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Pasta da Saúde terá um orçamento consideravelmente menor em 2016: alguns programas correm risco. | Henry Milleo/Gazeta do Povo
Pasta da Saúde terá um orçamento consideravelmente menor em 2016: alguns programas correm risco.| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

O uso do Ministério da Saúde como moeda de troca política ameaça programas do Sistema Único de Saúde (SUS) que já enfrentam percalços por conta da crise econômica, dos cortes do ajuste fiscal e da complexidade do próprio SUS. Segundo maior orçamento da Esplanada, menor apenas que o da Previdência, a pasta agora sob o comando do peemedebista Marcelo Castro (PI) também está entre aquelas com mais cargos comissionados – em 2015, é o terceiro ministério com mais cargos DAS, os chamados cargos de confiança. O novo ministro assume com o desafio de ter que administrar em 2016 orçamento com R$ 30 bilhões a menos em relação ao previsto para 2015 - e, ao mesmo tempo, ampliar e universalizar serviços.

Um pouco mais sobre o novo ministro da Saúde

Em seu 5º mandato, o piauense Marcelo Castro começou o ano como relator da Reforma Política. Chegou a fazer 11 viagens pelo Brasil, passando por estados como Maranhão, Paraná, São Paulo e Pernambuco. Ainda assim, perdeu o cargo de relator ao bater de frente com Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Castro se recusou a apoiar o distritão e, à época, o agora ministro disse ser “esdrúxula, inusitada” a decisão de votar direto o texto no Plenário da Câmara, sem que passasse pela comissão. Dias antes de ser substituído, em maio, foi para Paris. Esteve na cidade entre 14 e 19 de junho para participar do 1º Salão Internacional da Aeronáutica e do Espaço.

Nascido em Raimundo Nonato, no Piauí, Castro se formou em Medicina em 1974 na Universidade Federal do Piauí. Já no Rio, fez mestrado e doutorado em Psiquiatria. Foi professor de Física na Escola Técnica Federal do Piauí por 20 anos, entre 1969 e 1989, estagiou em Salvador, trabalhou em clínicas em Teresina e no Rio, deu aulas na Universidade Federal Fluminense (UFF) e foi médico do extinto Inamps (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social), entre outras funções até o início da década de 1980. Segundo dados de sua biografia, Castro participou, em 1981, de seu último congresso na área de Saúde. Esteve na II Jornada de Psiquiatria do Norte-Nordeste Brasileiro e na I Jornada Paraense de Psiquiatria, em Belém. Dois anos mais tarde, fez o curso de atualização sobre terapêutica psicofarmacológica, em Teresina.

A carreira política começou ao se eleger deputado estadual pelo Piauí. O primeiro mandato foi em 1983, já filiado ao PMDB. De lá para cá, ao longo da vida pública, Castro fez parte também dos quadros do PSDB e do PPR, antes de voltar ao PMDB. E entre 1999 e 2001, já na Câmara, licenciou-se para assumir a Secretaria da Agricultura do Estado do Piauí.

“Não tem expressão. Secretário, coordenador de programa, [não foi] nada disso”, afirma um profissional de Saúde na região Nordeste. - O que conhecemos da atuação política dele é que ele tem servido sempre de tampão; quando precisam de um candidato, está lá. Sempre esteve disponível a alguma coisa.

No ano passado, antes de se decidir por tentar o quinto mandato, Castro foi pré-candidato ao governo do Piauí. Já em janeiro, ele admitia a vontade de concorrer. Cinco meses depois, anunciou a desistência e começou a corrida à Câmara. Eleito, em sua prestação de contas à Justiça Eleitoral, declarou ter patrimônio de R$ 1,36 milhão, entre fazendas, glebas de terra e automóveis. Na eleição 2010, Marcelo Castro havia declaro R$ 629 mil.

Entre os doadores da última campanha, estão uma clínica radiológica e uma construtora, mas a maior parte dos doadores é de pessoas físicas.

