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Antes de chegar a Curitiba, o Über – sistema que coloca usuários e motoristas em contato por meio de um aplicativo – já vem colecionando polêmicas. Na esteira, inclusive do que aconteceu em outros lugares como São Paulo, em que houve uma proibição judicial da sua utilização (já cassada) e na França - em que executivos da empresa que o desenvolveu foram presos. Aqui se apresentou na Câmara Municipal um projeto de lei para barrar o serviço em nível municipal. Na entrevista que concedeu, o autor do projeto indicou que as principais razões havidas por ele diziam respeito à segurança dos indivíduos que “entrariam no carro de desconhecidos” e ainda à proteção do erário, pois haveria perda de arrecadação do Município se as pessoas começassem a utilizar o aplicativo.

Como em toda briga do gênero há muito de retórica nas discussões de modo a dissimular uma discussão que é eminentemente econômica. “Follow the money” é um conselho metodológico valioso nesses casos. As controvérsias instaladas dizem respeito, essencialmente, à diminuição do número de passageiros que utilizarão os taxis que, portanto, pressionam para que se mantenham barreiras públicas à entrada de novos concorrentes no mercado em que atuam. O mote aqui é que, por estarem sujeitos a um sistema de ingresso público e atuarem num mercado regulado seria injusto impor aos taxistas o que eles qualificam como uma concorrência desleal. Como de hábito, no fundo, o que se demanda é a criação de um espaço de exclusividade, protegido pelo Estado. Quem paga a conta: o usuário que tem sacrificada a possibilidade de optar por aquilo que lhe parece mais conveniente em termos de preço e qualidade em detrimento dos taxistas que terão um mercado cativo a si assegurado.

A questão, por óbvio, suscita diversos ângulos de análise (a utilidade de o serviço de táxi ser público, captura da regulação por lobbies , etc.) . Ater-me-ei (como me dói usar uma mesóclise) a um. O ponto é: juridicamente, por si só, serviços públicos implicam uma zona de proteção contra concorrência, notadamente daquela que provém de inovações tecnológicas? A resposta é não. E duas razões conduzem a essa percepção.

A primeira é que a obsolescência de um serviço é um risco de mercado que alcança todos os agentes que nele atuam (os donos de locadoras e vendedores de discos que o digam) e, portanto, está dentro dos riscos assumidos por aqueles que exploram táxis. Em termos simples: quem se dispõe a explorar uma atividade em regime empresarial assume certos riscos donde se insere o relativo às inovações tecnológicas. No limite, o aumento da venda de carros, a melhora do serviço público e outros fatores retiram usuários de táxis e nem por isso podem ser combatidos por taxistas.

Por outro lado, cumpre lembrar que a Lei que rege as concessões (para os detalhistas: 8.987/95, no artigo 16) diz que “A outorga de concessão ou permissão não terá caráter de exclusividade, salvo no caso de inviabilidade técnica ou econômica justificada (...)”. Assim, a regra legal é que os serviços, ainda que objeto de permissão, se sujeitam à concorrência, inclusive, de novos entrantes que atuam em regime privado. Com efeito, salvo justificativa técnica no sentido de não ser viável instalar competição (o que costuma acontecer nos chamados monopólios naturais), a regra é a concorrência. Na mesma linha vai o Código de Defesa do Consumidor, ao assegurar ao consumidor o direito de escolha. Nesta perspectiva, a intenção de se assegurar um espaço de não competição repugna à Lei (independente de quanto se dissimule esse objetivo). A pretensão é tão boa quanto os Correios (atividade em regime legal de monopólio) investirem contra quem permite que mandemos e-mails, afinal, dificilmente hoje alguém manda uma carta para contar para a avó como estão sendo as férias. Certamente, a anciã prefere ver fotos no Whatsapp e afins.

Enfim, o debate está posto e o que dele podemos extrair é que a presença do Estado a regular mercados nunca é neutra e sempre traz benefícios para alguém (em tese, ao usuário, mas ênfase no “em tese”). O que precisa ser discutido de modo transparente é quais são os interesses envolvidos e parar de se dissimular argumentos econômicos com base em alegações que tratam a população em geral como crianças desamparadas. Dizer que a proibição do Über visa a proteger os usuários, como se esses não fossem conscientes das suas escolhas, é manifestação evidente de uma discussão dissimulada.

Levar a sério a ideia de que os serviços públicos devem beneficiar os usuários significa, antes de mais nada, reforçar o seu poder de escolha e não sabotar (que etimologicamente vem de sabot e remete à luta contra a inovação) novas tecnologias que podem ampliar as opções para o atendimento de suas necessidades.

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