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Celebrada por dar voz a todos que queiram falar sobre qualquer assunto, a internet também tem se mostrado palco de extrema intolerância – a face mais sombria da democracia e da liberdade. Muitos usuários da rede ainda têm a sensação de que estão em terra de ninguém, sem regras, sem consequências. É um meio onde nem as crianças ou os mortos são respeitados. Mas, aos poucos, decisões judiciais e posicionamentos de alguns setores da sociedade vêm mostrando que não é bem assim: o que acontece na web pode sim ter resultado para os ofensores, tanto cíveis – que pesam no bolso – quanto penais – que em casos extremos podem resultar em prisão.

As redes sociais facilitam a conexão entre grupos de interesses comuns e, com plateia formada, qualquer um pode ser alvo ou alvejar. Alguns casos ficam em grupos restritos, apenas na timeline do ofensor ou do ofendido, mas outros viralizam e ganham grande repercussão como os ataques racistas a uma jornalista que trabalha no telejornal de maior audiência do país – a moça do tempo Maria Júlia Coutinho; ou quando uma estudante anônima que resolveu atacar os nordestinos após denúncias de vazamento do Enem no Ceará. Em ambos os casos houve providências no âmbito jurídico (confira mais casos ).

Juristas explicam que dano moral é a mesma coisa seja no mundo real ou no virtual. “O fato de ser em uma rede social apenas aumenta o potencial lesivo”, explica Daniel Levy, professor da pós graduação em direito da FGV-SP e autor da obra Responsabilidade Civil. Para ele, o grande desafio do século 21 é conciliar o direito à informação, à manifestação do pensamento com a violação da personalidade e a injúria recorrentes na internet.

Mais do que Justiça, é preciso mudança cultural, apontam juristas

Quanto mais as pessoas acionarem o Judiciário para questionar as ofensas feitas na internet, mais se deve disseminar a consciência de que este tipo de ato tem sim consequências. A expectativa dos juristas consultados pela reportagem é que com isso as pessoas se conscientizem e tenham mais autocontrole. Por outro lado, os entrevistados também são unânimes em dizer que há um limite para o efeito que o Judiciário pode ter sobre o comportamento que as pessoas têm on-line. Na opinião deles, a mudança precisa ser na cultura.

“É uma questão cultural que não se resolve com indenizações altas ou colocando as pessoas na prisão. Precisamos de uma sociedade mais decente, que não discrimine. Isso não se resolve no canetaço, mas com debate, com educação”, diz Sergio Staut, professor de direito da UFPR. Ele também observa que é necessário que a sociedade esteja atenta à atuação de pessoas públicas que “disseminam o ódio e adotam posições questionáveis do ponto de vista dos direitos fundamentais”.

Apesar de a linha entre o direito e a ofensa serem tênues, Levy observa que a legislação brasileira vem amadurecendo em relação ao assunto. O Marco Civil da Internet, por exemplo, determina que os provedores tirem do ar conteúdos ofensivos quando forem instados e, caso não façam isso, podem ser responsabilizados assim como os autores das ofensas. O professor ressalta que, com essa nova realidade, as próprias empresas estão desenvolvendo políticas internas para coibir ofensas e tecnologias como algoritmos que sejam capazes de rastrear esse tipo de publicação.

O valor da honra

Para o advogado e professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Sergio Staut, ainda falta que as pessoas – tanto ofendidos quanto ofensores – se conscientizem sobre o valor dos direitos de personalidade. “Boa parte da população acaba não dando a importância que têm esses direitos. Nome, honra, imagem, intimidade e privacidade são os bens mais importantes da vida e de dificílima reparação”, observa Staut.

Na opinião do advogado, o que muitas vezes faz com que as pessoas mudem de atitude é a dor no bolso. Mas, segundo ele, ainda há um debate se as indenizações por danos morais fixadas no Brasil são suficientes. Enquanto nos Estados Unidos há reparações milionárias, daquelas com que a pessoa nunca mais vai precisar trabalhar na vida, no Brasil há uma preocupação para que não ocorra enriquecimento indevido, mas apenas o caráter pedagógico. Isso, às vezes acaba por reduzir demais os valores cobrados e não ter o efeito desejado.

Prisão

O penalista Cezar Bitencourt observa que as pessoas se acham donas do mundo na internet, mas que muitos estão sendo responsabilizados. Diante da expectativa de que aqueles mais furiosos vão parar atrás das grades, ele explica: “As pessoas querem que todo mundo seja preso. Não tem onde colocar, o sistema carcerário está lotado”. O jurista complementa que, em um primeiro momento, as condenações por ofensas na rede não resultam em prisão, mas isso não significa ser absolvido.

Quem for condenado na esfera penal pelos ataques que fez na internet tem sanções a cumprir, como multa, além de ser incluído no rol dos culpados e perder a primariedade, o que significa que, em caso de reincidência – se cometer um novo crime –, poderá então ser preso.

Consequências profissionais

Algumas pessoas também devem ficar atentas pois podem sofrer sanções administrativas por causa do que postam nas redes sociais, como das empresas ou instituições públicas em que trabalham, ou ainda de entidades como conselhos profissionais.

Confira alguns casos em que as ofensas na rede tiveram consequências jurídicas

Nordestino

Em 2010, após o resultado da eleição em que Dilma Rousseff saiu vitoriosa, a estudante paulista Mayara Penteado Petruso fez uma publicação no Twitter que teve grande repercussão. À época ele escreveu “Nordestisto (sic) não é gente. Faça um favor a Sp: mate um nordestino afogado!” Em 2013, ela foi condenada a 1 ano, 5 meses e 15 dias de prisão, pena que foi convertida em pagamento de multa e prestação de serviços à comunidade.

Maju

A jornalista Maria Julia Coutinho, que apresenta a previsão do tempo no Jornal Nacional, foi hostilizada com ofensas racistas nas redes sociais em 2015. Em uma operação comandada pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP), 25 mandados de busca e apreensão em oito estados foram feitos e quatro homens foram denunciados por crimes de racismo, injúria, falsidade ideológica, corrupção de menores e associação criminosa na internet. Somadas, a penas podem chegar a 20 anos.

Filha de Gagliasso

A filha adotiva dos atores Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank, que é negra, também foi vítima de ofensas racistas na rede. Após o casal fazer denúncia, uma adolescente de 14 anos foi localizada e confessou que criou um perfil falso com dados de um amiga para fazer as ofensas. A menor será punida de acordo com decisão de um juiz da Vara de Infância e Juventude, que deve tomar como base o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Marisa Letícia

Profissionais que fizeram comentários maldosos sobre a morte de Marisa Letícia Lula da Silva estão passando por sanções administrativas. A Corregedoria Nacional do Ministério Público abriu uma Reclamação Disciplinar (RD) para apurar a conduta do procurador de Justiça Rômulo Paiva Filho, que desejou nas redes sociais que ela morresse. E o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) instaurou sindicância para investigar o vazamento de informações sigilosas sobre o diagnóstico da ex-primeira-dama.

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