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Comuns nas relações de trabalho na área do Direito, as audiências entre advogados e autoridades dividem opiniões e causam polêmicas no mundo jurídico. No início de fevereiro, um encontro do ministro da Justiça José Eduardo Cardozo com advogados que representam empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato despertou debates devido à falta de publicidade da reunião.

Tentativa de regulamentação não foi adiante no Congresso

Uma tentativa de regulamentar as conversas entre advogados e autoridades ficou emperrada na Câmara dos Deputados na última legislatura. Um projeto do então deputado federal Camilo Cola (PMDB-ES), que tentava obrigar que os encontros fossem realizados com hora marcada e com a presença da parte contrária, foi apresentado em novembro de 2013, mas acabou sendo arquivado.

O projeto propunha a alteração o artigo 40 do Código de Processo Civil (CPC) que ainda está em vigor a fim de determinar que a conversa com o magistrado fosse ser realizada “mediante prévio agendamento de entrevista, à qual deverá ser intimado a comparecer o advogado da parte adversa e cuja ocorrência será certificada nos autos”.

Segundo o vice-presidente da seccional da OAB no Paraná, Cássio Teles, o novo CPC, aprovado em dezembro do ano passado no Congresso, traz mais clareza a essa relação entre magistrados e advogados. “Prevê que o magistrado precisará lançar uma certidão nos autos de que recebeu os advogados”, explica Telles. O novo CPC, porém, não inclui a sugestão do deputado federal Camilo Cola para que as audiências sejam agendadas.

Advogados têm o direito de se reunirem com autoridades assegurado pelo Estatuto da Advocacia, da OAB. O artigo 7º, inciso VIII, diz que é direito do advogado “dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho, independente de horário previamente marcado ou outra condição, observando-se a ordem de chegada”. Vale lembrar que Cardozo exerce um cargo no Executivo e não responde pelo Judiciário. Mas, dessa polêmica, surge o debate sobre até que ponto poderiam ir os magistrados ao se reunirem com advogados.

Encontro de advogados com ministro gerou polêmicas

  • Curitiba

A polêmica gerada pela reunião do ministro da Justiça José Eduardo Cardozo com advogados que representam empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato, realizada no início de fevereiro, girou em torno da falta de publicidade da agenda de Cardozo. A assessoria de imprensa dele não retornou aos pedidos de esclarecimento feitos pela Gazeta do Povo sobre a falta de divulgação. Até o dia 19 de fevereiro não era possível acessar a agenda de nenhum integrante do ministério. O problema aparentemente foi resolvido no dia 22 de fevereiro, quando as agendas retroativas e futuras tornaram-se públicas.

A OAB saiu em defesa do ministro, publicando nota oficial em que diz que “o advogado possui o direito de ser recebido por autoridades de quaisquer dos poderes para tratar de assuntos relativos à defesa do interesse de seus clientes”. A nota diz ainda que “essa prerrogativa do advogado é essencial para o exercício do amplo direito de defesa. Não é admissível criminalizar o exercício da profissão”.

O vice-presidente da seccional da OAB no Paraná, Cassio Telles, não vê problemas no encontro. “Não vejo problema nenhum em advogados conversarem com membros do Poder Executivo desde que seja mantida a ética, que os assuntos tratados sejam estritamente técnicos”, disse Telles.

Em nota, o Ministério da Justiça afirmou que é dever do ministro e de quaisquer servidores públicos receber advogados e que na única audiência que teve com advogados envolvidos “a empresa Odebrecht noticiou a ocorrência de duas eventuais irregularidades que exigiriam providências do Ministério da Justiça”, diz um trecho da nota.

STF

No Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, alguns ministros divulgam a agenda com antecedência no site. De acordo com a assessoria de imprensa, a divulgação não é obrigatória e fica a critério de cada ministro. No site, as agendas apontam com quem é o encontro e a pauta que deverá ser discutida. Entre os dias 22 de janeiro e 12 de fevereiro, quem mais divulgou atividades marcadas em agenda oficial foi o ministro Dias Toffoli. Na pauta de seus compromissos, Toffoli coloca seu gabinete à disposição para audiências também com as partes contrárias ao processo discutido. Também divulgaram as agendas no mesmo período os ministros Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Rosa Weber. Nenhuma agenda foi divulgada entre 13 e 23 de fevereiro no site do Supremo.

