
A Justiça Federal recentemente aceitou pedido do Ministério Público (MPF) de quebra de sigilo telefônico do jornalista Allan de Abreu do Diário da Região de São José do Rio Preto, em São Paulo, a fim de descobrir quem foi a fonte que lhe passou informações sigilosas de uma operação da Polícia Federal. Com base nos dados que obteve, o repórter transcreveu em sua reportagem, trecho de interceptações telefônicas que constavam no inquérito da PF. Embora ontem o Supremo Tribunal Federal tenha voltado a suspender a quebra de sigilo telefônico de repórter e do jornal (ver mais ao lado), a situação, grave, é daquelas que extrapola o caso concreto e atinge diretamente direitos fundamentais que estão inscritos na Constituição Federal.
Há três bens jurídicos discutidos no caso. De um lado, a Constituição Federal protege o sigilo de fonte e assegura a todos o acesso à informação (CF, artigo 5º, XIV). Além disso, o texto constitucional assegura a liberdade de manifestação de pensamento, assim como a liberdade de comunicação (CF, artigo 5º, IV, IX). De outro, está a criminalização da conduta que viola o direito constitucional à intimidade, garantido ao se conferir segredo de Justiça às informações coletadas mediante quebra de sigilo (CF, artigo 5º, XII).
O Ministério Público Federal (MPF), de São Paulo, considera que, embora o sigilo de fonte seja garantido pela Constituição, isso não pode servir de imunidade para quem viola o ordenamento jurídico. O MPF entende que essa é a melhor forma de modular o direito à informação, em contraponto com os demais direitos fundamentais. A posição a esse respeito foi dada no processo em que pede a quebra de sigilo telefônico do jornalista. “O sigilo de fonte, garantido constitucionalmente, não serve de imunidade para quem viola o ordenamento jurídico divulgando informações que a Lei proíbe”, afirma o MPF. “Tal proibição modula legitimamente direito à informação, até porque o exercício dos direitos constitucionais pressupõe a não lesão de outros (como a intimidade, vida privada, o estado de direito, o jus puniendi, etc).”
Para Rodrigo Xavier Leonardo, professor de Direito Civil da Universidade Federal do Paraná, “A decisão é absurda”. “Esse dever de sigilo é atribuído às partes, advogados e juiz. Mas se chegou ao conhecimento do repórter, é fato jornalístico”, afirma o advogado. O professor entende que a quebra de sigilo de jornalista, a fim de se descobrir a pessoa que cometeu crime de violação de confidencialidade decretada pela Justiça, é uma forma indireta de violar o direito ao sigilo de fonte. “Embora precise comprovar a veracidade das informações publicadas, o jornalista não precisa divulgar sua fonte. Quando se faz a quebra do sigilo telefônico, há um esvaziamento da garantia do sigilo de fonte, o que é inconstitucional. E isso é um absurdo”.
O jurista René Ariel Dotti considera que a quebra de sigilo telefônico de jornalista “é absolutamente ilegal e inconstitucional”. Segundo Dotti, como o jornalista não é obrigado a revelar a fonte, qualquer medida é inconstitucional.
O jurista lembra, ainda, que o sigilo judicial é admissível quando é preciso resguardar a intimidade a honra e a dignidade das pessoas, jamais quando há interesse público envolvido. ”A lei prevê crime para quem quebra o sigilo. O jornalista não tem obrigação funcional”, explica Dotti. “No caso não há o interesse social pelo sigilo; ao contrário, há o interesse público – acesso de todos à informação sobre fato relevante da administração pública.”
O juiz federal Pedro Luíz Piedade Novaes, professor universitário de Direito e Jornalismo do Centro Universitário Toledo Ensino, considera que a decisão que quebrou o sigilo telefônico partiu de uma premissa equivocada. “O sigilo de fonte é garantia profissional. Teria de haver uma conexão do jornalista como partícipe, como agente de um ato criminoso”, explica Novaes. “O que o jornalista fez está autorizado pela Constituição. E, nesse caso, não existe meia garantia. Se houve checagem dos fatos, se tinha interesse público, está correto”.



