Comportamento

Carolina Werneck

“Não adianta se isolar, é preciso usar as redes sociais para fortalecer o amor”

Carolina Werneck
23/10/2017 19:00
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Em Curitiba para falar de amor e relacionamentos, o poeta gaúcho conversou com exclusividade com o Viver Bem. Foto: Claudio Fonseca/Divulgação

No amor, estamos todos constantemente reaprendendo a ler e escrever – e a linguagem usada em um relacionamento não necessariamente servirá para o próximo. A constatação é do escritor Fabricio Carpinejar. O gaúcho natural de Caxias do Sul é um especialista em dissecar o amor e as relações em seus poemas, crônicas e livros.
Nesta quinta-feira, 26, ele estará em Curitiba para o bate-papo “Borbulhas de amor“, no hotel Intercity Curitiba. No encontro, vai falar sobre o tema a que dedicou a maior parte de sua obra.
Analógico, o amor tem passado por maus bocados para habitar o universo digital sem se ferir, diz o poeta. É que, para ele, não há emoji que substitua o olho no olho, as mãos dadas, a gargalhada compartilhada frente a frente.
Carpinejar deu uma entrevista exclusiva ao Viver Bem sobre a liquidez do amor contemporâneo e os temas em que mergulha em seu trabalho como escritor. Confira:
Por que você acha que os temas “amor” e “relacionamentos” não envelhecem?
Não envelhecem porque há toda uma nova conjuntura. O amor não é mais como antes, estamos impactados pela tecnologia. Hoje é muito fácil se casar e é muito fácil se separar. É um clique, não existe mais luto pelo amor. Cada vez mais as pessoas sofrem pelo amor passado quando já estão dentro de um novo amor. O luto está acontecendo dentro de uma futura relação. Isso vai dificultar a convivência, porque você não se libertou dos fantasmas, das manias, das brigas.
E, ao mesmo tempo, você precisa ser fiel tanto na vida real quanto nas redes sociais. Hoje um frequente motivo de separação vem sendo a falta de acompanhamento digital. Os atos mais banais de estremecimento de um casal hoje vêm das redes sociais. Tudo isso aumentou a paranoia, o ciúme, a insegurança.
Você escreveu recentemente um texto sobre as discussões via celular. Acha que a internet e as redes sociais só atrapalham o relacionamento?
Não. Não adianta se isolar, você precisa usar as redes sociais para fortalecer o seu amor. É muito bonita uma declaração virtual, mas ela também precisa estar sustentada por gentilezas reais. Eu acho que a internet passa a ser nociva quando a gente ama para os outros e não para um único endereço.
É melhor brigar pessoalmente, então?
Sim. Olhando nos olhos. Até porque eu acho que o Whatsapp é um sudário das agressões. Ali fica registrado tudo que você ofendeu. Isso dá mais motivo para ruminação e para ressentimento.
Problemas de relacionamento são muito democráticos. Atingem todos os tipos de pessoa. Mesmo assim, não conseguimos viver sem esses relacionamentos. Por quê?
Porque o que a gente adora são os problemas. Ninguém quer ter paz. O amor é essa movimentação dentro de si mesmo com essa projeção fora. Não há outro sentimento em que a gente possa perder tudo, mas também ganhar tudo. Por isso o amor é tão sedutor. Se você não ama sempre parece que falta alguma coisa, porque o amor intensifica o gosto de viver. Ele também é uma luta contra o esquecimento, porque você pode esquecer de si mesmo, mas estando acompanhado de alguém, essa pessoa pode te lembrar. Na verdade, tu ama para que o outro possa te devolver.
Você quer alguém com quem possa dividir as angústias e a esperança. Mas é muito importante você se dar mal com a pessoa antes de se casar com ela, e não somente se dar bem. Um casal feliz e perfeito nos primeiros meses, que não tem discussões, não deve se casar. Porque você também tem que se casar com os maus sentimentos da pessoa, com a desesperança, o pessimismo, a raiva, todos os sentimentos, não apenas com os bons.
"O amor exige pontualidade. Não se pode chegar antes e também não se pode chegar depois", opina o poeta. Foto: Claudio Fonseca/Divulgação
"O amor exige pontualidade. Não se pode chegar antes e também não se pode chegar depois", opina o poeta. Foto: Claudio Fonseca/Divulgação
Você é um apaixonado pelo amor?
Sou. Porque não há maior intimidade do que transformar defeitos em saudade. Se tu vai sentir falta de alguém, é dos defeitos, nunca das virtudes. Um amor fácil normalmente a gente despreza. A gente acaba se entregando para aquele amor que foi difícil, porque você teve que se acostumar, teve que lutar. É muito mais gostoso um amor assim.
Relacionamentos são todos iguais?
Existem uns piores que os outros. O grande problema atual do amor é que há uma necessidade grande, atávica, selvagem, de ser leal. Acima da fidelidade está a lealdade. Não estou dizendo que você possa ser infiel, mas a lealdade passou a ser o maior vínculo do casal. Porque você precisa ser leal e dizer onde anda sua cabeça e onde anda seu coração, mais do que onde anda seu corpo. Você pode estar de corpo presente em casa, mas tendo vidas duplas pela web. Lealdade é dizer aquilo que você está pensando, ser didático no desejo. A gente precisa quebrar a romantização do amor como telepatia, como adivinhação. “Ah, porque a pessoa precisa me descobrir.” Não. Se você ama alguém, ajude, dê as respostas, sopre nos ouvidos, facilite, abrevie, apoie.
