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O assunto da semana foi o recuo dos partidos de oposição, chefiados pelo PSDB, de apresentarem o pedido de impeachment de Dilma Rousseff. Ao invés disso, a oposição vai requerer à Procuradoria Geral da República (PGR) um pedido de investigação da presidente por crime comum, sustentando que Dilma, no caso das “pedaladas fiscais”, cometeu os crimes dos artigos 299 (falsidade ideológica), 359-A (contratação de operação de crédito sem autorização legislativa) e 359-C (assunção de obrigação no último ano do mandato ou legislatura) do Código Penal.

O pedido se baseia no parecer do jurista Miguel Reale Junior, que apontou não haver elementos jurídicos para pedir o impeachment (apesar dos pareceres contrários de Ives Gandra Martins, confirmado por Modesto Carvalhosa, e Adilson Dallari). Depois da reação contrária da população, o próprio Reale afirmou ao jornal O Estado de São Paulo que “o PSDB já tem pronto um parecer jurídico justificando o pedido de impeachment, mas ele não será usado agora”.

O que parece, portanto, é que a oposição resolveu deliberadamente utilizar a estratégia de não pedir impeachment, e sim investigação criminal. E, de fato, o senador Aloysio Nunes, conforme relatado por Época, afirmou que “o parecer não fala em impeachment porque nós mesmos nunca falamos em impeachment”. O caso não é, portanto, de impossibilidade jurídica do pedido, mas de não querer fazê-lo. Os motivos? Só a oposição sabe.

Longe destas questões, é preciso analisar se o caminho escolhido pela oposição é realmente possível. Apesar dos elogios de vários setores da imprensa à prudência da estratégia, acredito que ela encontra um forte obstáculo desde o início: é que não se pode pedir investigação por crime comum de fato que não é crime comum. Explico.

As violações à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) apontadas pelo TCU no seu Acórdão nº 0992/15 foram três:

1. realização de operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controla (violação ao art. 36 da LRF);

2. realização desta operação de crédito sem a prévia e expressa autorização no texto da lei orçamentária (violação ao art. 36, §1º, I da LRF)

3. contratação de crédito por antecipação de receita no último mandato (sic) do Presidente da República (violação ao art. 38, IV, “b” da LRF)

O problema é que, a meu ver, estes três atos violadores se enquadram, mais propriamente, na Lei dos Crimes de Responsabilidade (Lei 1.079/1950) e não nos crimes comuns do Código Penal. No Direito existe o princípio de que “a lei mais específica derroga a lei geral”. O Código Penal é a lei geral dos crimes, mas há uma lei especificamente direcionada aos atos praticados pelo Presidente da República, que é a Lei 1.079/50.

E justamente esta lei define o seguinte:

“Art. 10. São crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária:

6) ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal;

9) ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente;

Art. 11. São crimes contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos:

3) Contrair empréstimo [...] ou efetuar operação de crédito sem autorização legal.”

Veja-se que os atos enumerados pelo TCU se enquadram antes na Lei 1.079/50 do que no Código Penal. São crimes de responsabilidade da presidente da República antes de serem crimes comuns. Mesmo o ato nº 3, enquadrado no art. 359-C do Código Penal, também encontra sua tipificação na lei mais específica, no artigo 11.3, citado acima.

Esta lei, volto a dizer, é especificamente direcionada ao presidente da República, enquanto que o Código Penal é lei geral. E se há uma legislação mais específica, é ela que se deve aplicar.

Mas qual a consequência prática disso tudo?

Ora, se os atos enumerados pelo TCU não são crimes comuns, mas antes crimes de responsabilidade, não adianta pedir “investigação da Presidente por crime comum” (como é óbvio) o que terminaria num processo perante o STF: o crime de responsabilidade, por expresso mandato do art. 86 da Constituição, só pode ser processado em um impeachment perante o Senado Federal.

Mas se isso parece tão claro, por que fizeram outra coisa?

“O parecer não fala em impeachment porque nós mesmos nunca falamos em impeachment”, disse o Senador Aloysio Nunes.

O risco dessa atitude é que, se Rodrigo Janot resolver não aceitar o pedido da oposição por não se tratar de crime comum, o movimento popular que originou a demanda sai completamente enfraquecido, mas não por ausência de força própria, que é muita, e sim por um detalhe jurídico e um erro de estratégia dos oposicionistas.

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