Acostumado com a rotina da Câmara, Castro na sexta-feira (2), depois do anúncio feito pela presidente Dilma Rousseff, continuava agindo como deputado. Ao falar sobre a recriação da CPMF, disse ser a favor de uma cobrança dupla. A volta do imposto é uma das medidas do ajuste fiscal, mas sofre resistência tanto de aliados quanto da oposição. Para o novo titular da Saúde, no entanto, a CPMF deveria ser dividida pela União, estados e municípios, sendo 50% para a Previdência e 50% para a Saúde e cobrada nas operaçõe s de débito e de crédito.

Além de falta de expressividade na gestão de saúde, a atuação legislativa do novo titular da Saúde também não impressiona. Entre as 162 proposições de Castro que aparecem no site da Câmara, não há projeto de lei de autoria do parlamentar no setor de Saúde - apenas relatorias, como a de um projeto de lei que “dispõe sobre a obrigatoriedade das farmácias incluírem bula nos medicamentos manipulados”; e alterações em textos de medidas provisórias na área, como em uma que destina “recursos à implantação de melhorias habitacionais para controle da doença de chagas”.

Em relação às emendas, este ano, para beneficiar seu estado, Castro empenhou R$ 35,144 milhões e optou por apoiar desde a “política nacional de desenvolvimento urbano” até a “implantação e modernização de infraestrutura para o esporte educacional”, passando por “apoio a manutenção de unidades de Saúde”. Em 2013, no entanto, aplicou R$ 3,134 milhões em “estrutura da rede de serviços de Atenção Básica”.

Ficando atrás só da Fazenda e da Presidência (que inclui as secretarias com status de ministério), a Saúde tem 1.931 cargos DAS (cargos de confiança), ou 8,4% do total de DAS nos ministérios, aponta levantamento do pesquisador do Ipea Felix Garcia Lopez. O troca-troca de ministro pode levar, segundo especialistas, a mudanças no segundo e terceiro escalões, com nomeações para secretarias-chave – o que, para eles, traz risco de descontinuidade ou andamento em ritmo mais lento de programas que precisam de ampliação, como o Saúde da Família, ou que dependem de articulação com estados e municípios. Segundo a pasta, o Saúde da Família tem cobertura de 63%. O Samu também não está universalizado, tendo cobertura de 76%.

“A cobertura do Saúde da Família, o principal programa de Atenção Básica no país, ainda é de metade da população. A meta do movimento sanitarista é chegar a 80% em quatro anos”, exemplifica o presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Gastão Wagner de Sousa Campos, médico sanitarista e professor titular da Unicamp.

Essencial para gestão mais eficiente do setor, a política de tecnologia do SUS é outra a correr risco, pois ainda está sendo implantada. “ Apesar de 80% das prefeituras já terem aderido ao E-SUS AB (programa para informatização da Atenção Básica), menos da metade dos municípios conta com prontuários eletrônicos já funcionando”, diz o presidente do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde, Mauro Guimarães Junqueira, secretário de Saúde de São Lourenço (MG).

Especialista em Saúde Pública e professor da USP, Mario Scheffer lembra que o SUS não sofre só com o impacto do ajuste fiscal. Perde quando estados e municípios arrecadam menos, já que o sistema é tripartite, já havia sofrido com a Emenda Constitucional 86, que subtraiu recursos, e corre o risco de perder mais se o governo for autorizado a desvincular receitas da União.

“Leitos já vêm sendo fechados, contratos, revistos, o número de atendimentos tem diminuído. Com esse cenário, precisávamos de um ministro com força política e capacidade técnica para fazer muito com menos”, diz Scheffer, para quem a troca de um ministro sanitarista por um “ministro político e sem expressão na área e na compreensão do SUS é quase uma pá de cal”.

