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 | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Apesar de a corrupção ser sistêmica e estrutural, o Brasil mostrou ser capaz de levar adiante uma investigação de forma profissional e eficiente.

Em sua primeira visita ao Brasil, o presidente da ONG Transparência Internacional, o peruano José Carlos Ugaz, fez questão de “bater cartão” em Curitiba e se encontrar com o juiz federal Sergio Moro e procuradores da força-tarefa da Lava Jato. O objetivo da viagem, que vai continuar por Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, é propor uma estrutura de combate à corrupção no país e debater a “internacionalização” da operação. “É um caso que transcende as fronteiras do Brasil”, destacou. Em entrevista à Gazeta do Povo, ele destaca a importância do desenvolvimento de ferramentas de transparência e fiscalização pelos países. “A transparência é requisito fundamental para se ter acesso a informações, para se tomar decisões adequadas, e para se evitar casos de corrupção”, disse ele, que é professor de Direito Penal e foi procurador do caso que levou o ex-presidente peruano Alberto Fujimori à prisão pela morte de 25 pessoas e diversos sequestros.

Há semelhança entre os casos de corrupção no Brasil e no restante da América Latina. E o combate à corrupção é similar entre os países?

Creio que estamos passando por um momento muito importante e interessante na região, porque há esforços anticorrupção que estão tomando corpo, mas os modelos são diferentes. O modelo que representa o caso brasileiro é muito distinto do que o que se está aplicando na Guatemala, onde foi necessário formar uma comissão internacional, proposta pelas Nações Unidas, com uma equipe de investigadores estrangeiros. Perceberam que não era possível romper com a impunidade tradicional na Guatemala e fazer avançar as investigações de grandes casos de corrupção somente no país, visto que o presidente e a vice-presidente estão envolvidos. Esse é um modelo extremo, em que há uma intervenção externa para se tentar romper a tradicional impunidade no país. O caso brasileiro é distinto porque, com os próprios recursos nacionais e profissionais, foi possível começar um processo anticorrupção que há poucos anos não se imaginava efetivar dessa maneira, levando em consideração que muitos dos atores principais desse caso são pessoas com uma quantidade de poder econômico e/ou político muito significativos. Isso demonstra que, apesar de a corrupção ser sistêmica e estrutural, há nas instituições uma reserva moral e uma capacidade profissional que as torna capazes de levantar isso e levar adiante uma investigação de forma profissional e eficiente.

O intercâmbio internacional de dinheiro é uma dificuldade do combate à corrupção?

Para se ter um trabalho eficaz de investigação da corrupção, uma das regras principais é seguir o dinheiro. Efetivamente, saber o que passou, como passou, e onde são produzidas as consequências do delito, é uma estratégia clara no combate à corrupção. Mas isso nem sempre é fácil, porque o dinheiro não se queima e as lavagens de dinheiro são cada vez mais sofisticadas. Acabamos de ver o que ocorreu com as informações do Panama Papers. Empresas offshores em paraísos financeiros evidentemente dificultam esse tipo de investigação. Por isso estamos há dois anos em uma campanha para que se estabeleça um registro global de quem são os beneficiários últimos dessas empresas “opacas”, de tal forma que se possa evitar que sejam utilizadas para evadir impostos, cometer fraudes, subornar, ou para outras práticas ilegais.

A proposta é de internacionalização da operação Lava Jato. Como se daria isso?

É um caso que transcende as fronteiras do Brasil. Estamos fazendo uma primeira averiguação entre os escritórios da Transparência Internacionais nos países da região e há conexões com o caso Lava Jato em pelo menos sete países, onde as construtoras brasileiras estão trabalhando. Então, há vários níveis em que a internacionalização pode se dar. Um deles já está funcionando, que é o intercâmbio de informações e a assistência legal mútua. Nesse caso, o Brasil pode ser um ator passivo, quando lhe pedem o compartilhamento de informações, ou pode ser um agente ativo, quando pede informações a outros países como Suíça, Estados Unidos e outros. Outro nível pode ser o de investigação conjunta, sobre o qual, apesar de não haver antecedentes, há possibilidades de concretização, porque a maioria dos países vinculados a esse caso são subescritores da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção. Outro nível de internacionalização da operação é para se aprender as lições que vêm do caso, com eventos em torno da Lava Jato. Por último, nós, da Transparência Internacional, estamos implementando no país um centro de acumulação e processamento de informações para produzir as lições que se desprendam deste e de outros casos de corrupção e que possam ser compartilhadas com outros países.

O que o senhor acha das propostas de lei anticorrupção que criaram força com a Lava Jato?

Conheço os projetos vinculados às Dez Medidas Contra a Corrupção. Parece-me que é urgente que o Congresso brasileiro atenda a esses pedidos, já que os que os estão pleiteando são procuradores especializados e, se eles estão pedindo, evidentemente é porque estão encontrando esse vazio que impede um trabalho mais eficaz. Há dificuldades que legalizam a impunidade, como, por exemplo, não haver um delito de enriquecimento ilícito, como há em todos os países ao redor do Brasil, ou que não haja um sistema de proteção a informantes ou que as penas sejam muito baixas e aplicadas a poucos. Parece-me que corresponde ao Congresso não adiar isso mais do que já foi adiado. Pelo que entendi, já houve bastante tempo perdido, porque as medidas começaram a circular há um ano e meio.

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