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 | Pedro Serapio/Gazeta do Povo
| Foto: Pedro Serapio/Gazeta do Povo

Atuar no contexto do comércio internacional requer habilidades de negociação e alta capacidade intelectual. Para Tatiana Lacerda Prazeres, assessora sênior do diretor geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) também é fundamental acreditar no trabalho que se está fazendo. Ela trabalha com a expectativa de que as soluções encontradas no âmbito comercial possam ajudar a melhorar a vida das pessoas e a estimular a economia internacional. A atuação de Tatiana na OMC e, anteriormente, na Apex-Brasil e no Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e Comércio Exterior a levou a receber reconhecimento e ser incluídano Young Global Leaders (YGL), grupo de jovens líderes globais (profissionais com menos de 40 anos) selecionados pelo Fórum Econômico Mundial no final do ano passado. Tatiana esteve em Curitiba no início de setembro conversou com o Justiça & Direito sobre sua rotina na OMC e sobre a importância da instituição para solucionar controvérsias.

Como você avalia a atuação internacional do Brasil no comércio?

Tenho uma trajetória de servidora pública federal e ocupei o cargo de secretária de comércio exterior. Mas hoje eu trabalho numa organização internacional. Não tenho mais um ‘chapéu’ Brasil, eu tenho um ‘chapéu’ internacional. E é uma organização que tem 162 membros. Como funcionário internacional, precisa-se ter muito cuidado ao comentar política de países membros. Dito isso, de maneira geral, sob uma perspectiva de negociações da organização mundial do comércio, o Brasil sempre foi e segue sendo um país muito importante. Mas o peso do Brasil nas negociações da OMC é certamente maior que o peso no comércio mundial. É um país que nas negociações faz valer suas posições se uma maneira muito clara e firme.

Ficha Técnica
  • Naturalidade: Florianópolis, SC
  • Currículo: Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e em Relações Internacionais pela Universidade do Vale do Itajaí (2000); mestre em Direito pela UFSC e doutora em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB). Foi gerente de projetos do International Trade Centre (WTO / Unctad), em Genebra e gerente na Apex-Brasil. Foi secretária de Comércio Exterior no Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e Comércio Exterior
  • Jurista que a inspira: Milton Luiz Pereira
  • O que está lendo: Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar, de Daniel Kahneman
  • Nas horas vagas:
    Gosta de cozinhar, correr e viajar

É possível atribuir um motivo para que a atuação seja mais forte dentro da OMC?

Acho que são várias razões. Há uma tradição no Brasil de grandes negociadores comerciais. Os negociadores brasileiros são muito preparados tecnicamente e o Brasil é um país que é capaz de construir pontes de diálogo entre países desenvolvidos e em desenvolvimento de diferentes regiões do mundo. São habilidades diplomáticas combinadas com um preparo técnico muito bom.

Qual a sua avaliação sobre a nossa legislação vigente e os convênios, convenções as quais o Brasil participa. São avançados o suficiente pra lidar com todos os tipos de transações que existe hoje?

O Brasil é parte de acordos internacionais importantes. Nesse momento chamaria atenção para o processo de ratificação do acordo de facilitação do comércio da OMC. É um acordo que foi alcançado em dezembro de 2013 para simplificar operações de comércio exterior: importação, exportação e trânsito aduaneiro. Esse acordo precisa ser submetido ao Congresso Nacional para entrar em vigor e naturalmente o Brasil se beneficia da implementação desse acordo porque se trata basicamente de reduzir custos desnecessários ao comércio. É um passo importante e esperamos que seja ratificado em breve, além de ajudar o processo de modernização da legislação brasileira na área de comércio internacional.

Em relação ao momento de crise mundial, a OMC tem adotado políticas para os países que se encontram mais inseguros?

É um momento delicado para a economia mundial. O papel da OMC é de monitorar a situação internacional e especificamente o cumprimento das regras internacionais, porque a história também mostra que em momentos de instabilidade na economia internacional as medidas protecionistas se proliferam. A atuação da OMC depois da crise financeira mundial ajudou a conter o protecionismo, o monitoramento proporcionado pela estrutura da OMC ajudou a evitar que medidas protecionistas ganhassem uma proporção que ganharam ao longo da década de 1930 em função da crise daquele momento. É de fato um momento delicado. O comércio cresce menos do que cresceu nas décadas passadas. O comércio hoje serve menos de motor para impulsionar a economia nacional do que servia no passado. Sendo isso realidade, há um potencial muito grande para, por meio de novos acordos comerciais, permitir que o comércio siga servindo de estímulo para a economia internacional. No momento em que os países não têm muitos instrumentos para reativar o crescimento econômico mundial, é importante que se olhe para o comércio como uma ferramenta para ajudar aquecer a economia de novo.

