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Há alguns anos os profissionais da área da saúde assumiam uma posição magistral em relação à prescrição das intervenções e recomendações clínicas aos seus pacientes. A indicação do tratamento era baseada na literatura publicada, porém com forte ênfase na experiência pessoal e na liberdade de convicção do profissional, ou seja, na crença pessoal de que determinado tratamento seria o mais indicado para o paciente.

Essa situação mudou devido ao volume de informação, em particular aquela disponível na rede mundial de computadores, pois na atualidade é comum o paciente chegar às consultas informado sobre técnicas e tecnologias de tratamento.

Sempre que existe excesso de opções (informações), é natural a dúvida do consumidor sobre qual a melhor prática clínica, a de mais baixo risco e de menor custo. Entretanto também é possível observar dúvida por parte dos profissionais. Tome como exemplo a situação em que o paciente solicita uma segunda opinião sobre determinado problema de saúde e a recomendação clínica difere daquela inicial. Neste caso, qual a melhor conduta para o caso individual do paciente?

Tal perspectiva traz um novo enfoque na realidade dos tribunais e das relações de consumo (profissionais/pacientes). Considerando um cenário de dúvidas sobre as melhores práticas clínicas, como o juiz decide com convicção sobre a culpa do médico numa ação indenizatória? Como um perito esclarece o juízo se os profissionais têm dúvida sobre qual a intervenção mais adequada? Esta questão (definir a melhor prática clínica) não seria o ponto fundamental das profissões de meio e da responsabilidade subjetiva dos profissionais da área da saúde?

Em regra, quando o profissional da saúde, por ação ou omissão, age com negligência, imprudência ou imperícia, restará caracterizada sua responsabilidade pelos danos causados ao paciente. Também, de uma forma genérica e com exclusão dos casos de cirurgias plásticas, sabe-se que a responsabilidade civil dos profissionais da saúde está adstrita à constatação da não aplicação dos cuidados mínimos necessários inclusive no que diz respeito aos meios adotados como materiais, técnicas e produtos.

Assim, se o dever de informar as opções de tratamento e seus níveis de recomendação para determinado caso clínico está inserido no Código de Defesa do Consumidor e se há na literatura médica atual tratamento com maior nível de evidência científica, a não adoção deste pode configurar culpa do profissional máxime porque o Código de Ética Médica estatui como princípio fundamental do exercício da medicina que o profissional aprimore continuamente seus conhecimentos e use o melhor do progresso científico em benefício do paciente.

Ou seja, em razão da contribuição tecnológica às ciências médicas, é dever do profissional da saúde informar e apresentar ao paciente os melhores meios e recursos disponíveis na atualidade, ainda que o paciente opte por outro tratamento em razão do princípio da autonomia, pois a este cabe decisão final em cada procedimento em manifestação autônoma da sua vontade, devidamente esclarecida pelo profissional de saúde.

Vale salientar que a não utilização do tratamento com maior nível de evidência científica pode também, em tese, gerar a responsabilização civil por perda de uma chance, se a opção não apresentada ao paciente, tecnicamente viável e aprovada na comunidade científica gerar o desaparecimento de um benefício futuro para a saúde ou qualidade de vida deste.

Segundo o pesquisador Alcion Alves Silva, para iluminar essa questão, as entidades profissionais e científicas passaram a recomendar um novo protocolo clínico que progressivamente vem sendo empregado em nível mundial. O autor referencia que a tomada de decisão clínica sobre qual intervenção é mais efetiva no caso individual do paciente deve estar sustentada pelo maior nível de evidência científica publicada, em detrimento das técnicas fundamentadas exclusivamente na impressão pessoal, embora permeadas de boas intenções, apresentam resultados imprevisíveis.

Evidência clínica é a informação que resulta de estudos de alto rigor científico, porém nem toda publicação, mesmo que especializada, apresenta esse nível. Significa que passou a ser obrigação legal do profissional da saúde o levantamento das fontes de informação mais relevantes para decidir sobre qual intervenção indicar ao paciente. Essa conduta faz parte da obrigação de meio, que requer, independente do resultado de um tratamento, que o profissional utilize as melhores técnicas e informações disponíveis para tratar seus pacientes, consumidores dos serviços de saúde.

A falta de rigor decorrente de uma abordagem clínica desprovida dos princípios científicos pode aumentar a frequência de erros e expor o paciente a riscos e custos desnecessários.

Nesse cenário, a experiência do profissional não mais se coaduna com a certeza de que determinado procedimento é o mais recomendado para o consumidor e a liberdade de convicção do profissional passou a ser limitada pelo grau de recomendação clínica ditada pela ciência. Essa alteração dos protocolos clínicos trouxe sensível modificação em relação à conduta profissional, à segurança ao paciente e à responsabilidade civil no julgamento de ações indenizatórias.

Giorgia Bach Malacarne, advogada da área da Saúde e procuradora CRMV-PR

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