• Carregando...
 |
| Foto:

A disputa pela guarda de uma criança é um processo desgastante para todas as partes envolvidas e, quando elas estão em países diferentes, a situação torna-se ainda mais complexa. Para definir onde devem ser resolvidos os litígios sobre a guarda, foi criada em 1980 a Convenção de Haia sobre sequestro internacional de crianças, que trata dos aspectos civis para restituição delas para o país de residência habitual. O texto entrou em vigor no Brasil apenas em 2000 e, quase 15 anos depois, o assunto ainda é pouco conhecido.

Atualmente, há 76 países signatários da Convenção e sua validade é para casos que envolvam menores com até 16 anos de idade. Os objetivos do documento são assegurar o retorno imediato das crianças que tenham sido transferidas ou retidas em outro país de maneira ilícita ou indevida; e garantir o respeito aos direitos de guarda e de visita nos estados participantes do acordo.

O advogado Ricardo Zamariola, especialista em direito civil e que já atuou em diversos casos que envolvem a Convenção de Haia, considera que a compreensão a respeito do significado do documento está melhorando no Brasil, mas suas regras ainda são mal aplicadas. “Os juízes ainda se dedicam a discutir, nesses processos, questões relacionadas à guarda”, explica Zamariola.

Tradução

Apesar de se referir ao termo “sequestro internacional”, a Convenção de Haia de 1980 trata somente de casos em que um dos pais retém o filho no exterior sem autorização do outro. Para o juiz Marcelo De Nardi, o termo foi traduzido incorretamente e o mais correto seria dizer “subtração”. A convenção não se aplica para outros tipo de sequestro, que são tratados pelo Código Penal ou por legislações equivalentes em outros países.

Os especialistas entrevistados para essa reportagem ressaltam que aplicação dessa norma está relacionada à resolução de qual a autoridade competente, de que país, deve decidir sobre a guarda. Mas muitas vezes ainda há decisões no Judiciário que acabam extrapolando essa delimitação e tentam definir quem deve ficar com a criança.

Peso emocional

“Ainda há problemas de má compreensão da Convenção. Ela não trata da guarda, do direito de visita. Simplesmente trata de qual é o juiz que deve resolver sobre o caso. Acontece que o juiz fica angustiado e quer decidir sobre a guarda para acabar com sofrimento da criança”, observa a desembargadora federal Monica Sifuentes, juíza de enlace para a Convenção de Haia (que cuida da ponte entre os países signatários).

Caso Sean marcou aplicação da norma

O processo mais emblemático sobre sequestro internacional de menores, envolvendo disputa familiar, foi o do menino Sean Goldman. Ele morava nos Estados Unidos com seu pai, o americano David Goldman e com sua mãe, a brasileira Bruna Bianchi. Ela e o filho vieram para o Brasil passar férias em 2004 e acabaram não voltando.

Leia a matéria completa

Marcelo De Nardi, juiz federal da 9.ª Vara Federal de Porto Alegre e especialista em direito internacional, diz que a dificuldade em aplicar essa norma se deve à falta de conhecimento e também ao grande peso emocional que envolve o assunto. “Mais conhecimento sobre o tema poderia gerar maior tranquilidade no trato”.

Órgão do governo faz ponte com exterior

A ligação entre as cortes ou partes que estão no exterior e os tribunais brasileiros nos casos que envolvem a Convenção de Haia de 1980 é feita por meio da Autoridade Central Administrativa Federal, órgão interno da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República.

Leia a matéria completa

Conforme relataram os entrevistados, frequentemente os juízes são passionais ao deliberar, considerando que a Justiça brasileira seria a mais adequada para decidir o futuro de uma criança brasileira ou filha de brasileiros. No entanto, a Convenção é clara e define que ela “aplica-se a qualquer criança que tenha residência habitual num Estado contratante, imediatamente antes da violação do direito de guarda ou de visita”.

Casos mais comuns

De acordo com os entrevistados, as circunstâncias mais comuns em que a Convenção de Haia de 1980 precisa ser aplicada são as seguintes: a mãe, muitas vezes imigrante, retorna a seu país de origem com o filho. Geralmente, ela diz que vai viajar, passar apenas um tempo fora. Depois, acaba por não retornar e solicita à Justiça local a guarda da criança.

Todos ressaltam que a Convenção visa à rápida restituição da criança ao seus país de origem (ou onde residia com os pais antes de ser subtraída de um deles) justamente para evitar maiores danos emocionais.

“É muito importante que [o retorno da criança] seja célere, se não a Convenção perde o sentido”, diz George Lima, o Coordenador-Geral Autoridade Central Administrativa Federal.

Zamariola relata que é recorrente os magistrados falarem abertamente que estão avançando e decidindo sobre a guarda por levar em conta a nacionalidade da criança ou de seus pais e não o que está normatizado. “Isso é absolutamente inadequado, pois a Convenção leva em conta a residência habitual”, argumenta o advogado.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]