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Carlos Lima:  lógica da divisão de cargos e modelo de foro privilegiado são ruins para o país. | Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
Carlos Lima: lógica da divisão de cargos e modelo de foro privilegiado são ruins para o país.| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

O procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, integrante da força-tarefa da Operação Lava Jato, disse esperar que a operação siga com independência para atuar e deixou um recado implícito para eventual governo do peemedebista Michel Temer, caso Dilma Rousseff seja afastada em um processo de impeachment. “Aqui temos um ponto positivo que os governos investigados do PT têm a seu favor. Boa parte da independência atual do Ministério Público, da capacidade técnica da Polícia Federal decorre de uma não intervenção do poder político, fato que tem que ser reconhecido. Os governos anteriores realmente mantinham o controle das instituições, mas esperamos que isso esteja superado”, disse em um recado velado a governantes em um eventual cenário pós-Dilma. O vice-presidente Michel Temer, que pode assumir a Presidência no caso de impeachment de Dilma Rousseff, é citado em investigações da Lava Jato

Lima proferiu palestra na Câmara Americana de Comércio Brasil-Estados Unidos, Amcham, em São Paulo, onde falou a empresários e pessoas ligadas a área de compliance (controle interno das empresas). Além de falar sobre as interferências nas investigações, Lima também defendeu a divulgação dos grampos de Lula, criticou o acordo que a Odebrecht quer fechar com a Justiça, afirmou que a divisão de cargos públicos é um dos motivos da corrupção, condenou o clima de beligerância política no país e reclamou do foro privilegiado.

Instituições livres

“Em um país com instituições sólidas, a troca de governo não significa absolutamente nada. Quero crer que nenhum governo no Brasil signifique alterações de rumo no Ministério Público, no Judiciário, na Polícia Federal. Deveria ser assim”, afirmou ao ser questionado sobre a possibilidade de Temer assumir a Presidência. “Queremos simplesmente que as instituições continuem livres para continuar a fazer o que a lei exige delas”, prosseguiu.

Moro dá a entender que revelou áudios de Lula por medo de intimidação

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Após a palestra, ele reforçou a questão em entrevista. “Nós temos riscos de obstaculização da operação quase que diariamente, as interceptações telefônicas mostram isso. Colaboradores mostram isso. Agora, creio que as pessoas perceberam que o risco de tentar obstruir a Lava Jato é muito grande”, disse em referência aos grampos envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Em uma das interceptações, por exemplo, o prefeito de São Bernardo do Campo (SP), Luiz Marinho, aliado próximo de Lula, discute com o advogado do ex-presidente a informação que teria recebido sobre deflagração de fase da Lava Jato no dia seguinte. “Não tentem fazer isso novamente”, disse em tom de alerta.

Procurado, o Instituto Fernando Henrique Cardoso não havia comentado até às 11h30 desta quarta-feira as declarações feitas pelo procurador.

Defesa de Moro

O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima também defendeu o juiz Sergio Moro, que vem sendo criticado por ter levantado o sigilo de diálogos do ex-presidente Lula captados no âmbito das investigações da Lava Jato. “Moro está pagando um preço por levantar o sigilo tão logo seja desnecessário que se mantenha o sigilo. A publicidade é necessária em uma democracia e para as pessoas saberem o que está acontecendo”, disse.

A defesa ocorre um dia depois do juiz enviar uma carta ao Supremo Tribunal Federal dizendo que a divulgação dos diálogos – inclusive o telefonema com a presidente Dilma Rousseff – não teve motivação político-partidária nem tinha o objetivo de criar polêmicas ou conflitos.

Para Santos Lima, em “questões públicas, a publicidade deve ser a regra”. “Todas nossas decisões têm efeito político, mas elas não são políticas. É preferível a publicidade dos atos do que o sigilo. Ele só deve existir em casos extremos, em questões de família e questões privadas e particulares.”

Ao ser perguntado sobre um convidado da Amcham se considerava a divulgação das escutas um risco à Lava Jato, Santos Lima disse acreditar que não. “É bom deixar claro que Moro tomou essa decisão a nosso pedido. Que a seleção dos áudios foi feita pela PF. Temos que dividir essa responsabilidade sobre este fato. Ele não é o único responsável. Se há alguma coisa errada, nós também fizemos. Mas não acho que é o caso. Continuo achando que era a medida correta para aquele momento. Abertura de sigilo tem sido a regra da Lava Jato.”

Críticas a acordo com Odebrecht

O procurador também criticou a possibilidade de a empreiteira Odebrecht firmar acordo de leniência. Na visão de Lima, um acerto nesse sentido serviria para “salvar o patrimônio da família que controla essa empresa”. “Os empregos vão e vêm. Nesse caso, nós estamos falando em salvar o patrimônio dessas famílias”, afirmou, após citar o caso da “empresa que tinha planilhas de propina”. A fase mais recente da Lava Jato revelou que a Odebrecht mantinha uma diretoria especifica para tratar de propina. Pouco depois, foram incluídos nos processos da operação planilhas com informações de pagamentos da empresa a políticos.

Divisão de cargos e corrupção

Santos Lima disse ainda que, no modelo da “democracia de coalização”, a distribuição de cargos visa não apenas a “busca de poder”, mas também a corrupção. “Nosso sistema de coalização exige a distribuição de cargos em busca de poder e também é conscientemente dirigida à corrupção. A Lava Jato mostra a corrupção como forma de sustentação de governo”, afirmou o procurador.

Embora tenha lembrado que a saída do PMDB da atual base do governo federal represente, agora, a redivisão de aproximadamente 2 mil cargos públicos que estavam sob o controle do partido, Santos Lima evitou associar o problema apenas ao atual governo. “Vejam, eu votei em Brizola, Lula, Fernando Henrique. A questão não são os nomes. A questão é que o sistema é por natureza corruptor, criminógeno, isto é, provoca crimes.”

Mortadelas x Coxinhas

O procurador criticou o atual “ambiente de intolerância social” vivido em meio às investigações e à crise econômica e política do país. Embora afirme não estar disposto a “xingar alguém de mortadela ou de coxinha”, disse ser necessário atenção ao que foi até aqui apurado durante as investigações, apesar das divergências de opinião. “Muita gente que está triste pela falência de um projeto que até tem o seu valor, é abstratamente bonito, pela questão da inclusão [social]. Entretanto, junto com ele veio um projeto de poder e um projeto de corrupção. As pessoas se apegam ao sonho naufragado e se esquecem que existem outras opções para a frente. O que não podemos é permitir que este projeto se baseie na corrupção. Só isso.”

Foro privilegiado

O procurador também criticou o foro privilegiado no Brasil, que faz com determinadas autoridades só possam ser alvo de ação em tribunais superiores. “No Brasil temos uma República de desiguais, que cria facilitadores para a corrupção. Eu só posso ser acusado e julgado no Superior Tribunal de Justiça. Temos no Brasil 22 mil pessoas com foro privilegiado”, disse.

Ele afirma que, como o STF não é uma corte criminal, há risco de prescrição dos processos contra políticos investigados na Lava Jato. “[O foro] não é por si só criminógeno, mas é facilitador da impunidade. Imagine se uma dessas listas com cento e tantos políticos for julgada pelo STF. Certamente haverá a prescrição. O Supremo não é uma corte que saiba julgar processo penal, é uma corte constitucional”, disse. “Tudo lá [no STF] é ritualístico, é demorado. Não estou desmerecendo o Supremo, estou criticando a maneira que escolhemos para julgar a classe política.”

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