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Pondé: “No que eu menos acredito é no Estado”. | Divulgação
Pondé: “No que eu menos acredito é no Estado”.| Foto: Divulgação

O escritor e filósofo Luiz Felipe Pondé profere nesta segunda-feira (5), às 19h30, no Graciosa Country Club, em Curitiba, a palestra “A Tensão da Democracia”. Destinado a sócios e convidados, o evento integra o Projeto Pensando o Brasil, idealizado pela diretoria cultural do clube, realizado em parceria com a Unibrasil a B’nai B’rith e apoiado pela Editora Leya com o propósito de discutir aspectos do cenário político, social, econômico e cultural do Brasil. Pondé, que escreve quinzenalmente na Gazeta do Povo, aproveitará a ocasião para lançar no Paraná o Guia Politicamente Incorreto do Sexo. Em entrevista concedida por telefone ao jornal, o filósofo antecipou algumas de suas visões sobre a democracia.

No Guia Politicamente Incorreto da Filosofia você aponta a tensão entre liberdade e igualdade como a mais presente na democracia. Na vida pública brasileira hoje de que lado está o pêndulo?

A igualdade no discurso do PT virou um recurso para instaurar um sistema de corrupção supostamente justificado pela melhoria da qualidade de vida dos pobres, uma arma retórica para produzir a dependência de um governo que quebrou. A liberdade de expressão é oficialmente defendida, mas o PT deu inúmeras demonstrações de que gostaria de fazer do Brasil uma Venezuela. Quanto à liberdade de empreender, a situação do Brasil é lastimável, mas não por culpa do PT. O PT só piorou. Temos uma fé completamente equivocada no Estado e um olhar muito ruim para o mercado, quando na verdade quem enriquece a sociedade é o mercado; não o Estado. A grande novidade é o surgimento de uma direita liberal, jovem, de cara limpa, a favor de uma sociedade leve, menos regrada, que defende posições liberais como o Estado dentro da lei, liberdade e iniciativa privada. É a única novidade. A esquerda não tem nada de novo.

Então, a igualdade pesa mais...

O governo Lula distribuiu Bolsa-Família, o que melhorou o consumo, mas se revelou um programa assistencialista sem nenhuma contrapartida. A igualdade tem sido apenas um instrumento retórico do PT.

E a tensão entre a moral clássica e a moral pós-moderna? Também tem efeitos sobre a democracia?

A ideia de virtudes clássicas continua sendo importante. No trabalho e na família você percebe quem é corajoso ou covarde; quem é ressentido ou generoso. Mas não há dúvida de que a globalização tende a pasteurizar as virtudes surgidas em sociedades guerreiras, com grande peso da tradição. Esse certo niilismo moderno é visível, as pessoas estão recusando valores que dificultam suas vidas. No mundo contemporâneo, à exceção de alguns microcosmos, coragem, por exemplo, custa caro. As pessoas pensam: prefiro ganhar mais e ser covarde. Esse niilismo suave, não confesso, se manifesta na dissolução da unidade familiar, no narcisismo, na recusa das pessoas a terem filhos, porque filho custa caro e ter cachorro é mais fácil. No plano político, esse niilismo suave, que não é a versão pauleira do século 19, se traduz na tendência de que a democracia seja o regime do lobby. Não falo do lobismo no sentido econômico, mas como bandeira. A democracia tende a ficar aparelhada por grupos e as pessoas esperam que esses grupos respondam a necessidades muito restritas.

Você costuma mencionar a tagarelice como marca da democracia. Que elementos nos faltam para passarmos da palavra à ação, à participação real?

A tagarelice aumenta nas crises, quando as pessoas discutem muito as coisas. Todo mundo acha que entende de todos os assuntos. Isso só se torna positivo quando as pessoas têm repertório para se identificar com determinadas visões de mundo. O Brasil hoje vive um momento positivo, de conflito ideológico. Um bloco permanece ligado à ideia de que quem pode proporcionar mais qualidade de vida é o Estado. Mas, há outro que começa a questionar a hegemonia de Estado, que no Brasil sempre foi total.

Abre-se espaço para a visão associativista?

Tocqueville vê isso como valor na democracia americana, mas o associativismo só existe quando se tem, de fato, a federalização. O Brasil é uma federação falsa. Na verdadeira, as associações são corpos intermediários entre o indivíduo e as forças institucionais, algo que proporciona o ganho idealizado por Montesquieu, que é o poder limitado. O ideal é uma sociedade em que o indivíduo possa tudo, menos o que a lei proíbe, e um Estado que não possa nada, exceto o que a lei permite. É o contrário do que ocorre na América Latina onde, infelizmente, se continua achando que é o Estado que garante a sobrevivência. Eu disse recentemente no Fórum da Liberdade e Democracia, em Belo Horizonte, que temos de dar mais atenção à formação política no ensino médio e na universidade. Hoje a formação é estatista, demoniza a atividade econômica e a liberdade de empreender. No Brasil se acha que liberalismo é um sistema a favor do grande capital. Na realidade, o liberalismo é focado na camada média, em pessoas produtivas que começam pequenos negócios.

