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Como os cientistas fizeram para que os cachorros ficassem parados para a ressonância magnética

Kari Bruillard do blog Animalia no Washington Post.
07/09/2016 09:00
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Foto: Pixabay.

Num estudo publicado esta semana no periódico Science e que foi compartilhado por amantes de cães no mundo inteiro, os pesquisadores do Family Dog Project na Hungria concluíram que os cachorros são capazes de entender o sentido e o tom de voz do discurso humano e que processam a linguagem do mesmo modo que nós. Para chegarem a esta descoberta, os cientistas analisaram a atividade cerebral dos cães ao ouvirem palavras, e, para isso, era necessário que os seus objetos de estudo – 13 cãezinhos de suas respectivas famílias – deitassem completamente imóveis num aparelho de ressonância magnética durante oito minutos inteiros, com fones de ouvido e uma antena de radiofrequência na cabeça.
 Como é que é?  Vários leitores se perguntaram como uma coisa dessas era possível. Que tipo de encantador de cães fez isso acontecer? A resposta é: Marta Gasci, etóloga da Universidade Eotvos Lorand em Budapeste, coautora do estudo e pesquisadora com muita experiência já quando o assunto é o melhor amigo do homem. Ela foi a principal treinadora dos cães – seis border collies, cinco golden retrievers, um pastor alemão e um cão de crista chinês. Conversamos com ela, perguntando como ela fez com que eles cooperassem.
A entrevista foi editada pelo bem da concisão e da clareza.
 Os cães:
“A maioria deles eram bem novos. Alguns eram cães guia treinados para deficientes. A equipe precisava de cães que fossem fáceis de lidar. Mas também tínhamos cães muito, muito destreinados. Tínhamos alguns que só sabiam ficar e sentar. Na verdade, não é muito importante que o cachorro seja bem treinado para fazer dar certo.
“Precisamos de cães que confiem no dono. Como no caso de uma criança [num aparelho de ressonância magnética], você diz, ‘Você não vai me ver, mas eu estarei bem aqui’. Alguns foram treinados e cuidados por mim. E deu tudo certo, porque eu tinha a confiança do cachorro. Esse era um pré-requisito importantíssimo para a tarefa.
“No começo, parecia lógico que precisaríamos de cães muito bem treinados, com um temperamento dócil. No fim, acabou que nenhuma dessas hipóteses era verdade. Havia muitos cães treinados que acabaram sendo perfeitos e alguns cães muitíssimo bem treinados que não deram certo, porque queriam fazer alguma coisa. Eles se esforçaram muito, mas não conseguiam entender que a tarefa aqui era ficar sem fazer nada. Geralmente esses cães são treinados usando petiscos. Quando eles não recebiam seus petiscos em até meio minuto, mais ou menos, eles ficavam frustrados, e nós não conseguíamos usá-los. Alguns dos cães não entendiam que precisavam ficar absolutamente parados. Sempre se mexiam um pouco ou lambiam a boca a cada três minutos. E isso já basta para estragar todo o teste.
“Com cães bem treinados, dá para ver nos seus olhos quando você derruba uma gota d’água no focinho deles e eles sabem, ‘não posso lamber, não posso lamber’. Sabe… eu não sei dizer. Eles não são forçados. Você nem imagina o quanto eles ficam felizes no final. Eles pulam nos outros, assim, como quem diz, ‘Isso, eu consegui! Eu consegui!’ Dá para ver que eles ficam orgulhosos”.
 O método:
“Não queríamos trabalhar com treinadores normais, porque, pelo menos na Hungria, há duas linhas diferentes. No modo tradicional, eles exageram no uso de castigos. O outro modo envolve o reforço positivo, o que quer dizer petiscos – comida, comida, comida e mais nada. E isso não funciona para o aparelho de ressonância. Já o nosso treinamento se baseia em pesquisa etológica. Por isso é um pouco diferente do treinamento normal, tipo obediência ou Schutzhund. É mais ou menos como quando você precisa persuadir uma criança de cinco anos a passar um minuto parada no aparelho. Como você faz isso? Esse era o xis da questão e não “como treinar um animal?” Não devemos tratá-los como crianças, mas definitivamente não devemos tratá-los como lobos. São cães, e isso é muito especial. Por isso usamos o aprendizado social e, é claro, também recompensas na forma de comida.
“A primeira parte envolvia deitar no chão com a cabeça entre as patas. Depois, fazer o mesmo na mesa, imóvel. Depois, isso de novo, mas com a mesa se mexendo um pouco. Depois, isso, mas com fones de ouvido e a cabeça amarrada, com delicadeza, usando um tecido, para eles sentirem que estão com algo na cabeça. Mas o tecido nunca era bem preso. Esse é um ponto crucial no treinamento, que os cães sempre poderiam, a qualquer momento, sair da posição em que estavam, se quisessem.
“Esse é método de treinamento de modelo/rival. Alguns cães agiam em parte como modelo para os outros cães, mostrando o que fazer e onde ficar. Mas também como rival – toda a atenção ia para aquele cachorro. É uma coisa social, não gira em torno de petiscos. O importante é estar socialmente envolvido numa interação social com os donos. Um bom cachorro deseja isso”.
 Quanto tempo demorou:
“Havia cães que só vinham ao laboratório uma vez por mês. Assim não dá para ter um treinamento muito eficaz, mas nós conseguimos. Precisamos pedir aos donos para que, por favor, viessem à nossa sala de ressonância magnética nas noites de domingo, que eram quando tínhamos acesso ao equipamento, já que nos outros dias ele é usado em humanos, para fins médicos.
“Geralmente o treinamento básico, sem o aparelho, precisava de 5 a 20 sessões. Dependia muito do cachorro. E treinar no aparelho costumava dar umas 10 sessões. No começo, sempre usávamos os cães juntos, pela questão da motivação, e também usávamos recompensas de comida. Mas precisávamos tomar muito cuidado, porque não podíamos dar comida durante o teste. Aí lá se vão pelo menos 8 minutos sem qualquer recompensa. E eles não podem esperar receber comida, porque eles babam! E, quando babam, eles lambem a própria boca e engolem e aí acabou. Por isso, não podiam sequer esperar receber uma recompensa em petiscos durante o exame, e nós precisávamos explicar para eles que seria uma história muito longa, mas que no final teria muita comida boa – mas só no final.
“Meu maior desafio nesse quesito foi desenvolver métodos com base em técnicas de aprendizado social, em vez de usar recompensas contínuas na forma de comida. Os métodos com base em reforço positivo são muito legais se comparados com os métodos que usam castigo, mas me parece que costumamos esquecer os aspectos sociais. O reforço positivo pode ser qualquer coisa, como elogios ou recompensas sociais. Assim, nós usamos nossa experiência científica. E tentamos fazer experimentos que lançassem luz sobre o campo aplicado também, para os treinadores, porque há muitas teorias de treinamento, mas elas não têm dados. Em todas as teorias há treinadores com muita experiência, o que é bom, mas é difícil dizer qual é a verdade de fato”.
Kari Bruillard já trabalhou como correspondente estrangeira e repórter local. Hoje é repórter nacional e administra o blog Animalia no Washington Post.