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A Justiça Federal recentemente aceitou pedido do Ministério Público (MPF) de quebra de sigilo telefônico do jornalista Allan de Abreu do Diário da Região de São José do Rio Preto, em São Paulo, a fim de descobrir quem foi a fonte que lhe passou informações sigilosas de uma operação da Polícia Federal. Com base nos dados que obteve, o repórter transcreveu em sua reportagem, trecho de interceptações telefônicas que constavam no inquérito da PF. Embora ontem o Supremo Tribunal Federal tenha voltado a suspender a quebra de sigilo telefônico de repórter e do jornal (ver mais ao lado), a situação, grave, é daquelas que extrapola o caso concreto e atinge diretamente direitos fundamentais que estão inscritos na Constituição Federal.

Entenda o caso

Compreenda todo o imbróglio envolvendo a quebra de sigilo telefônico do repórter e o jornal:

1-Nos dias 1º e 6 de maio de 2011, o jornal Diário da Região de São José do Rio Preto publicou duas reportagens assinadas pelo repórter Allan de Abreu Aio a respeito da Operação Tamburutaca da Polícia Federal, para apurar suposto esquema de corrupção na Delegacia do Trabalho do município paulistano.

2- As reportagens continham trechos de conversas telefônicas interceptadas por ordem judicial da 4ª Vara da Justiça Federal de São Paulo (autos nº 0000577-56.2009.403.6106), em um processo que corria sob segredo de Justiça.

3 - Alegando violação de sigilo, o Ministério Público Federal (MPF) requisitou o indiciamento criminal do jornalista, a fim de apurar o crime de quebra de sigilo de justiça (Lei 9.296/1996). Para o MPF, o repórter teria, sem autorização judicial, divulgado informações confidenciais sobre a Operação Tamburutaca.

4- No inquérito policial, o jornalista confirmou a produção dos textos, mas se recusou, alegando cumprimento do dever legal e ético-profissional, o repórter considerou estar impedido de revelar a fonte das informações que estavam sob sigilo. Pois, se o fizesse, estaria cometendo o crime contra a inviolabilidade de segredo, conforme estabelece o art. 154, do Código Penal.

5- Concluído o inquérito em 13 de fevereiro de 2014, o delegado entendeu que não havia crime por parte do jornalista e o remeteu para o MPF.

6- Após receber o inquérito, em 10 de julho de 2014 o MPF pediu ao Poder Judiciário a quebra de sigilo das linhas telefônicas registradas em nome do repórter e da empresa jornalística, a fim de tentar identificar a fonte das informações transmitidas ao jornalista.

7- A 4ª Vara Federal de São José do Rio Preto aceitou o pedido do MPF e determinou que as operadoras de telefonia repassassem as informações requeridas pelo órgão.

8- O jornalDiário da Região de São José do Rio Preto impetrou mandado de segurança a fim de assegurar o direito constitucional à preservação do sigilo de fonte. A liminar foi negada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) em 30 de dezembro de 2014.

9- A Associação Nacional dos Jornais (ANJ) protocolou reclamação (nº 19464) no Supremo Tribunal Federal (STF), por considerar que a decisão do TRF3 violou acórdão do STF na ADPF 130/DF, que revogou a Lei de Imprensa. A ANJ entendeu que houve grave “violação ao direito fundamental às liberdades de informação e de expressão jornalística (CF, art. 5, IV, IX e art. 220), bem como à regra que resguarda o sigilo de fonte jornalística (CF, art. 5º, XIV, e art. 220, §1º)”.

10- O ministro Dias Toffoli, relator da reclamação, negou seguimento ao processo por entender que a hipótese do caso não seria idêntica à que foi julgada pelo STF, quando revogou a Lei de Imprensa. Para Toffoli, o caso não trata de censura prévia, nem está fundamentado na Lei de imprensa, mas em apuração de indícios graves de crime.

11- A ANJ agravou a decisão e a Segunda Turma do STF suspendeu a quebra de sigilo do repórter e do jornal. O julgamento não foi concluído porque o ministro Gilmar Mendes pediu vista para analisar o caso.

Há três bens jurídicos discutidos no caso. De um lado, a Constituição Federal protege o sigilo de fonte e assegura a todos o acesso à informação (CF, artigo 5º, XIV). Além disso, o texto constitucional assegura a liberdade de manifestação de pensamento, assim como a liberdade de comunicação (CF, artigo 5º, IV, IX). De outro, está a criminalização da conduta que viola o direito constitucional à intimidade, garantido ao se conferir segredo de Justiça às informações coletadas mediante quebra de sigilo (CF, artigo 5º, XII).

