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A transparência das contas públicas é um dever do Estado e um direito dos cidadãos. Trata-se, todavia, de uma concepção recente - e tão recente que sequer consta expressamente na Constituição Federal de 1988.

A conquista da cidadania, nesta matéria, foi a concepção de publicidade dos atos públicos. A Constituição Federal consagra, em seu art. 37, que “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)”.

Publicando-se os atos públicos, inclusive os que geravam despesas públicos, nos órgãos e meios e comunicação oficiais, entendia-se atendida a Constituição Federal e obedecido um dos mais nobres princípios republicanos até então. Qualquer cidadão poderia consultar o Diário Oficial e ter acesso a todos os atos oficiais e, com as informações necessárias, lançar mão dos expedientes processuais para questionar o (mau) uso da coisa pública.

As instituições, como de resto toda a sociedade, viram-se arrastadas pelo tsunami tecnológico causado pela revolução da informática e da comunicação em rede. As instituições públicas passaram a publicar na internet aquilo que constava nos Diários Oficiais. O Judiciário disponibilizou suas decisões. O Legislativo disponibilizou suas leis. O Executivo disponibilizou suas licitações e seus concursos. Vieram a Lei Complementar nº 131 e a Lei 12.527 (Lei de Acesso à Informação).

De repente, os cidadãos perceberam que as comunicações oficiais já não atendiam aos reclamos republicanos. Os cidadãos passaram a não aceitar mais ver apenas o que o Estado mostrava ou publicizava. Passou a ser necessário ver além. Surgia a transparência pública, ou seja, o dever dos órgãos públicos de disponibilizar aos cidadãos todas as informações relacionadas ao uso do dinheiro público ou da coisa pública.

Páginas da internet foram entupidas de dados e mais dados oficiais. Muitas informações foram disponibilizadas aos cidadãos. Pareceu, em um primeiro momento, que as instituições, ainda que de forma precária, estavam fazendo sua parte. O problema é que a disponibilização de informações de forma desorganizada não atende aos reclamos da sociedade. É preciso que as páginas da internet sejam de fácil acesso, tenham ampla usabilidade, permitam o fácil entendimento e disponibilizem informações auditáveis.

Muitas instituições estão tentando fazer com que as informações cheguem corretamente aos cidadãos. O problema é que, na atual quadra do desenvolvimento, nem mesmo a melhor das páginas da internet que disponibilizem informações oficiais atenderá plenamente a transparência. É preciso ir ainda além.

Se a disponibilizacão de informações pode ser chamada de “transparência”, é certo que se trata da “transparência passiva”, ou seja, a informação encontra-se armazenada à espera do cidadão interessado em procurá-la. E isso já não basta. É preciso avançar para a “transparência ativa”, aquela em que as instituições enviam aos cidadãos tudo aquilo que ele queira receber, sem que seja necessário procurar.

De alguma forma, Legislativo e Judiciário adotam a transparência ativa, disponibilizando aos cidadãos, pelo “sistema push”, leis e decisões de interesse daqueles que se cadastraram no sistema. Falta, no entanto, que as informações relativas ao dinheiro público também sejam encaminhadas aos cidadãos que se cadastrem.

Os cidadãos poderiam, por exemplo, se cadastrar para receber informações que digam respeito a licitações ou contratos públicos de determinados órgãos e, sempre que forem assinados contratos ou que esses contratos recebam aditivos, os cidadãos possam receber essa informação por email. Poderiam, ainda, receber atualizações cada vez que novos servidores ou ocupantes de cargos em comissão forem contratados ou, ainda, cada vez que fossem pagas diárias a determinado grupo de agentes públicos. Os bancos públicos poderiam, ainda, informar acerca dos empréstimos concedidos e as garantias recebidas, assim como os Estados e Municípios poderiam informar cada vez que bens públicos forem alienados ou cedidos.

Os exemplos são infinitos, mas talvez a boa vontade dos gestores públicos não seja. Por isso, cabe à sociedade civil organizada cobrar dos agentes políticos a adoção de políticas e instrumentos que verdadeiramente impliquem em uma transparência ativa e efetiva. Como já se disse em mais de uma oportunidade, só é contra a transparência aquele que da falta dela possivelmente se beneficie.

*Anderson Furlan, juiz federal, presidente da APAJUFE - Associação Paranaense dos Juízes Federais.

** As opiniões expressas nas colunas apresentam o ponto de vista de seus autores e não refletem o posicionamento do caderno Justiça & Direito nem do jornal Gazeta do Povo.

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