Comportamento

Talita Boros Voitch

Aos 94 anos, Chloris Casagrande Justen declama a vida

Talita Boros Voitch
19/03/2017 09:00
Thumbnail

Foto: André Rodrigues | Gazeta do Povo

Chloris Casagrande Justen tem olhos pequenos, muito vivos e bem maquiados com delineador. Os lábios e as unhas são pintadas de vermelho. No corpo franzino, a meia de lycra e o sapato de salto completam a imagem desta senhora curitibana que não esconde a vaidade aos 93 anos de idade. A professora Chloris se anima quando começa a contar sua trajetória. As agruras de ser pioneira num mundo comandado por homens não a impediu de ser tudo o que sempre quis. Chloris simplesmente foi e ainda é.
Discípula de Erasmo Pilotto, educador dos mais importantes do Paraná, a jovem estudante curitibana teve no professor – mais tarde também no marido, o desembargador Marçal Justen –  o maior incentivador na vida do lado de fora dos muros de casa. “Ele [Pilotto] me dava um livro e dizia que eu tinha que decorar aquela poesia e declamar depois. Eu morria de medo, mas ia lá, estudava e declamava. Ele dizia ‘você precisa sentir a poesia’ e mandava eu estudar de novo. Nesse caminhar eu tomei gosto pelos versos”, conta. Era início da década de 1940.
A vocação para as letras fez de Chloris uma espécie de declamadora oficial da cidade, que participava desde festas no Clube Curitibano até eventos da Maçonaria. “Nessa vez, quando a cortina se abriu, eu vi que na plateia estavam apenas homens. E eram maçons. Eu não pensei duas vezes, fui lá e declamei 12 poesias”, lembra, aos risos. “As mulheres eram muito presas nessa época, mas eu de alguma forma tinha coragem. Acho que eu sempre fui despachada”, avalia. Mais tarde, a mesma poesia lhe garantiria a cadeira 24 na Academia Paranaense de Letras.
Formada professora pelo Instituto de Educação, local onde depois ocupou as mais diferentes funções, Chloris frequentou a escola “até onde dava naquela época”. Os pais a incentivavam a tocar piano e estudar, mas faculdade mesmo só para o irmão homem. “A maioria não queria que as filhas fossem para a universidade. Eles queriam que as filhas casassem”, lembra. A faculdade de Pedagogia Chloris só cursou depois dos 50 anos, por incentivo do marido e dos filhos.
“Casei com um homem maravilhoso, que era meu parceiro e investia em mim”, destaca. Assim que casaram, o então juiz Marçal Justen foi designado para trabalhar no interior do estado. A esposa, obviamente, foi junto, mas não para apenas cuidar da casa e dos três filhos que ainda viriam. Sentada à mesma escrivaninha do marido, Chloris expandiu o seu já vasto conhecimento. Sociologia, psicologia, filosofia e até direito eram alguns dos temas que o casal debatia em casa. “Nós líamos juntos, discutíamos assuntos importantes. Acumulei conhecimento sentada ao lado dele. Ele lia um livro e eu outro”, diz.
Chloris no escritório da presidência do Centro Paranaense Feminino de Cultura.
Chloris no escritório da presidência do Centro Paranaense Feminino de Cultura.
Embora estivesse afastada das funções de professora, ela queria mais. Em todas as cidades que passou, a educadora Chloris inventou alguma coisa: encenações teatrais e musicais, turmas especiais de estudo, aulas de dança para crianças. Fez tudo que o seu talento para o magistério lhe permitiu, até voltar com a família para Curitiba, quando finalmente pôde voltar a lecionar. “Você só é feliz quando faz o outro feliz. Tudo o que eu fiz foi sempre porque achava que era importante para alguém”, diz.
Apesar de toda a dedicação às salas de aula, foi afastada de suas funções com o AI5, baixado em 1968 no governo do general Costa e Silva. Os militares a consideravam uma liderança “negativa” para os alunos. Apesar disso, o baque não a afastou do Instituto. “Pressionava o secretário todos os dias. Não aguentava ficar parada. Eu queria voltar, mas só aceitaria se os outros cinco professores que também haviam sido afastados voltassem junto”.
De volta onde deveria estar, elaborou e coordenou os trabalhos do primeiro plano educacional experimental do Instituto, já como diretora geral, implantando uma série de princípios pedagógicos inovadores no estado. Depois disso, realizou ainda uma série de projetos voltados principalmente a melhorar a vida das mulheres e crianças. Foi ela, inclusive, pioneira na implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente no Paraná. Quando se aposentou, permaneceu perto, como conselheira de educação do estado.
Em setembro próximo, Chloris completa 94 anos. Ainda na ativa, é presidente do Centro Paranaense Feminino de Cultura, cuja sede fica logo na primeira quadra da Visconde do Rio Branco, para onde vai semanalmente tratar dos projetos da instituição. Termino a entrevista perguntando como ela cuida da saúde e da beleza, para manter tamanha animação e alinho. “Faço um enchimentinho aqui, outro acolá [apontando para o rosto]. Ainda tenho muitas coisas para fazer nessa vida e as pessoas não vão acreditar em mim se eu estiver caindo aos pedaços”.