Portanto, desentendimentos surgem muito mais daquilo que não é dito, daquilo que você pensa que é o acordo. As pessoas fazem acordos secretos nas próprias cabeças, sem nunca falar. É um jogo de compensações e de renúncias que acaba enfraquecendo o namoro. É como se a gente sempre fizesse festas surpresas no nosso pensamento e o aniversariante sempre falta. E a gente sempre culpa o outro.
A surpresa não é boa para o relacionamento?
A surpresa só estraga o amor. A gente precisa de menos surpresas e mais confirmações, mais legibilidade, mais redundância.
Quantas vezes você se casou? O amor foi melhorando de um relacionamento para o outro?
Duas vezes. Eu casei com a Ana, mãe do Vicente, e casei há dois anos com a Beatriz, minha atual mulher. Talvez o que confunda sejam os amores, mas eu parto do princípio de que ex é um Exu sem luz. Não se deve falar sobre ex para não provocar comparação. Você precisa ter uma ilha de edição no coração. Há uma confusão equivocada de que, quando a gente começa um relacionamento, a gente tem que passar a limpo para a pessoa toda a nossa história. Não tem, de modo nenhum. A gente confunde o namorado com terapeuta.
Existe um texto seu de 2012 chamado “Venha, por favor”. Nele, você diz que espera alguém e dá uma série de características dessa pessoa. Isso continua verdadeiro?
Continua. Até porque não há nada mais urgente e paciente ao mesmo tempo do que esperar. Sem esperança não há amor, a esperança é a mãe do amor. A gente não tem controle sobre a vida, nem sobre quem a gente vai amar ou não amar. Se você encontra alguém que vale a pena, não se faça de difícil. O amor exige pontualidade. Não se pode chegar antes e também não se pode chegar depois.
Seus textos são sempre sobre situações que você está vivendo pessoalmente ou há observações de vidas alheias?
Ah, mas aquilo que eu imaginei também é uma experiência. Então eu sempre passo para o leitor a realidade, com a diferença de que nunca termino nela. Eu posso estar falando da separação de um amigo meu, mas tenho que colocar a minha emoção, o que senti quando me separei. A emoção a gente não mente, a gente transfere das nossas experiências para o texto e, claro, para quem está lendo.
Os textos deixam de fazer sentido para você depois de um tempo, quando aquela situação se encerra?
Não, de modo nenhum. Mas o texto é a caixa preta de um relacionamento. Eu não tenho como usar no próximo porque toda pessoa é um novo idioma. Você vai ter que aprender a falar de novo. A paixão é um analfabetismo. A gente se torna infantil, sem saber o que fazer, o que falar, com medo, querendo agradar. Então depois de um tempo o texto não é mais para a pessoa, nunca é para alguém. É um sentimento que partiu de mim, de uma cena pessoal, mas ele tem que ter uma universalidade.
Você só vai conseguir criar empatia falando de si, mas essa é a mágica da literatura. Quanto mais eu falo de mim, mais o outro se identifica. Quanto mais genérico eu sou, menos o outro se identifica. Se você fala de si você descreve perfeitamente uma sucessão de fatos, uma história, e a pessoa consegue enxergar. Escrever é fazer o outro enxergar.
Depois de tantos anos dedicando-se a escrever sobre relacionamentos, existe algo que você tenha descoberto que as outras pessoas provavelmente não sabem?
Que eu não tenha escrito, dificilmente. Escrever é uma forma de me multiplicar. Porque muitas vezes o que eu escrevi pode não funcionar mais comigo, mas funciona com os outros.
Como começou seu interesse por esse tema tão complexo?
Eu sofri muito com o impacto da separação dos meus pais. Tudo que eu escrevo é uma forma de entender o que eles nunca me falaram.
O que falta para que as pessoas tenham relacionamentos mais saudáveis?
Eu acredito que o outro não tem a obrigação de te fazer feliz. A gente acha que o amor vai resolver nossas pendências, mas não é assim. A gente carrega as pendências para dentro desse amor. A liberdade não pode ser menor que o amor, porque o amor parte da liberdade. Então resolva as tuas questões anteriores, desfaça realmente relações passadas.
Não crie expectativas que não sejam criadas a dois. Existe uma receita que é a humildade e ela só vem no ombro do humor. Casal que ri junto recolhe as lágrimas do outro. Ah, também é muito importante transar. Tente transar de manhã, ou de noite, mas não espere demais para transar porque corpo é treino. Se a gente fica muito tempo afastado da química, a volta sempre é mais difícil. Aí tu vai adiando, adiando, adiando.
Você queria ser escritor quando era criança?
Não. Eu acho a maior falta de criatividade quem acaba se tornando o que pensou quando criança. Eu queria ser jogador de futebol. Também queria ser manco, porque achava sobrenatural os cachorros mancos. Como eles conseguiam correr? Eu nunca fui um menino que somente acreditou naquilo que era visto. O invisível sempre me abraçou, eu sou filho do vento.
E o que você diria para o menino que você foi?
Ah, eu pediria desculpas, porque eu errei a mão. Transformei o vento em tempestade.
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