O Brasil é capaz de construir pontes de diálogo entre países desenvolvidos e em desenvolvimento de. São habilidades diplomáticas combinadas com um preparo técnico muito bom.

Poderia citar algum exemplo de medida protecionista que foi contida pela atuação da OMC?

O sistema de solução de controvérsias da organização é um bom exemplo disso. Ou seja, a organização conta com um mecanismo por meio do qual os países podem questionar a prática de outros quando há uma suspeita de que eles não cumprem com as normas internacionais. Esse sistema, ao longo dos 20 anos da OMC, já recebeu cerca de quinhentas disputas. É um sistema muito respeitado pelos países. As decisões tendem a ser cumpridas. E o fato de o sistema existir, por si só, já evita medidas incompatíveis com as regras, mas quando elas surgem há existência do mecanismo, inclusive com a possibilidade de sanções comerciais. Se você olhar o histórico de disputas na OMC, tem-se uma ideia do tipo de medida que surgiu nos últimos anos e como o sistema reagiu a elas, decidindo se aquela medida estava ou não de acordo com as regras internacionais. Eu diria, de uma maneira muito simples e muito evidente, que o alto nível de interesse no sistema de solução de controvérsias da OMC é prova de quanto a organização é útil para conter ímpetos protecionistas.

Como é a sua rotina na OMC?

Eu assessoro o diretor geral da OMC, que é um brasileiro, em negociações internacionais. Nosso desafio é fazer com que 161 países do mundo se coloquem de acordo. É um desafio enorme. Nós conseguimos isso recentemente em duas ocasiões. Nesse acordo de facilitação do comércio e num acordo sobre tecnologia da informação. Então o desafio é enorme, mas é possível.

Isso se dá em reuniões?

São várias reuniões em diferentes formatos. Às vezes individuais, em pequenos grupos, você escuta e testa ideias. Adapta ideias. Escuta muito para buscar uma saída que possa ser aceita por todos. É um desafio intelectual enorme e a causa é uma causa em que eu acredito. Você encontrar soluções negociadas para fazer com que o comércio ajude a vida das pessoas e estimule a economia internacional.

No ano passado você foi incluída no seleto grupo de jovens líderes globais. Como você recebeu essa indicação?

Recebi com surpresa e enorme interesse de conhecer outras pessoas, que em diferentes áreas de atuação estavam buscando fazer a diferença no mundo, na área e no universo em que atuam. E realmente é uma rede fantástica de pessoas com histórico de conquistas muito interessante. Eu sempre busquei combinar uma formação acadêmica sólida com experiência profissional na área da minha formação. Eu tenho duas graduações, um mestrado e um doutorado. E poder trabalhar na OMC, que é o tema dos meus dois livros, que é o tema do meu trabalho de conclusão de curso é uma satisfação muito grande. Uma grande oportunidade poder usar o que eu tenho de melhor para fazer algo em que eu acredito, que é um sistema internacional trabalhando em favor do comércio como uma ferramenta para o desenvolvimento. É muito gratificante você poder trabalhar, poder dedicar o seu tempo e energia, sua vontade de fazer a diferença, para uma iniciativa em que você acredita.

Existem muitos jovens que nutrem encanto pela carreira internacional e ao mesmo tempo parece algo muito distante. Que orientação você daria para os jovens que querem seguir essa carreira?

Se eu tivesse que dar um conselho apenas, eu diria para eles investirem em idiomas. As pessoas subestimam a necessidade de idiomas estrangeiros bem falados. É algo tão óbvio. Mas eu vejo brasileiros preparados tropeçarem nisso. E é uma pena. É frustrante ver pessoas com grande potencial, mas com dificuldade em se expressar com grande fluência numa língua. Ainda é uma grande barreira.

Colaborou: Victor Hugo Turezo
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