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| Foto: Marcos Bezerra/Estadão Conteúdo/Albari Rosa/Gazeta do Povo

As prisões de dois ex-ministros dos governos Lula e Dilma, Guido Mantega e Antônio Palocci, em menos de uma semana causaram grande alvoroço popular e críticas a uma suposta espetacularização das investigações da Operação Lava Jato. Há questionamentos sobre a real necessidade da prisão de ambos, pois, nesta fase da investigação, eles poderiam ser convocados a depor e, caso não comparecessem, serem conduzidos de maneira coercitiva, para só depois terem suas prisões decretadas.

O Justiça & Direito teve acesso aos despachos em que o juiz federal Sergio Moro autoriza a prisão dos dois. Ali ele demonstra que está pautado na lei e em provas já produzidas pela Polícia Federal. Além disso, em ambos os casos, o pedido era de prisão preventiva (sem tempo máximo de duração), mas Moro, mesmo demonstrando que havia justificativas para a concessão dessa medida cautelar, afirma que optou por uma saída menos drástica, a da prisão temporária (que pode durar até 5 dias, prorrogáveis por mais 5 e, ao final, ser convertida em preventiva).

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Mas até mesmo a concessão de prisão temporária no lugar da preventiva pode ser considerada excessiva. Para o advogado criminalista Beno Brandão, o juiz poderia ter aplicado medidas cautelares menos drásticas aos investigados antes de decretar a prisão. “As medidas cautelares poderiam ter sido concedidas desde o início em vez da prisão. Não pode prender só para prestar depoimento. A condução coercitiva tem tido essa finalidade, mas ela só deve ser aplicada quando a pessoa já foi intimada e, mesmo assim, não está comparecendo”, explica.

Para o professor da FGV/SP, especialista em Direito Constitucional, Dircêo Torrecillas Ramos, a escolha de aplicação de uma medida cautelar ou de outra fica sempre dentro da subjetividade do juiz e de quem pede. “Não sabemos tudo do processo. Aquele que pede a concessão da medida assim o faz porque acha que poderá haver um risco para a investigação caso o investigado seja intimado a depor só dali a uma semana ou dez dias. Ele terá tempo suficiente interferir em provas, testemunhas, documentos. Por isso decretam a prisão”, explica.

Mantega foi preso no momento em que se encontrava no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, para acompanhar uma cirurgia, pela qual sua esposa passaria. Horas mais tarde, o juiz Sergio Moro acabou revogando sua prisão por considerar que os mandados de busca e apreensão na casa do ex-ministro já haviam sido cumpridos com sucesso e que não haveria mais como Mantega atrapalhar a investigação.

O professor Torrecillas levanta a questão da isonomia para questionar a decretação da prisão de Mantega e a sua revogação poucas horas depois de cumprido o mandado. “Como todos são iguais perante a lei, já imaginou se todos os presos de forma temporária tiverem esse mesmo tratamento? Se ele soltou 5 horas depois e disse que não havia mais necessidade da medida, então não havia a necessidade de decretar a prisão desde início. Será que em quatro ou cinco horas, eles conseguiram tomar toda as providências?”, questiona o constitucionalista.

Palocci

Na decisão a respeito da prisão de Palocci, o magistrado argumenta que estão presentes dois fundamentos para a prisão preventiva do ex-ministro: risco à aplicação da lei penal e risco à ordem pública. No primeiro caso, o magistrado explica que, “embora tenha sido identificado o repasse de cerca de R$ 128 milhões em propinas, não foi possível rastrear ainda documentalmente os valores”. Com base em outras duas ações penais oriundas da Operação Lava Jato, em que os pagamentos ocorreram em contas secretas no exterior, o magistrado levanta a hipótese de que tal modus operandi pode também ter ocorrido neste caso.

Como tais contas ainda não foram identificadas ou bloqueadas, “há um risco de dissipação do produto do crime, o que inviabilizará a sua recuperação. Enquanto não afastado o risco de dissipação do produto do crime, presente igualmente um risco maior de fuga ao exterior, uma vez que os investigados poderiam se valer de recursos ilícitos ali mantidos para facilitar fuga e refúgio no exterior”.

Com relação ao risco à ordem pública, o juiz diz que “o contexto não é de envolvimento episódico em crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro, mas do recebimento sistemático de propinas”. Além disso, pela planilha obtida durante as investigações, há ainda saldo de propina a ser pago ao ex-ministro pela Odebrecht.

Mesmo assim o juiz preferiu conceder a prisão temporária e não a preventiva, por considerá-la menos drástica e suficiente para o “melhor exame dos pressupostos e fundamentos da preventiva após a colheita do material probatório na busca e apreensão”. De acordo com o magistrado, ela “é necessária no período do cumprimento dos mandados de busca e apreensão para prevenir qualquer afetação das provas, como produção de documentos falsos, ou supressão de documentos”.

Mantega

No caso de Guido Mantega também são dois os fundamentos que justificariam a prisão preventiva do ex-ministro: risco à investigação e à instrução e risco à ordem pública. Para fundamentar o risco à investigação, ele afirma que “a falsificação de documentos para acobertar crimes coloca em risco a integridade da instrução e da investigação, havendo risco da produção de novos documentos falsos para conferir suporte a contratos simulados ou superfaturados”.

Com relação ao risco à ordem pública, o magistrado explica que “o contexto não é de envolvimento episódico em crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro, mas de atuação profissional, longa e sofisticada, no pagamento de propinas em contratos públicos, com utilização de expedientes de ocultação e dissimulação relativamente complexos, inclusive com o emprego de contas em nome de off-shores no exterior para repasse de propinas, utilização de empresas de fachada e simulação de contratos de prestação de serviços simulados ou superfaturados”.

Apesar dos elementos presentes, o magistrado, como no caso de Palocci, optou por medida menos drástica, a da prisão temporária, amparada nos indícios de prática de crimes de corrupção, lavagem, fraudes, além de associação criminosa.

Conheça a lei

Lei 7.960/89

Art. 1 Caberá prisão temporária:

I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;

II - quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;

III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:

a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°);

b) seqüestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°);

c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);

d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e 2°);

e) extorsão mediante seqüestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);

f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);

g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);

h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único);

i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°);

j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285);

l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;

m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de sua formas típicas;

n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976);

o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986).

p) crimes previstos na Lei de Terrorismo.

Código de Processo Penal

Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4.º).

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