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Na jurisdição extraordinária do controle, em tese, da constitucionalidade, os tribunais recusam-se a examinar leis despidas de “coeficiente de normatividade abstrata” (RTJ 138/436). Desse requisito de admissibilidade da ação direta, estariam privadas as leis ditas formais. Tal postura repousa na distinção teórica entre lei formal e lei material, produzida por certa doutrina.

Contudo, esta diferenciação tem contra si objeção de renomados mestres. E se algum préstimo oferecesse, não seria motivo para ser desacolhida na ação de inconstitucionalidade.

Sob o argumento de autoridade, lembre-se de Nelson de Souza Sampaio, que descarta a teoria dualista da lei, tachando-a de “inexata conceituação” (“O Processo Legislativo”, Saraiva, 1968, p. 107). No mesmo sentido, teoriza Manoel Gonçalves Ferreira Filho: “Esta distinção, contudo, não traz vantagens, além de não ser muitas vezes fácil de marcar. De fato, quanto ao momento de instauração e, sobretudo quando à eficácia (o que é mais importante), a lei dita material e a lei dita formal estão num só e mesmo plano”. (“Do Processo Legislativo”, Saraiva, 1968, p. 169). De Celso Ribeiro Bastos colhe-se idêntica postura: “O que nos impressiona é o regime jurídico próprio do ato. E, deste ponto de vista, tanto a lei formal como a material gozam do mesmo tratamento jurídico. Ambas têm a mesma força normativa e produzem os mesmos efeitos. Assim sendo, é de desprezar a circunstância de ser a lei genérica, impessoal e abstrata ou de efeitos concretos. Em ambas as hipóteses seu regime jurídico será idêntico” (“Elementos de Direito Constitucional”, Saraiva, 1975, p. 105).

Segue-se daí que a ideia de lei formal, como tipo autônomo, não encontra apoio no magistério, sobretudo neste campo. Ao longo do intervencionismo estatal, hoje consolidado pela Carta vigente, a lei passou a regular todas as matérias sedizentes de interesse público, cuja noção, hoje hipertrofiada, compreende a intimidade do cidadão.

De sorte que, na via do controle em tese da validez da lei, nada importa se a lei é formal, material, auto-executável, temporária ou de efeitos concretos. O correspondente texto constitucional ignora tais sutilezas taxionômicas.

Desde que a EC 16 à Constituição de 1946 investiu o STF no mister de aferir a congruência das leis com a Constituição, o preceito mantém o enunciado original no art.103, § 3º, CF/88: julgar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo.

A lei aí cogitada corresponde àquela produzida por meio do devido processo legislativo. Lei, no texto, é qualquer lei; o ato é que deve ser normativo.

Cumpre frisar portanto que, em virtude do princípio da legalidade (art. 5º, II, e art. 37, caput, CF/88), nossa ordem jurídica ignora ato normativo diverso da lei, pelo que o enunciado conserva a original redundância.

No entanto, a jurisprudência postula normatividade a ambos, divorciando-se do texto constitucional. Quando erigiu o STF em árbitro da inconstitucionalidade da “lei ou ato normativo”, a Magna Carta veiculou regra concisa e clara. A leitura desatenta é que passou a associar o qualificativo apenas ao ato. Em verdade, na frase constitucional, a palavra lei está separada do vocábulo - ato normativo - pela conjunção ou, que indica alternativa, a qual, por sua vez, denota sucessão de dois entes mutuamente excludentes. Acaso conviesse à Constituição que a lei ostentasse cunho normativo ela teria adjetivado, assim como procedeu em relação ao ato.

Vale repetir: a lei é qualquer lei; o ato (administrativo?) é que deveria conter normatividade, para sujeitar-se ao crivo judicial da constitucionalidade abstrata.

Embora o STF proclame que “a ausência de densidade normativa no conteúdo do preceito estatal impugnado desqualifica-o – enquanto objeto juridicamente idôneo – para o controle normativo abstrato” (RTJ 154/432), na prática não é isso o que se observa. Inúmeras leis de criação de município foram declaradas inconstitucionais (RTJ 158/35 e 163/86). Por igual, encontrou normatividade em resoluções de Tribunais, concessivas de correção de vencimentos do seu pessoal, por isso que as julgou (RTJ 168/65 e 172/461).

De outro lado, ações questionando leis orçamentárias foram inadmitidas, a pretexto de serem meros atos contábeis (RTJ 167/79 e 170/439). Aliás a doutrina rotula esta espécie de lei como veículo impróprio de matéria administrativa. Ora, tal configuração coonesta a subjecente inconstitucionalidade oriunda de vício de procedimento, pois a ação de parlamentares na sua feitura implica invasão do Legislativo no Executivo, sede do “princípio constitucional da reserva de administração”. (ADI 2.364-AL, Rel. Min. C. de Mello, j. 1º/08/2001). Lesa ainda a escala de competência, em virtude da qual a lei não pode dispor sobre matéria do decreto, e vice-versa.

Tais dissonâncias decorrem da acima criticada exegese da expressão constitucional “lei ou ato normativo”.

Por último, esclareça-se que a respeito da ação direta corretiva de vício contraído no processo de elaboração da lei, não cabe discussão quanto ao seu cabimento.

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