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Depois de ter sido alterado mesmo antes de entrar em vigor, e depois, também, de muita polêmica acerca da data do início de sua vigência, o novo Código de Processo Civil (NCPC), finalmente, passou a vigorar. Mas o que se esperar de um Código que ressuscita velhas práticas?

O melhor exemplo das inovações do NCPC, frustradas antes mesmo de sua entrada em vigor, é o juízo de admissibilidade de Recursos aos Tribunais Superiores.

O artigo 1.030 do NCPC, originalmente, previa que os recursos especiais e extraordinários deveriam ser enviados diretamente aos Tribunais Superiores, sem prévio juízo de admissibilidade nos Tribunais de origem. Para o Ministro do STF que presidiu o anteprojeto do NCPC, Ministro Luiz Fux, tal dispositivo representava um compromisso com a celeridade, pois, no modelo do antigo Código de Processo Civil (CPC/73), as partes, quando tinham negado o seguimento ao seu recurso em 2º Grau, recorriam às Cortes Superiores e, se a decisão denegatória fosse mantida, interpunham agravo regimental. Ou seja, a mesma tese era julgada três vezes.

Entretanto, a ideia de alterar sistemática não foi bem recebida pelos demais ministros, que argumentavam que aumentaria muito a carga de trabalho dos Tribunais Superiores. Assim, passaram a defender mudanças no referido dispositivo, para que retornassem à sistemática anterior, e conseguiram.

A volta dos que não foram: a Lei nº 13.256, de 04 de fevereiro de 2016, retomou, nesse particular, a sistemática do CPC/73.

Ambos posicionamentos – o proposto e o mantido – representam filtros ineficientes de acesso às instâncias superiores, por não evitar o processamento de recursos desnecessários. Simplesmente impossível que o STF e o STJ julguem, efetivamente, todos os recursos interpostos. Isso não é novidade, todos sabem. É necessária uma efetiva revisão.

A solução não reside na realocação da competência sobre a admissibilidade de recursos (como proposto originalmente no NCPC), pois ela, por si só, não altera a quantidade de recursos, que continuarão a ser interpostos. A única diferença está em saber se o controle dos recursos fica concentrado nos Tribunais Superiores ou se difuso nos diversos Tribunais Estaduais e Regionais.

A verdadeira mudança depende, sim, de como tal controle deve ser feito. A resposta a essa questão engloba uma discussão muito mais importante acerca do papel dos Tribunais Superiores no Direito Brasileiro.

Ora, o verdadeiro papel constitucional do STF e do STJ é decidir, respectivamente, sobre o sentido da interpretação da Constituição e da legislação federal na ordem jurídica brasileira. Ou seja, ditar a última palavra quanto à interpretação da lei e da Constituição a fim de harmonizar o nosso sistema jurídico e dotá-lo de segurança.

Entretanto, como tais Tribunais estão sobrecarregados, torna-se impossível realizar o processo hermenêutico necessário para harmonizar o sistema, reduzindo-os ao papel de meras casas revisoras.

Sintoma claro desse excesso de trabalho são os 359 processos atualmente afetados à repercussão geral que aguardam julgamento no STF. Convenhamos, se nem mesmo tais processos são julgados com agilidade, o que dizer dos recursos individuais?

Diante desse cenário, faz-se necessário repensar os filtros de acesso a essas Cortes. As exigências de contrariedade a dispositivo constitucional para interposição de recurso extraordinário (art. 102, III, CF) e de contrariedade à lei federal para interposição de recurso especial (art. 105, III, CF) são demasiadamente amplas. As atuais tentativas de frear o fluxo de recursos mostraram-se um fracasso; serviram apenas para burocratizar o acesso e tornar os processos ainda mais lentos.

A solução para esse problema talvez seja mais simples: dar maior discricionariedade aos Tribunais Superiores para determinar os casos que serão aceitos e julgados. Esta, aliás, foi a solução adotada pela maioria dos países ocidentais.

Nos Estados Unidos, por exemplo, os casos só chegam à Suprema Corte por meio do writ of certiorari, expediente segundo o qual a Corte tem total discricionariedade para aceitar um caso ou não. Neste caso a proteção do ordenamento jurídico se sobrepõe ao interesse das partes.

Na França, o controle de admissibilidade de demandas constitucionais ao Conselho Constitucional é realizado com base em três pressupostos: a existência de um caso concreto, a originalidade da questão levantada e seu “caráter sério”. Entretanto, não há na doutrina francesa uma definição de caráter sério, que depende da discricionariedade do magistrado.

A Alemanha segue o mesmo exemplo: o principal meio de acesso ao Tribunal Constitucional Federal Alemão é o recurso constitucional, o qual está cercado de pressupostos de admissão, dentre eles o de fundamental importância constitucional, um critério – novamente – discricionário. E mais, a decisão de inadmissão do recurso sequer precisa ser fundamentada.

A experiência desses países mostra que um “toque” de discricionariedade na definição dos processos que serão julgados pelos Tribunais Superiores pode ser o elemento central para permitir que executem a missão para a qual estão constitucionalmente vocacionadas.

O Novo Código de Processo Civil perdeu uma grande oportunidade de aprimorar os filtros de acessos de recursos aos Tribunais Superiores. Era o momento adequado para introduzir certo grau de discricionariedade e desonerar os Tribunais Superiores, entretanto a discussão restringiu-se a debater o local adequado para a análise dos pressupostos.

*João Guilherme Rache Gebran, bacharel em Direito, graduado pela UFPR, integrante do escritório Assis Gonçalves, Kloss Neto e Advogados Associados.

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