O Ministério Público Federal (MPF), de São Paulo, considera que, embora o sigilo de fonte seja garantido pela Constituição, isso não pode servir de imunidade para quem viola o ordenamento jurídico. O MPF entende que essa é a melhor forma de modular o direito à informação, em contraponto com os demais direitos fundamentais. A posição a esse respeito foi dada no processo em que pede a quebra de sigilo telefônico do jornalista. “O sigilo de fonte, garantido constitucionalmente, não serve de imunidade para quem viola o ordenamento jurídico divulgando informações que a Lei proíbe”, afirma o MPF. “Tal proibição modula legitimamente direito à informação, até porque o exercício dos direitos constitucionais pressupõe a não lesão de outros (como a intimidade, vida privada, o estado de direito, o jus puniendi, etc).”

Para Rodrigo Xavier Leonardo, professor de Direito Civil da Universidade Federal do Paraná, “A decisão é absurda”. “Esse dever de sigilo é atribuído às partes, advogados e juiz. Mas se chegou ao conhecimento do repórter, é fato jornalístico”, afirma o advogado. O professor entende que a quebra de sigilo de jornalista, a fim de se descobrir a pessoa que cometeu crime de violação de confidencialidade decretada pela Justiça, é uma forma indireta de violar o direito ao sigilo de fonte. “Embora precise comprovar a veracidade das informações publicadas, o jornalista não precisa divulgar sua fonte. Quando se faz a quebra do sigilo telefônico, há um esvaziamento da garantia do sigilo de fonte, o que é inconstitucional. E isso é um absurdo”.

O jurista René Ariel Dotti considera que a quebra de sigilo telefônico de jornalista “é absolutamente ilegal e inconstitucional”. Segundo Dotti, como o jornalista não é obrigado a revelar a fonte, qualquer medida é inconstitucional.

O jurista lembra, ainda, que o sigilo judicial é admissível quando é preciso resguardar a intimidade a honra e a dignidade das pessoas, jamais quando há interesse público envolvido. ”A lei prevê crime para quem quebra o sigilo. O jornalista não tem obrigação funcional”, explica Dotti. “No caso não há o interesse social pelo sigilo; ao contrário, há o interesse público – acesso de todos à informação sobre fato relevante da administração pública.”

O juiz federal Pedro Luíz Piedade Novaes, professor universitário de Direito e Jornalismo do Centro Universitário Toledo Ensino, considera que a decisão que quebrou o sigilo telefônico partiu de uma premissa equivocada. “O sigilo de fonte é garantia profissional. Teria de haver uma conexão do jornalista como partícipe, como agente de um ato criminoso”, explica Novaes. “O que o jornalista fez está autorizado pela Constituição. E, nesse caso, não existe meia garantia. Se houve checagem dos fatos, se tinha interesse público, está correto”.

Processo teve repercussão depois de decisão de Toffoli

O processo envolvendo o jornalista Allan de Abreu, do Jornal da Região de São José do Rio Preto e o Ministério Público Federal teve ampla repercussão depois que o ministro Antonio Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou seguimento à reclamação ajuizada pela Associação Nacional dos Jornais (ANJ). A entidade entrou com mandado de segurança contra a decisão do Tribunal Regional Federal da Terceira Região (TRF3), que negou liminar para suspender a quebra de sigilo telefônico do repórter. A decisão de Toffoli chamou atenção porque aparentemente poderia estar impedindo a defesa da liberdade de expressão.

No entendimento do ministro, a revogação da ADPF 130/DF – a Lei de Imprensa – não tratou de especificamente de quebra de sigilo telefônico de jornalista para investigação criminal, nem de sigilo de fonte. Como a reclamação é uma via processual que tem que garantir a autoridade das decisões já proferidas pelo STF perante os demais tribunais, ela somente pode ser ajuizada em casos idênticos já debatidos pela Corte Constitucional . O que, segundo entendimento de Toffoli, não seria o caso.

O professor de Direito Civil Rodrigo Xavier Leonardo, da Universidade Federal do Paraná, afirma, entretanto, que a decisão de Toffoli foi acertada. “O fato de ter sido desconsiderada uma garantia constitucional (direito ao sigilo de fonte) não justifica recorrer diretamente ao STF. A decisão de Toffoli foi correta”, afirma o professor. Ele explica que o ministro deixa claro que está negando a continuidade do processo por que a reclamação não é a via adequada. “A reclamação não poder uma bacia das almas de todos os temas de imprensa”.

Xavier Leonardo diz também que não foi equivocado a ANJ ingressar com uma reclamação nesse caso. “Não se pode chamar de erro. Por que, se desse certo, essa seria uma via muito mais rápida para tratar os demais casos relativos a questões de imprensa.”

O jurista René Ariel Dotti, porém, entende que o precedente do STF na decisão da ADPF 130/DF é aplicável quando se trata de princípio constitucional do sigilo de fonte. “Admitindo-se que o caso não configura “censura prévia” como diz o Min. Toffoli, o precedente do STF é aplicável quanto ao princípio constitucional do sigilo da fonte. O fundamento tem base constitucional”. Por essa razão, o ministro poderia ter decidido de forma diferente.

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