É difícil encontrar entre os profissionais da área algum que se oponha à prática. O advogado Fernando Schumak Melo diz que essa é uma prática comum. Ele conta que já precisou recorrer a audiências com juízes em casos de ações emperradas ou urgentes. “Por exemplo, uma cidadã precisa de uma liminar para determinada cirurgia. Você tem que ir lá falar com o juiz”, afirma. “Não que o juiz vá te dar o provimento que você quer, mas ele vai decidir. O importante é que ele decida, que o processo não fique parado”, completa o advogado.

STJ

Apesar de não ser regra, a publicidade das agendas de magistrados e ministros de Estado é adotada em alguns casos no Brasil. No Supremo Tribunal de Justiça (STJ), os encontros entre ministros e advogados não são divulgados em agenda oficial do Tribunal. De acordo com a assessoria de imprensa, os próprios ministros têm o poder de decidir se recebem ou não as defesas e se divulgam ou não os encontros

O desembargador aposentado e professor da PUC-PR Vladimir Passos de Freitas afirma que é preciso ter bom senso na hora de recorrer a esse tipo de audiência. “Não quer dizer que o juiz tem que parar o que está fazendo para atender o advogado no ato. Imagine que ele se acha examinando um habeas corpus no qual se pede a soltura de um réu preso. Não faz sentido imaginar ele interromper o exame deste assunto para atender um advogado”, explica. “É preciso educação e bom senso nesta área e, por vezes, eles faltam dos dois lados, dos juízes e dos advogados”, ressalta Freitas.

Para que esses encontros não gerem polêmicas , na opinião do professor da PUC, o ideal é que o magistrado se reúna com o advogado juntamente com a parte contrária do caso. “Se um recurso especial importante tramitar no STJ, certamente Procuradores da Fazenda Nacional visitarão os Ministros e pessoalmente entregarão memoriais. Como fica um advogado do Paraná? Não seria bom se ele fosse notificado da visita de modo a poder estar presente ao ato?”, reflete Freitas.

O juiz da 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Paraná Vicente de Paula Ataide Junior também considera imprescindível que o atendimento seja feito na presença da parte contrária. O magistrado lembra que os advogados podem interferir na forma como o juiz vai analisar o caso em questão. “Qual o grau de influência que o advogado vai ter sobre o juiz em uma audiência privada? Não dá para ser ingênuo de pensar que isso não faz diferença”, observa Ataide.

O vice-presidente da OAB Paraná, Cassio Telles ,não acredita que um advogado possa interferir no julgamento por conversar com o juiz. “A experiência que nós temos na advocacia mostra que não deve existir um temor pelo fato de advogado conversar com o juiz. Os juízes são pessoas equilibradas e imparciais, essas conversas não vão interferir na decisão do magistrado”, diz.

Falta de ética gera escândalos em outros países

  • Curitiba

O professor de direito da PUC-PR Vladimir Passos de Freitas relaciona o tráfico de influências com o ranking de países mais corruptos, feito pela ONG Transparência Internacional. “Para ficar só na América do Sul, isto não é problema no Chile e Uruguai, que estão em ótima classificação a nível internacional. Mas certamente é um problema na Venezuela, país que se encontra entre os últimos “, explica Freitas. “Nos países menos corruptos isto é uma questão de ética. Nos mais corruptos o tráfico de influências é tido como normal”, avalia.

Na França, se advogados de clientes envolvidos num processo de corrupção se reunissem de forma acobertada com um ministro , a possibilidade de um escândalo seria bastante provável. Na opinião de Didier Adjedj, presidente da Comissão de Exercício de Direito do Conselho Nacional da Advocacia francês, o encontro coloca uma “dificuldade deontológica”.

“Sobretudo o ministro que estaria implicado, não os advogados. Não é algo contrário às regras deontológicas. Se o ministro tivesse cruzado por acaso com os advogados num corredor, seria diferente. Mas agendar um encontro, com a suspeita de se ter passado informações sobre um processo em curso, não seria algo admitido na França”, disse, ao avaliar a reunião do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, com advogados de investigados na Operação Lava Jato.

Nos Estados Unidos, durante a crise financeira de 2008, uma reunião entre o procurador-geral americano, Eric Holder, e o presidente do banco JP Morgan Chase, Jamie Dimon , acompanhado de dois advogados, causou revolta no país.

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