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Emerson Prado disse ter tomado conhecimento de irregularidade pela imprensa | Antonio Costa/Gazeta do Povo
Emerson Prado disse ter tomado conhecimento de irregularidade pela imprensa| Foto: Antonio Costa/Gazeta do Povo
  • Algaci Tulio não respondeu à enquete, mas antes havia admitido a distribuição de verba

Pelo menos um terço dos vereadores de Curitiba sabia de alguns dos problemas da Câmara Municipal apontados pela série de reportagens "Negócio Fechado", da RPCTV e da Gazeta do Povo. As matérias, divulgadas desde o mês passado, mostraram que o dinheiro de publicidade do Legislativo era usado irregularmente, com beneficiamento da "bancada dos radialistas" e uso da verba para fins ilícitos.

Dos 38 vereadores, 13 afirmaram em uma enquete realizada durante a semana passada pela Gazeta do Povo que estavam cientes ou do repasse aos comunicadores ou de que alguns integrantes da Casa eram beneficiados pela verba de publicidade. Foram ouvidos 29 parlamentares entre os dias 30 de abril e 3 de maio.

De acordo com o vereador Zé Maria (PPS), todos os membros da casa sabiam dos desvios realizados nas contratações. Nely Almeida (PSDB) reforça a afirmação. "Os radialistas e publicitários eram baralho marcado", enfatiza. Já a vereadora Professora Josete (PT) disse que, embora não tivesse provas concretas que comprovassem o envolvimento de servidores nas contas de publicidade do Legislativo, imaginava que o fato acontecesse.

Não sabiam

Outros entrevistados responderam desconhecer irregularidades. O vereador Jair Cézar (PSDB) se justificou alegando que os assuntos referentes às licitações estão restritos à Mesa Executiva. "A ordem administrativa fica à margem do dia a dia do vereador", afirma. Já o vereador Serginho do Posto declarou que sabia apenas da existência de uma verba de publicidade, mas não sabia como ela era distribuída.

A reportagem da Gazeta do Povo questionou, também, se os vereadores ou seus funcionários tinham recebido essa verba. Apenas vereadores que já haviam sido denunciados na série "Negócio Fechado" – Emerson Prado (PSDB), Francisco Garcez (PSDB) e Roberto Hinça (PSD) – confirmaram algumas dessas situações.

Garcez confirmou que a Folha do Boqueirão, de que é proprietário, recebeu R$ 31,5 mil da Câmara quando já era vereador. Ele diz, entretanto, que não dirigia a empresa na época. Hinça também confirmou que um funcionário seu, Laércio Men, recebia essas verbas. Prado confirmou que seu ex-funcionário Gilson Donato Coraiolla estava envolvido nos repasses irregulares, mas disse que não sabia do fato até a exposição do caso pela imprensa.

Os vereadores Tito Zeglin (PDT), Tico Kuzma (PSB), Sabino Picolo (DEM), Paulo Frote (PSDB) e Beto Moraes (PSDB) não foram encontrados pela reportagem durante os dias de pesquisa. Algaci Tulio (PMDB), João Cláudio Derosso (PSDB), João Luiz Cordeiro (PSDB) e Julião Sobota (PSC) não quiseram responder à enquete.

Corporativismo

Para o coordenador da ONG Contas Abertas, Gil Castelo Branco, essa situação é uma demonstração de corporativismo entre os vereadores. "Se tinham conhecimento dessas irregularidades, eles não poderiam ter se omitido", afirma. "Um dos maiores problemas, tanto do Legislativo quanto dos outros dois Poderes, é o corporativismo, que está sendo levado a um extremo que prejudica os interesses coletivos."

Especialistas criticam falta de denúncias

Para cientistas políticos, os vereadores de Curitiba não podiam ter silenciado sobre os problemas na Câmara, já que agora dizem que sabiam das irregularidades. Os especialistas dizem que a atitude dos parlamentares revela que o corporativismo está institucionalizado na Casa. Além disso, o episódio teria sido um exemplo da pouca noção de realidade do político médio brasileiro, que aceita como normais situações absolutamente irregulares.

