, nem é passível de armazenamento ou estocagem) determinam que a cobrança do ICMS ocorra apenas sobre as etapas de circulação que resultem em consumo de energia, ou seja, na sua entrega ao usuário.

A TUSD e a TUST são, por definição da ANEEL, tarifas devidas pelo uso da infraestrutura de transmissão e distribuição, fornecida aos usuários pela concessionária de energia elétrica. Nessa qualidade, elas não se confundem com a tarifa de energia (TE) - também definida pela ANEEL - e não poderiam compor a base de cálculo do ICMS porque não representam o preço da energia elétrica, enquanto mercadoria. Esse preço é representado pela TE.

Para os consumidores cativos (que compram a energia diretamente da concessionária), a TE e a TUSD/TUST são cobradas na mesma fatura de energia elétrica, emitida por concessionárias como a COPEL, no Paraná, e a CELESC, em Santa Catarina; já para os consumidores livres, a TE é cobrada diretamente pelo fornecedor que atua no mercado livre, enquanto a TUSD/TUST são pagas às concessionárias. Tanto em um quanto em outro caso, a TUSD/TUST tem seus valores homologados pela ANEEL separadamente da TE, ainda que possam ser cobradas juntas.

Embora a distinção entre a tarifa de energia e a TUSD/TUST seja clara na Resolução da ANEEL, a base de cálculo do ICMS definida na Lei Complementar n. 87/1996, conhecida como “Lei Kandir”, pode levar à conclusão de que todos os custos relacionados à energia elétrica, desde a sua geração até a entrega ao usuário final (o consumo) compõem o preço final da energia e, portanto, devem sofrer a incidência do imposto, inclusive a TUSD/TUST. Esse é o principal argumento da defesa do Estado do Paraná, nas ações ajuizadas pelos contribuintes.

Como parte da ofensiva lançada pelo Estado do Paraná para deter as decisões favoráveis aos contribuintes paranaenses, sua Procuradoria ingressou perante o Tribunal de Justiça (TJ-PR), em novembro de 2015, com uma medida de Suspensão de Liminar, alegando grave lesão às finanças públicas pelo efeito multiplicador das decisões que suspendem a cobrança do imposto e pelas perdas na arrecadação, estimadas em R$ 1,7 bilhão.

O pedido de Suspensão de Liminar foi deferido em dezembro de 2015 pela Presidência do TJ-PR e, desde então, vem sendo estendido a inúmeras liminares e antecipações de tutela concedidas por juízes de 1ª instância, sendo restabelecida a cobrança do ICMS sobre a TUSD e a TUST até manifestação do Tribunal sobre a legitimidade ou não da cobrança.

Embora a Suspensão de Liminar possua requisitos processuais diferentes daqueles que respaldam as liminares proferidas na 1ª instância, sua concessão conflita com a jurisprudência do próprio TJ-PR e do STJ, que até o momento vem se consolidando em favor dos contribuintes, no mérito.

É importante salientar que, embora a energia elétrica seja um item essencial a todas as atividades econômicas e o ICMS seja orientado pelo princípio constitucional da seletividade, a alíquota sobre a energia no Estado do Paraná é de 29%, a mesma aplicada a cigarros e bebidas alcoólicas. Calculada “por dentro”, isto é, sobre o valor do próprio imposto, a carga tributária efetiva ou real chega a quase 41% sobre o valor da energia, sendo uma das principais fontes de arrecadação do Estado.

Para os contribuintes paranaenses, a suspensão do ICMS sobre a TUSD/TUST pode representar uma economia mensal de aproximadamente 10% no valor da fatura de energia elétrica para consumidores cativos e de 20% para os consumidores livres, já considerado o impacto do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS incidentes na operação.

No entanto, nem todas as empresas se beneficiam da tese: as indústrias que tomam créditos de ICMS sobre a energia consumida no seu processo produtivo, ao deixarem de recolher o imposto sobre a TUSD/TUST, podem ter um acréscimo do ICMS na saída dos produtos, fazendo com que a medida não valha a pena. Grandes consumidores de energia que não podem se creditar do imposto, como supermercados, shopping centers, hospitais e armazéns, são os principais beneficiados.

O cenário econômico de queda no faturamento das empresas e o aumento de mais de 50% nas tarifas de energia elétrica em 2015 têm motivado mais contribuintes a buscar medidas que reduzam seus custos fixos, como o questionamento judicial da cobrança do ICMS sobre a TUSD/TUST. Assim, apesar da suspensão das liminares determinada pelo TJ-PR, é provável que a jurisprudência se mantenha favorável aos contribuintes no mérito, recomendando o ingresso judicial.

*Michelle Pinterich é sócia da SPTB Advocacia, mestre em Direito Tributário (UFPR) e especialista em Direito Contemporâneo (IBEJ/PR). É também membro do Instituto de Direito Tributário do Paraná e da Comissão de Direito Tributário da OAB-Paraná.

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