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Ao início deste ano, reportagem da Gazeta do Povo chamou a atenção para a ajuda fornecida por empresas privadas, a fim de melhorar determinados bens e serviços prestados pelo Poder Público.

Isso se tornou célebre por meio de algumas exortações públicas, marcadas pela informalidade, quanto à execução/financiamento de obras, bens e serviços públicos. Desde reformas de prédios e instalações até o fornecimento gratuito de medicamentos, passando pelo atendimento médico-hospitalar e manutenção de praças e jardins. Alguns dos novos prefeitos – sobretudo o paulistano – convocaram empresários e os incentivaram (constrangeram?) a efetivar tais despesas em favor do aparelho público. Mas, se pensarmos bem, o que está por detrás dessas ações cooperativas? Do que elas se tratam, em termos jurídicos?

Ora, a Constituição brasileira foi clara em dissociar as ações econômicas em dois setores: o público e o privado. O primeiro resulta da imputação de bens e serviços às pessoas de direito público (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), submetendo-os à respectiva lógica. Aqui, impera o dever de boa gestão da coisa pública, com o objetivo de facilitar a vida social, acolher e integrar os habitantes. Este setor público da economia é estabelecido em termos bastante genéricos pela Constituição (como é próprio das normas constitucionais), cabendo ao legislador infraconstitucional definir o regime jurídico e as formas em que deverão ser efetivadas tais atividades.

Há casos em que a Constituição estabeleceu monopólio e regime jurídico de direito público em sentido estrito, excludente do ingresso de pessoas privadas nesse setor (a questão da energia nuclear é um bom exemplo). Aqui, o legislador infraconstitucional e o administrador público estão atados: não podem transferir tais atividades às pessoas privadas (nem, muito menos, animá-las a fazer ações colaborativas). Quanto muito, se permite a celebração de contratações administrativas (empreitadas de obras e/ou serviços), com prazo certo e prestações específicas.

Quando uma pessoa privada assume espontaneamente determinadas prestações originariamente detidas pelos Poderes Públicos (praças, serviços hospitalares contínuos, etc.), estamos diante de uma privatização.

Porém, há determinadas atividades do setor público – as de telecomunicações e portuárias são reveladoras – que permitem ao legislador infraconstitucional definir o seu desenvolvimento em regime de direito privado e/ou de direito público, inclusive com incentivos à concorrência entre os prestadores. Neste caso, é a lei quem determina como se dá o ingresso de pessoas privadas nesses setores públicos (isto é, quais seriam as barreiras de entrada e como transpô-las). Basicamente, exige-se uma lei autorizadora, seguida de ou licitação e contrato (contratos de concessão, PPP, etc.) ou seleção específica e autorização da atividade (atos administrativos negociais). Como a Lei de PPI define, são os contratos de parceria. Mas, se existe uma característica que une tais transferências, é a formalidade estabelecida em lei para a sua implementação: não se pode outorgá-las de modo improvisado, não-protocolar.

A esta altura, o leitor já deve ter percebido que estou a tratar das privatizações, mais especificamente das assim denominadas privatizações formais: aquelas transferências da gestão de bens e serviços públicos, feitas a particulares por meio de negócios jurídicos (com forma e prazo predefinidos em lei). Isto é, quando se delega a pessoas privadas determinadas atribuições públicas, o que se dá é a privatização de tais encargos. Nada de mais nem de exótico quanto a isso: as privatizações habitam o nosso cotidiano e muitas delas são excelentes formas de gestão de bens e serviços públicos, quando não de implementação de políticas de longo prazo.

A alternativa ao ingresso privado no setor público são as contratações administrativas tradicionais – em que não se transfere a gestão, mas, apenas e tão-somente, se contrata específica prestação (a construção de obra, a compra de bens ou o fornecimento de serviços). Igualmente aqui, exige-se forma prescrita em lei: licitação, seguida de contrato (as exceções são as contratações diretas, por meio de inexigibilidade ou dispensa). Estes negócios jurídicos são de desembolso, pagos pelo orçamento público. Não há propriamente uma privatização ou parceria, mas apenas o contrato de execução de obra, de compra e venda ou de prestação de serviço, todos com prazo certo.

Assim e bem vistas as coisas, quando uma pessoa privada assume espontaneamente determinadas prestações originariamente detidas pelos Poderes Públicos (praças, serviços hospitalares contínuos, etc.), estamos diante de uma privatização. Essa transferência torna privada a gestão de um bem público, com todos os ônus (despesas) e bônus (propaganda e recompensas cívicas) daí decorrentes. Mas o que o direito celebra são as privatizações formais, não as informais.

Igualmente, pode-se pensar em contratações relativas a prestações específicas (obras, medicamentos, insumos, etc.). Também neste caso, a lei se preocupa em tipificar os contratos que podem ser celebrados pela Administração Pública. Inclusive, há as que regulam várias formas de benemerência social – desde a doação até a manutenção de espaços públicos (muitas vezes, com compensações tributárias). As demais alternativas, por mais simpáticas que possam parecer, estão fora da lei.

Afinal de contas, no caso brasileiro é a lei quem prescreve por que, quem, quando, onde e como tais bens e serviços podem/devem ser fornecidos à população. Se aquela pessoa pública a quem a lei imputou tais atividades as transfere a particulares, convocando-os ativamente a assumir tais encargos, o que existe é uma privatização ou uma contratação administrativa. Assim, que tal cumprir a lei ao realizar privatizações e contratações?

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