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Da reforma no ensino médio à moeda de troca utilizada pelo ex-ministro Antônio Palocci, medidas provisórias estiveram em destaque no noticiário nos últimos dias. Esse tipo de instrumento jurídico deve ser utilizado apenas em casos de grande relevância e urgência, mas não é bem isso que ocorre e as medidas acabam sendo muitas vezes utilizadas como moeda de troca ou instrumento de pressão para o Poder Executivo impor uma pauta ao Congresso Nacional.

As medidas provisórias estão entre os itens compreendidos no processo legislativo determinado pela Constituição Federal; elas entram em vigor imediatamente; têm duração de 60 dias, prorrogáveis por mais 60; e trancam a pauta se, após 45 dias de vigência, não entrarem em discussão na Câmara dos Deputados – onde deve começar sua tramitação.

Mas, apesar de a urgência dever estar na essência das MPs, na prática isso dificilmente ocorre. “As medidas provisórias nunca foram a medida excepcional que a leitura do texto constitucional sugeriria”, diz Diego Werneck, professor da FGV Direito-Rio.

Críticas

A MP 746/2016, editada pelo presidente Michel Temer na semana passada, altera a Lei de Diretrizes e Bases (LDB n.º 9.394/1996) e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Uma das principais críticas ao projeto foi o caminho escolhido para realizar essas mudanças, tanto pelo fato de a MP entrar em vigor imediatamente, quanto por ter tramitação mais rápida do que um projeto de lei.

O Poder Executivo precisa ter poder de introdução de normas com forma de lei, mas não vejo a MP como um bom instrumento.

Clèmerson Clève, constitucionalista e professor da UFPR.

Para Wernek, um tema que vai impactar na vida de dezenas de milhares de pessoas precisa de amplo debate. “É o tipo de questão em que se recomendaria não usar medida provisória. É preciso olhar o custo que tem tratar isso de forma rápida. É quase certeza que as regras vão mudar depois que o assunto tramitar no Congresso”, diz Werneck, que é doutor em direito pela Universidade de Yale.

O constitucionalista e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Clèmerson Clève considera que um governo que tem maioria não deveria recorrer a esse mecanismo a não ser em matérias pontuais e técnicas, que não podem esperar. O jurista ressalta que, enquanto os projetos de lei passam por diversas comissões, como a de Constituição e Justiça e outras afetas ao tema em questão, o texto de uma MP passa apenas por uma comissão mista que, na opinião dele, não permite discussão ideal para temas mais complexos.

Jabutis

Nos anos 1990, as medidas provisórias chegaram a poder ser reeditadas por tempo indefinido, o que, conforme explica Wernek, acabava por gerar um comodismo no governo, que não precisava pressionar os parlamentares a colocar o tema em pauta e, por outro lado, permitia aos parlamentares se omitirem sobre determinadas questões. Mas, em 2001, a Emenda Constitucional 32 limitou o prazo.

Mesmo após a emenda, as MPs continuam a ter sua aplicação revisada. Em 2010, ao julgar a MP que criou o Instituto Chico Mendes, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que, ao tramitarem no Congresso para se transformarem em leis, as MPs não poderiam conter emendas estranhas ao assunto principal da matéria – os famosos jabutis. Esse tipo de estratégia era comum para, sem chamar atenção, acabar por aprovar uma norma de interesse específico de determinado grupo.

Moeda de troca

A rápida tramitação das MPs serve para barganha política, como se viu no caso do ministro Antônio Palocci, que teria feito articulações para que a Medida Provisória 460/2009 se transformasse em lei, o que acabaria resultando em benefícios fiscais para a Odebrecht.

É preciso olhar o custo que tem tratar isso de forma rápida. É quase certeza que as regras vão mudar depois que o assunto tramitar no Congresso.

Diego Werneck,  professor da FGV Direito-Rio.

Outro caso recente é o do ex-deputado Eduardo Cunha, que teria recebido vantagens indevidas para trabalhar pela aprovação de uma medida provisória que era de interesse do banco BTG.

Wernek considera que esse tipo de troca faz parte do processo legislativo em geral. “No meio da negociação de uma lei pode incluir algo que não faz parte do tema. Os limites do jabuti são problema de interpretação. Há casos claros, outros nem tanto.” Por outro lado, o professor da FGV alerta que é preciso tomar cuidado para não se criminalizar a negociação e a barganha política.

Hiperpresidencialismo

O efeito prático é que o presidente da República acaba por ter muito poder. Para Clève, o presidente se torna juridicamente muito forte, pois pode propor projeto de emenda constitucional, iniciar processo legislativo em muitas matérias, além de editar MPs. “O Poder Executivo precisa ter poder de introdução de normas com forma de lei, mas não vejo a MP como um bom instrumento”, diz o jurista que é autor do livro Medidas Provisórias (Revista dos Tribunais). Ele ressalta que, ao mesmo tempo, a figura do presidente no Brasil é politicamente fraca por causa do presidencialismo de coalisão.

Wernek aponta que, enquanto os juristas há tempos se debruçam sobre as falhas da MP, por outro lado, cientistas políticos têm reconhecido o mecanismo como importante para determinar uma agenda política.

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