Segundo Emerson Cer­­­vi, cientista político da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o esquema de repasse de verbas de publicidade para vereadores já funcionava há bastante tempo na Casa. "Muitos vereadores entraram na Câmara com esse esquema funcionando. Isso se tornou uma prática institucionalizada que foi sendo reproduzida ao longo do tempo", afirma.

Esse processo teria colaborado para o enfraquecimento da instituição. Para Cervi, ao longo da gestão do ex-presidente João Cláudio Derosso (PSDB), os vereadores se distanciaram cada vez mais dos interesses coletivos da sociedade para atender apenas a interesses pessoais. "A Câmara hoje não legisla nem fiscaliza, não responde às demandas coletivas, apenas às individuais", afirma. Por esse raciocínio, não apenas os vereadores envolvidos podem ser culpados pelos desvios da Câmara. A culpa acaba recaindo sobre todos, sem exceção, na interpretação do cientista político.

Desconectados

Já o cientista político Adriano Codato, também da UFPR, pontua que o escândalo é uma demonstração de que o mundo político vive desconectado da realidade do país – no sentido de que parlamentares vivem sob regras e benefícios criados por eles próprios, sem levar em consideração as normas da sociedade a qual deveriam representar.

A falta de mecanismos de controle colabora, na visão de Codato, para que a distância entre o mundo político e o resto da sociedade cresça. "A democracia brasileira tem poucos mecanismos de prestação de contas que realmente funcionam. Nesse sentido, os políticos se comportam como se não devessem explicações a ninguém", afirma. O grande risco, nesse caso, acaba sendo o mau exemplo que o poder público dá à sociedade.

Para políticos, controle seria a solução

Durante a realização da enquete, a reportagem da Gazeta do Povo pediu sugestões aos vereadores sobre como evitar que as irregularidades se repitam. A principal ideia dos vereadores é a de se criar uma comissão interna permanente de controle interno, que tivesse a obrigação de fiscalizar os gastos feitos pela Mesa Executiva. A proposta havia surgido no semestre passado por diversos vereadores, e deve ser incluída na reforma do regimento interno ainda neste ano.

No ano passado, alguns vereadores reclamaram de dificuldades para fiscalizar os gastos da própria Câmara. Para analisar os documentos, os parlamentares tinham que ir até o edifício onde fica a parte administrativa da Câmara. A administração da Casa se recusou a enviar cópias, alegando que se tratava de um volume muito grande de papéis. Em algumas ocasiões, os vereadores tiveram que analisar os documentos sozinhos, já que suas assessorias foram proibidas de entrar na sala. Isso motivou, em parte, essa sugestão.

Entretanto, para o cientista político da UFPR Emerson Cervi, o fato de essa ser a grande sugestão mostra o quanto a Casa está atrasada. "Essa proposta está atrasada 20 anos. A Constituição prevê que todo o poder público é obrigado a prestar contas. A instalação desse mecanismo de controle é uma medida arcaica", afirma.

Para ele, essa legislatura não têm condições de mudar essa situação, já que muitos vereadores fizeram parte do esquema. "É provável que haja uma renovação acima da média. Se isso ocorrer, teremos condições de mudança", afirma Cervi. Ele frisa que são apenas condições, e não certezas.

O cientista político Adria­­no Codato, também da UFPR, afirma que o problema da fiscalização do poder público não é interno, e sim externo. As contas da Câmara são analisadas anualmente pelo Tribunal de Contas do Paraná (TC). Apesar disso, as diversas irregularidades apontadas pela série "Negócio Fechado" passaram em branco nas avaliações do TC.

A extinção da verba para publicidade também foi defendida por vários vereadores, como Julieta Reis (DEM), Aladim Luciano (PV), Paulo Salamuni (PV) e Pedro Paulo (PT). Na quinta-feira, o presidente da Casa, João Luiz Cordeiro (PSDB), cancelou a licitação de um novo contrato.

Colaborou Ana Luiza Prendin

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