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Moro (de pé) cumprimenta o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) | Antonio Cruz/Agência Brasil
Moro (de pé) cumprimenta o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL)| Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Em dois anos e oito meses desde que foi deflagrada, a Operação Lava Jato nunca passou por um momento tão crítico. Paralelamente à defesa do projeto inicial das “Dez Medidas Contra a Corrupção”, a força-tarefa se mobiliza contra outra “ameaça”: a aprovação da Lei do Abuso de Autoridade, no Senado. O projeto 280/2016 define esse crime quando cometido por membros do Poder Judiciário e por agentes públicos no exercício de suas funções. A punição nestes casos também foi uma das emendas aprovadas pela Câmara no Pacote Anticorrupção nesta semana.

Nesta quinta-feira (1) o juiz federal Sergio Moro esteve em Brasília para participar de uma audiência no Senado sobre o projeto de lei 280/2016. O juiz aproveitou a oportunidade para uma dupla missão. A primeira foi pedir a inclusão de artigo que impeça que a punição a magistrados, promotores e policiais por atos ligados à interpretação da lei ou à avaliação dos fatos e provas.

O que está previsto no projeto da Lei de Abuso de Autoridade

Conheça algumas situações consideradas crimes de abuso de autoridade, com penas de detenção, de acordo com o projeto de lei 280/2016, em trâmite no Senado:

- recolher ilegalmente alguém para a carceragem;

- cumprir uma diligência em desacordo com as formalidades legais;

- deixar de comunicar imediatamente a prisão de qualquer pessoa, e o local onde se encontra, para a sua família ou para a pessoa indicada;

- prolongar a execução de pena privativa de liberdade, deixando de executar o alvará no próprio dia ou no prazo indicado;

- constranger o preso, mediante violência ou ameaça, ou depois de reduzir a capacidade de resistência do preso exibindo seu corpo ou parte dele à curiosidade pública;

- ofender a intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem, constrangendo o preso a participar de ato de divulgação de informações aos meios de comunicação social, com fotografias ou filmagens;

- submeter o preso ao uso de algemas quando ele não oferecer resistência;

- executar mandado de busca e apreensão de forma vexatória para o investigado;

- promover interceptação telefônica fora dos critérios e prazos estabelecidos nos mandados judiciais;

- dar publicidade a conteúdos interceptados antes da instauração da ação penal;

- dar início ou proceder à persecução penal sem justa causa fundamentada;

- deixar de determinar a instauração de procedimento investigatório para apurar a prática de crimes.

Fonte: projeto de lei 280/2016, em trâmite no Senado.

Enquanto Moro falava no Senado, o procurador Deltan Dallagnol participou de uma manifestação de juízes de procuradores em frente à Justiça Federal de Curitiba. Eles protestavam contra a previsão de crimes de responsabilidade para investigadores e magistrados. Dallagnol não falou com a imprensa no ato.

A segunda missão de Moro no Congresso foi criticar a aprovação do pacote anticorrupção pela Câmara, que desfigurou o projeto inicial proposto pelo Ministério Público Federal (MPF). O juiz aproveitou a audiência no Senado para elogiar o relator da Comissão Especial, deputado federal Onyx Lorenzoni (DEM-RS). Segundo Moro, o parlamentar foi “atacado” por tentar aprovar o relatório negociado com o MPF.

Nesta semana, os 11 procuradores que integram a força-tarefa ameaçaram abandonar a investigação caso o Congresso insista em aprovar as modificações feitas em cima da hora no projeto de medidas anticorrupção. A afirmação, que pode ter sido um blefe para garantir a aprovação do relatório original, pode trazer consequências graves para o andamento da Lava Jato.

Lava Jato na corda bamba

De três cenários possíveis, dois inevitavelmente vão trazer prejuízos para a operação. “De três opções, em duas há possibilidade da Lava Jato sair prejudicada”, analisa o professor de Administração Pública do Fecap João Paulo Vergueiro. Caso o Senado insista em aprovar o pacote como saiu da Câmara, os procuradores terão pela frente duas opções: deixar o caso ou continuar com as investigações como se nada tivesse acontecido. “Ou eles vão ter que assumir o blefe ou vão perder credibilidade”, explica Vergueiro.

A terceira saída - a única verdadeiramente benéfica para a Lava Jato - seria o Senado dar o braço a torcer e rever o pacote aprovado pelos deputados federais. Para isso, a pressão popular pode ter um importante papel a desempenhar.

Para o professor de direito da PUCPR Cristian Tenório, a atitude dos procuradores foi um chamado à opinião pública. “No final das contas eles [procuradores] falaram aquilo menos para o Congresso e muito mais para a população. Ninguém é bobo nesse jogo. Dia 4 de dezembro estão marcados uma série de protestos. E claro que eles jogaram com isso”, analisa Tenório.

Atraso nas investigações

Caso realmente desejem deixar a investigação, os procuradores podem dissolver a força-tarefa criada para a Lava Jato no MPF. “Eles podem não encerrar as investigações, mas como força-tarefa dissolvê-las”, explica Tenório. Segundo ele, no regimento interno do MPF não há nada que trate desse tipo de abandono de investigação.

Caso isso ocorra, a Lava Jato pode sofrer um duro golpe. Isso porque quem assumir o caso vai demorar para tomar pé das investigações e dar sequência ao que ficar para trás. “Até que uma equipe nova seja designada, a partir dessa designação tome controle e comece a se familiarizar, você teria tempo suficiente do Legislativo tomar algumas medidas que blindariam os envolvidos ou possíveis envolvidos”, alerta Tenório.

“Você ter novos procuradores avaliando todo o processo para avaliar se vai apresentar denúncia, estamos falando em uns dois anos de atraso”, reforça Vergueiro. O atraso, inclusive, pode acarretar em mais impunidade. “Em alguns casos pode até ocasionar a prescrição de crimes”, explica.

Apesar de a Polícia Federal (PF), responsável por iniciar as investigações, continuar o trabalho normalmente, a saída dos procuradores da força-tarefa pode prejudicar o bom andamento do trabalho. “Nesses anos de investigação e trabalho conjunto, eles criaram uma sinergia entre as duas organizações que são ligadas às pessoas que estão lá”, diz Vergueiro.

Troca de equipe já atrasou investigação do Ministério do Planejamento em um ano

Para se ter uma ideia de como a troca da força-tarefa poderia impactar na Lava Jato, é possível analisar um caso em que isso já ocorreu. Quando a Lava Jato foi desmembrada por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), parte das investigações foi para São Paulo, por envolver uma empresa do estado que firmou contratos duvidosos no âmbito do Ministério do Planejamento.

O material colhido na Operação Pixuleco II foi remetido ao MPF de São Paulo, que em conjunto com a Polícia Federal do estado, só conseguiu deflagrar uma operação envolvendo o caso um ano depois. Na ocasião, em junho deste ano, a PF prendeu o ex-ministro do Planejamento, o paranaense Paulo Bernardo. Até agora o caso não virou denúncia.

O que fica para trás

Além das investigações que podem ter origem na delação premiada de executivos da Odebrecht, outras frentes de trabalho da atual equipe do MPF também correm risco de ficar para trás – dentre as quais a do setor de Comunicação da Petrobras e de empresas ligadas à estatal, como a BR Distribuidora e a Transpetro.

O MPF também trabalha ainda na responsabilização dos partidos políticos envolvidos no esquema de corrupção e no oferecimento de denúncias de improbidade administrativa contra os políticos – com e sem mandato – investigados.

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