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Discute-se, em âmbito nacional, proposta de elaboração de novo Código Comercial. O objetivo do diploma seria, basicamente, o de congregar em um só corpo normativo o regramento dos numerosos institutos afeitos à matéria, que atualmente se encontram disciplinados em leis especiais. O esforço pela promulgação do diploma é tamanho que tramitam dois projetos, um perante a Câmara dos Deputados (PLC n. 1572/2011), outro perante o Senado Federal (PLS n. 487/2013). Nossos congressistas justificam a duplicidade de projetos sob o pretexto de que tal medida ampliaria o debate, facilitando a futura harmonização das propostas.

Apesar da discussão nas casas legislativas há uma carência de debate prévio e de qualidade junto à sociedade, com participação de especialistas e empresários. Essa carência, a nosso ver, explica em grande parte as ilusões criadas em torno da proposta. Até porque, a simples existência de dois projetos de lei sobre o mesmo tema tramitando em paralelo dificulta a análise crítica dos textos.

Logo na primeira aula de Direito Comercial, o acadêmico de Direito aprende que esta disciplina tem sua origem nos usos e costumes (práticas reiteradas) dos comerciantes. A lição escapa das bancas universitárias e comprova ser uma realidade ainda hoje, o que explica a fragmentação de sua disciplina legal. Apenas a título exemplificativo, a matéria vinculada à atividade empresarial está em parte contida: (i) no Código Civil brasileiro, tratando de numerosos institutos relacionados à matéria mercantil (v.g. teoria geral dos contratos e dos títulos de crédito), além de conter livro destinado à disciplina da atividade empresarial (Livro II: Do Direito de Empresa), que tem como núcleo a figura do empresário e das sociedades empresárias, bem como disciplina institutos relevantes ao estudo da matéria (v.g. do estabelecimento, do nome empresarial e da escrituração); (ii) na Lei de Sociedades Anônimas; (iii) na Lei de Propriedade Industrial; (iv) na Lei de Registro Público das Empresas Mercantis; (v) na Lei de Falências e Recuperação Judicial e Extrajudicial; (vi) na Lei de Defesa da Concorrência. O estudo da matéria é complementado por atos normativos regulamentares expedidos pelo Poder Público, tais como aqueles emanados da CVM – Comissão de Valores Mobiliários e do DREI – Departamento de Registro Empresarial e Integração. Além do importante papel assegurado à autonomia da vontade das partes, na construção de soluções customizadas para cada atividade (a exemplo dos contratos atípicos e novos arranjos societários).

Observa-se, na mesma toada, que a profusão de leis extravagantes não é uma particularidade do Direito Comercial. Esta é uma circunstância que afeta todos os demais ramos do Direito, mesmo os já codificados, como é o caso do Direito Civil, do Direito Tributário e do Direito Penal. A razão é bastante simples: a alta complexidade das relações sociais exige do Poder Legislativo a criação de leis cujo conteúdo não é incorporado aos Códigos.

Um novo Código Comercial não conseguiria superar essa realidade. A ideia de trazer para um só corpo normativo toda a disciplina da organização e exploração da empresa não subsistiria às exigências de constante adaptação, próprias do Direito Comercial. Se por um lado o movimento codificador não teria êxito em refrear as mudanças diárias vivenciadas pela atividade empresarial, por outro, a pretensão traz prejuízos inestimáveis para a segurança e previsibilidade do tráfego comercial.

Isso porque os dois projetos de Código Comercial alteram estruturas hoje consagradas entre os empresários. Tome-se como exemplo a regra do PLC que retira a eficácia de convenção de arbitragem contratada por micro ou pequeno empresário, se este demonstrar que os custos representam “sério obstáculo ao exercício de seu direito”; previsões desta natureza –genéricas e que afastam a autonomia das partes a partir de critério financeiro- representam retrocesso ao reconhecimento e vantagens atribuídos à arbitragem.

A conclusão encaminha-se, portanto, no sentido de que não é conveniente e oportuno a edição de um novo Código Comercial brasileiro, ainda mais sem um amplo e profundo debate. A tendência codificadora encontra-se superada. A necessidade de constante adaptação da ordenação mercantil aos avanços sociais e econômicos, nacionais e internacionais, é um indício relevante de que um Código Comercial não auxiliará na modernização de nossa legislação. Ao contrário, poderá significar um retrocesso na medida em que pressupõe a revogação de leis avançadas cuja interpretação já se encontra incorporada à nossa jurisprudência.

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