Opinião
O problema dos suplentes
A suplência dos senadores brasileiros é um tema que desperta indignação entre os eleitores, cronistas políticos e entidades da sociedade civil que monitoram as atividades políticas e parlamentares. A crítica aponta para o fato de que os suplentes dos senadores titulares não conquistaram nenhum voto dos eleitores, porque não aparecem nas campanhas perante o eleitor e são via de regra figuras praticamente ocultas nas candidaturas como um todo.
Para que situar o assunto em um quadro mais amplo, convém discuti-lo no contexto dos pressupostos da democracia representativa. As democracias modernas funcionam com base no casamento entre voto popular e a representação isto é, a delegação das preferências dos cidadãos aos representantes eleitos. Essa simbiose entre voto popular e representação é uma resposta institucional precária e imperfeita para produzir ao mesmo tempo: eficiência governamental e legitimidade política.
O primeiro item quer dizer: os políticos eleitos precisam tomar decisões, solucionar impasses, escolher entre alternativas e decidir problemas coletivos de interesse da comunidade. Espera-se que os governantes tomem decisões e produzam políticas públicas.
O segundo almeja que os mandatos dos políticos carreguem em alguma medida as aspirações, anseios ou preferências dos seus eleitores. Que tenha certo conteúdo popular, da base da sociedade. Espera-se que os políticos decidam, mas que o façam perante os "constituintes" do seu mandato aqueles que o elegeram.
Para que essa simbiose se complete, é preciso que haja clareza quanto ao quê se decide e quem é o responsável. Se a política se reveste de extrema complexidade e um alto grau de especialização dos assuntos, é de se esperar que o elemento de menor controle por parte do eleitor é aquele que diz respeito ao conteúdo das decisões o quê se decide. Um controle mais estreito deveria se dar sobre aquele que decide o mandatário.
O atual mecanismo da suplência do Senado brasileiro afeta, assim, o elemento da legitimidade política ao entregar o cargo a indivíduos desconhecidos que o eleitor efetivamente não escolheu. Por mais que a ciência política brasileira tenha descoberto que os suplentes se comportam de forma muito parecida com os titulares (mantendo as mesmas posições em plenário), a base da representação está prejudicada. O conteúdo da decisão o quê parece não se alterar, mas o eleitor se sente traído ao ver que a cadeira é ocupada por um indivíduo que não recebeu votos e que, portanto, não tem a quem prestar contas.
O terceiro item a responsabilização das autoridades conclui afirmando que se os dois anteriores não são atendidos, o eleitor pode retirar seu apoio na eleição seguinte, escolhendo outro candidato.
Luiz Domingos Costa, cientista político e professor do Grupo Educacional Uninter
Figuras de pouco destaque no quadro político nacional, os suplentes de senador ganharam os holofotes nos últimos dias. A senadora paranaense Gleisi Hoffmann (PT) assumiu a chefia da Casa Civil e deixou sua cadeira no Senado para o desconhecido advogado Sérgio Souza (PMDB). Sem ter tido um único voto, ele toma posse hoje, no plenário do Senado, às 14 horas, num dos mais altos cargos da República.
Para o cientista político Luiz Domingos Costa, da Uninter, a presença dos senadores-suplentes pouco ou nada altera o cenário político, já que eles tendem a reproduzir as posições dos titulares, a quem são ligados politicamente. No entanto, há uma problema de legitimidade da representação, já que eles não tiveram votos durante a eleição. "O eleitor não quer apenas que um político tome decisões, quer também alguém que o represente de alguma forma", explica Costa.
De acordo com o cientista político, a situação é bem diferente da dos vices dos cargos do Executivo que, em tese, tem a mesma função única de substituir o titular. Na maioria das campanhas eleitorais, os vices ganham alguma atenção da mídia, são chamados para debates e acompanham os titulares no palanque. Enquanto isso, os suplentes de senador raramente aparecem. Geralmente, são pessoas com importância nos bastidores das eleições, mas com pouca experiência eleitoral.
Prova disso são os suplentes dos senadores paranaenses. Os primeiros-suplentes de Roberto Requião (PMDB) e Alvaro Dias (PSDB) são, respectivamente, os empresários Chico Simeão, da BS Colway, e Wilson Matos, do centro universitário Cesumar. Ambos ajudaram no financiamento das campanhas: de acordo com dados da Justiça Eleitoral, Simeão contribuiu com 28% de toda a verba de campanha de Requião: um total de R$ 857 mil. Já Matos foi mais modesto, e contribuiu com R$ 50 mil da campanha de Alvaro. No entanto, nenhum dos dois jamais teve um cargo eletivo antes da suplência a senador.
Atualmente, a comissão do Senado para Reforma Política aprovou uma proposta de reduzir de dois para um o número de suplentes de senadores. Além disso, eles serviriam apenas para ocupar a vaga do titular em caso de afastamento temporário. Em caso de renúncia ou morte, seriam realizadas novas eleições.
Para o cientista político Luiz Domingos Costa, é uma mudança insuficiente, já que a figura do "senador sem votos" continua existindo. Ele diz que o ideal seria que o candidato não eleito mais votado assumisse a vaga, como ocorre com os deputados. Outra possibilidade seria a vacância do assento. Isso tenderia a valorizar mais a figura do senador, já que desencorajaria a renúncia para que assumam outros cargos.
Já para o cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília, o sistema de suplentes é necessário para manter a representação estadual equilibrada na Congresso. "O Senado é a Casa que representa os estados, e por isso funciona de forma diferente. Sem a existência de suplentes, os estados poderiam ficar sub-representados", comenta. No entanto, o cientista político acredita que a proposta da Comissão de Reforma Política é negativa, por indicar a realização de novas eleições em caso de renúncia ou morte o que, de acordo com ele, seria custoso para o estado e trabalhoso para o eleitor.
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