Comportamento

Dayane Saleh, especial para a Gazeta do Povo

Auto-estima demais “intoxica” relacionamentos

Dayane Saleh, especial para a Gazeta do Povo
06/11/2016 09:00
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Foto: Bigstock

A auto-estima é fundamental para estruturar relacionamentos e se posicionar no mundo. Sem ela, não se vê as próprias qualidades e os defeitos acabam parecendo maiores do que são. Pessoas sem essa confiança muitas vezes exageram ao se exporem e procuram diminuir os outros. Quem mais sofre com isso são os que estão próximos, que podem cair na falácia daquele que age com superioridade e não reconhece a diversidade de interesses e aptidões existentes no mundo.
Quem explica essa característica que “intoxica” qualquer relacionamento é a psicóloga Eloá Andreassa. Ela conta que a superioridade desfunciona os casais porque não há reconhecimento das qualidades duas partes. “Quem se sente superior não percebe que as pessoas têm habilidades diferentes. Um pode ser melhor fazendo o orçamento da família, mas o outro pode ser aquele que planeja bem as férias, por exemplo”, fala a profissional especializada em relacionamentos de casais e de pais e filhos.
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Essa desvalorização pode se traduzir numa depressão por parte de quem não é considerado bom o suficiente. “Nesse tipo de relacionamento não existe competição porque não há igualdade“, detalha. Segundo Andreassa, enquanto uma das pessoas é anulada, a outra tem uma falsa noção de auto-estima. “Se esse que age com superioridade tivesse uma boa auto-estima ele não precisaria rebaixar o outro. Ao se sentir inferior é que ele submete o parceiro, amigo ou familiar”, conta a psicóloga.
O lado da mulher
Durante a história, muitas vezes esse papel de inferioridade foi vivido pelas mulheres. O machismo desvalidava o aspecto profissional e intelectual feminino ao impedir que as mulheres ingressassem no mercado de trabalho e, também, a não citar o nome delas em pesquisas científicas e dificultar o acesso das mesmas ao mundo acadêmico. Assim a mulher estava condicionada a saber menos, ter menor liberdade e estar restrita ao lar.
No artigo “Amor, sexualidade e relações sociais de sexo na França contemporânea” (1995), Michel Bozon trata justamente sobre esse assunto. “Nos sentimentos de amor que mulheres e homens podem sentir uns pelos outros a dominação masculina já esta presente e interiorizada A superioridade social dos homens se traduz em termos de superioridade simbólica no casal (…)“.
Apesar de duas décadas já terem passado da publicação deste artigo, ainda hoje as mulheres possuem limitações enraizadas no machismo. Como por exemplo, foi só em 2015 que o voto feminino foi permitido na Arábia Saudita. O Brasil, um país composto 51% de mulheres, teve nas eleições de 2016 apenas 30% de candidatas à cargos políticos. O poder social, muitas vezes, interfere nos relacionamentos pessoais.
Claro que hoje, não só mulheres como homens podem ser oprimidos em um relacionamento, já que as condições sociais estão menos discrepantes. Andreassa explica que o término nesse relacionamento abusivo só acontece quando quem é humilhado não se submete mais. “Quem precisa se mostrar superior sempre busca pessoas com auto-estima baixa para se impor. O lado do casal que não aguenta mais a humilhação é quem dá um fim à relação“, complementa a psicóloga.
Pais e filhos
Pais que assumem uma posição de superioridade podem agir com punições e repreensões excessivas quando o filho comete um erro. “Para as punições funcionarem é preciso ter uma regra para que o filho entenda. Até mesmo uma explicação prévia ao erro, como: ‘Se você quebrar seu brinquedo, só vai ganhar outro no Natal'”, explica Andreassa que defende que a punição sem explicação não educa e também pode causar depressão na criança.
Outra questão é quando os pais controlam a vida do filho, sempre dizendo tudo que deve ser feito. “Sem autonomia, a pessoa não aprende a escolher e, no futuro, vai se sentir incapacitada e inferiorizada“, detalha a psicóloga. Ela conta que é difícil os filhos agirem com superioridade porque não são eles que detêm o poder na relação, mas que isso pode acontecer mais tarde. “Em algumas raras vezes, quando os filhos ficam adultos e tiveram acesso à educação que os pais não puderam ter, ele pode inferiorizá-los”, complementa.
Ela diz que os pais não precisam se preocupar quando os irmãos brigam, apenas quando um fica quieto e aceita o posicionamento superior do outro. “Quando há conflito, existe um sentimento de igualdade entre eles. Então não tem alguém sendo oprimido”, explica. Isso vale também para a relação entre amigos.
Para a psicóloga, colocar-se em uma posição superior ao outro também vem da formação, como uma forma de compensação ao se sentir inferior em grupos. Esse relacionamento tóxico acaba quando quem se acha inferior percebe seu potencial e não aceita mais ser mal-tratado. Antes disso, a vítima não acredita quando os amigos e família avisam sobre o comportamento errado do parceiro.