Para 2016, o orçamento previsto na Saúde já era menor que o deste ano: R$ 103,27 bi. E, em maio, sofreu corte de R$ 11,7 bi (11,3%), indo a R$ 91,5 bi. “Só para novembro e dezembro, há déficit de R$ 5,8 bi no volume de transferências fundo a fundo (obrigatórias) da União para estados e municípios, porque esse volume previsto para este ano é menor que o executado em 2014. Mas os serviços continuam os mesmos”, afirma Mauro Junqueira.

Também nessa comparação (do volume fundo a fundo), o conselho calcula déficit de R$ 16,8 bi para 2016, pois o volume previsto para ano que vem também é menor que o executado em 2014. “Falta dinheiro só para manter o que já está, imagina para ampliar”, resume Junqueira.

No início da última semana, a Abrasco divulgou “nota de repúdio” contra a dança das cadeiras na Saúde. “Na tentativa de possível conciliação com os setores mais retrógrados da política nacional em troca de uma momentânea ‘governabilidade’, o governo Dilma submete à negociação de alto risco os rumos do direito à Saúde, do SUS. Essa atitude é inaceitável e significa mais uma derrota para o Movimento da Reforma Sanitária e o projeto constitucional para a Saúde”, diz a nota, assinada com o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes).

“Além de subfinanciado, o SUS tem problemas de gestão, como a necessidade de facilitar o acesso às especialidades”, afirma Gastão Campos, da Abrasco: “Desde o Adib Jatene (nos anos 1990), todos os ministros da Saúde têm sido escolhidos com um mínimo de critério técnico, mesmo aqueles que não eram médicos. Permitiram que o SUS chegasse aonde chegou. Essa tradição está sendo quebrada”.

Campos alerta para outro risco: as mudanças em cascata nos cargos de confiança no SUS nos governos estaduais e nas prefeituras. “Cargos de direção, de centros de atenção básica a hospitais de alta complexidade, são de confiança”, diz o professor da Unicamp.

“Vamos observar as mudanças nas secretarias e departamentos. Se tiver troca de comando na de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, é preciso ficar atento se serão incorporados remédios recém-lançados e tem alto custo, e nem sempre são os melhores para o SUS, mas são os que a indústria farmacêutica prefere vender”, diz Leonardo Mattos, do Grupo de Pesquisa de Documentação sobre Empresariamento da Saúde/UFRJ.

Para Mattos, o ministro terá de equilibrar o ajuste e ter cuidado com mecanismos de financiamento. Para Mattos, com o poder de assinar portarias, Castro poderia, por exemplo, centralizar a compra de medicamentos da Atenção Básica, hoje dividida entre municípios, estados e União. “A Saúde no país se baseia num federalismo de base municipalista. Se não vier uma orientação, uma coordenação mais técnica de cima, só aumenta essa fragmentação na execução nos municípios”, afirma Campos, da Abrasco.

Especialistas temem que o ministro possa ter perfil conservador. Para eles, há risco para políticas que já enfrentam resistência das bancadas religiosas, como o Saúde na Escola, que trata sobre sexualidade; e ações ligadas a fertilidade, comunidade LGBT, usuários de drogas e aborto legal.

“Com um Congresso mais conservador, já sofremos pressão. Se isso passar a se refletir ainda mais no ministério, como levar às escolas, por exemplo, questões sobre sexualidade? O número de novos casos de Aids na adolescência vem crescendo”, diz Carlos Silva, doutor em Saúde Pública e especialista no programa Saúde na Escola.

A reportagem procurou o ex-ministro Arthur Chioro antes da nomeação de Castro, mas a assessoria de imprensa informou que ele não se pronunciaria. O ministério frisou, porém, investimentos no setor, como o crescimento de 106% na Atenção Básica nos últimos 4 anos; o fato de o país, de 2003 a 2014, ter dobrado o número de transplantes (de 12,7 mil para 23,3 mil); e o aumento, de 2010 a 2014, de 15,8% no número de cirurgias oncológicas e de 29,7% no de quimioterapias.

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