Você diria, então, que no Brasil o pensamento de Gramsci prevaleceu?

Isso mesmo. O Brasil é um terreno baldio cujo proprietário é o Gramsci. Mas eu, que transito na universidade, vejo que começa a acontecer esse algo novo de que falei entre os estudantes.

“O niilismo suave se manifesta no narcisismo, na recusa das pessoas a terem filhos, porque filho custa caro e ter cachorro é mais fácil.”

Você usa a expressão “jantares inteligentes”, para designar grupos que se reúnem para trocar reforços positivos sobre suas causas. As mídias sociais são uma versão ampliada dos jantares inteligentes?

Lembro da moçada que durante um tempo assinava guarani kaiowá junto do nome. Escrevei até uma coluna com o título “Guarani kaiowá de butique” e deu muita confusão. Mas as mídias sociais vieram para ficar, a gente ainda não sabe direito o que significam porque os primeiros estudos estão aparecendo agora. Seguramente, têm algo de jantar inteligente, daqueles grupinhos que se reúnem ao redor da defesa da chinchila.

O filósofo Michael Sandel tem dito, citando Rousseau, que a democracia está mais frágil porque o dinheiro tomou o lugar do civismo. Você concorda?

Tenho impressão que daqui a mil anos vão olhar nossa paixão pela democracia como se olha a paixão dos egípcios pelos faraós. A democracia é o melhor regime que a gente conhece, mas é sustentada pelo indivíduo consumidor, o cara que espera que o Estado o sirva como se fosse uma loja de sapato. Acho que a democracia nunca existiu como uma coisa cívica de fato. Rousseau era um delirante, que acreditava na vontade geral de uma assembleia, o que só acontece em centro acadêmico de ciências sociais. A democracia americana só funcionou, segundo o próprio Tocqueville, pelo substrato que dava uma coesão moral ao povo, que o calvinismo. E, mais tarde, o metodismo. Ambos com a mentalidade baseada na iniciativa privada e na autonomia.

“No Brasil a gente só aceita que se acredite em Jesus se Jesus for mais ou menos como Che Guevara.”

E no Brasil?

Estamos passando por uma revolução evangélica e pouca gente está atenta – até porque a intelligentsia morre de medo disso. Agora é que a onda protestante está chegando aqui, com uma moral mais rígida e uma mentalidade econômica extremamente produtiva. Um sinal disso é a ascensão social. Dou aula numa universidade paulistana de classe alta e os protestantes já começam a aparecer. Há também a pressão deles na esfera parlamentar. Com todos os problemas que se possa ver nisso, o fato é que o Parlamento fica mais autônomo. O crescimento evangélico pode ser visto também no Censo e na preocupação da mídia. A Globo começa a prestar atenção nesse público.

E como você vê a reação a essa onda?

Evangélicos são um pesadelo para os meninos e meninas formados em universidades de classe média que achavam que de fato Gramsci tinha vencido a batalha. Agora os jovens profissionais têm de prestar atenção nesse universo. E ele não é monolítico. Há uma multiplicidade no protestantismo – desde confissões que aceitam os gays até aquelas que os demonizam. O que todos têm em comum é essa atividade empreendedora, uma espécie de liberalismo popular que pode virar o país de cabeça para baixo. Achamos a religião legal se ela concordar com a agenda progressista. No Brasil a gente só aceita que se acredite em Jesus se Jesus for mais ou menos como Che Guevara.

Como você vê o fim do financiamento de campanha por empresas privadas?

Não sou a favor de cerceamento de campanha, muito menos se o controle estiver na mão do Estado. No que eu menos acredito na vida é no Estado. Eu sou capaz de acreditar em Papai Noel, mas não no Estado. Então, não sou a favor da proibição do financiamento de campanha por empresas. Poderia existir um teto de gasto, como em países da Europa. O que deveria acabar é o horário eleitoral gratuito na mídia.

“O Brasil é um terreno baldio cujo proprietário é o Gramsci.”

Você já fez duras críticas à tendência de adesão a causas da moda. Há alguma em particular cuja militância o incomoda mais? Por quê?

Ah, a causa pobrista. A primeira vez que li essa expressão foi no Clarín, na Argentina: el pobrismo. Aqui não se ouve muito. É essa coisa de pregar que é legal ser pobre. Não tenho dúvida de que há problemas decorrentes do capitalismo, mas essa militância do pobrismo nos faz cegos ao fato de que pobreza sempre foi a regra geral. A novidade no mundo é a riqueza. A economia começou a crescer no final do século 18. Hoje, tudo o que se faz se deve a essa riqueza. Tudo o que a moçada da esquerda fala se deve à grana que o capitalismo produziu. Se não, estávamos todos comendo areia na mão do Estado Islâmico.

Diante do mundo atual, dá para seguir seu 11.º mandamento, que é ter esperança no mundo?

Esse 11.º mandamento -- do livro Os dez mandamentos (+ um) -- é um pedido desesperado de esperança. Sou um pessimista feliz. Não sou deprimido no dia-a-dia, mas tenho uma visão bastante sombria. Para mim, ter esperança é muito difícil. Se tivesse a chance de falar com Deus, pediria a Ele para ter esperança.

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