Comportamento

Carolina Werneck

Curitibano conquista as mesmas medalhas de personagem de “O Grande Hotel Budapeste”

Carolina Werneck
15/09/2017 12:00
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Gustave H., concierge do cinematográfico Grande Hotel Budapeste, e suas insígnias da Sociedade das Chaves Cruzadas. Foto: Reprodução

Deivisson Bento, 33 anos, é o único paranaense aceito em uma associação internacional muito exclusiva. Desde 2015 ele exibe na lapela as chaves cruzadas da Les Clefs d’Or – As Chaves de Ouro, em tradução livre -, que inspirou a “Society of the Crossed Keys”, ou “Sociedade das Chaves Cruzadas”, do filme O Grande Hotel Budapeste, de Wes Anderson (2014).
“Sr. Gustave H. Muitos dos hóspedes mais valiosos e distintos do hotel vinham por ele.” É assim como o filme descreve o concierge do Grande Hotel Budapeste. Ainda na saga do filme, a Sociedade das Chaves Cruzadas tem papel importante na história, ajudando os protagonistas em uma fuga por meio de telefonemas – e essa relação é real! “A Les Clefs d’Or funciona exatamente assim”, garante Bento.
Ele explica que a associação se trata de uma rede de contatos que torna possíveis mesmo as tarefas mais complexas. Daí o lema do grupo ser “in service through friendship“, ou “o serviço através da amizade”, como explica o presidente da Les Clefs d’Or no Brasil, Guilherme Borges. “A missão dos nossos concierges não é ser bons concierges, mas concierges de excelência, que possam tornar os sonhos de um hóspede realidade. Tornar o impossível possível, sempre visando o bem estar do hóspede.”
Cena do filme "O Grande Hotel Budapeste" em que uma rede formada pelos concierges da "Society of the Crossed Keys" ajuda os protagonistas. Imagem: Reprodução
Cena do filme "O Grande Hotel Budapeste" em que uma rede formada pelos concierges da "Society of the Crossed Keys" ajuda os protagonistas. Imagem: Reprodução
As chaves
Fundada em 1929 por Ferdinand Gillet, então concierge do Hotel The Scribe, em Paris, a Les Clefs d’Or é uma associação de elite. São apenas 50 membros no Brasil e cerca de quatro mil espalhados pelo mundo.
Toda essa exclusividade é garantida por um processo rigoroso de seleção de novos integrantes. Primeiro, o concierge precisa ser indicado pelo gerente geral do hotel em que trabalha por meio de uma carta de recomendação. Também são necessárias outras duas cartas de membros da associação.
Em seguida, o candidato faz provas de conhecimentos gerais e inglês, além de uma entrevista com concierges que já fazem parte da Les Clefs d’Or. Também é fundamental participar das atividades promovidas pela associação.
Bento conta que todo o seu processo de avaliação levou três anos. “Sou o primeiro membro do Paraná, então não tinha ninguém pra fazer a avaliação aqui. Por isso ela levou mais tempo que o normal.”
As insígnias da Les Clefs D'Or, fabricadas com exclusividade por uma joalheria suíça. Foto: Deivisson Bento/Arquivo Pessoal
As insígnias da Les Clefs D'Or, fabricadas com exclusividade por uma joalheria suíça. Foto: Deivisson Bento/Arquivo Pessoal
Aprovado nas avaliações, o candidato recebe duas insígnias da associação. Em cada uma delas, duas chaves douradas se cruzam, com o nome do grupo em destaque sob ambas. As joias são feitas com exclusividade pela joalheria Bucherer, fundada na Suíça em 1888. Elas são usadas uma de cada lado da lapela.
Histórias do lobby
Em 2008, o concierge era estudante de direito na Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), quando decidiu voltar para Curitiba. “Eu caí de paraquedas na hotelaria. Comecei a trabalhar no Hotel Radisson, na Praça do Japão. Entrei como host no café da manhã. Um dia, a então gerente geral do Sheraton me trouxe um artigo sobre hotelaria de luxo”, conta Bento.
Depois disso, passou a pesquisar sobre a carreira de concierge. O Radisson não tinha esse cargo, mas ele começou a assumir as funções de um concierge mesmo enquanto trabalhava na recepção.
Era 2015 quando o curitibano recebeu, por e-mail, a notícia de que tinha sido aprovado para a Les Clefs. “Nossa, eu dava gritos, parecia uma criança, porque aquele e-mail foi muito esperado. Veio uma carta linda por e-mail. Foi muito emocionante”, lembra.
Ele só foi receber as insígnias durante o Encontro Nacional daquele ano, em Gramado, no Rio Grande do Sul. Bento destaca que esse é um momento de muita emoção mesmo para quem já é membro da associação. “Quem já está na Les Clefs d’Or sabe como é passar pelo processo, então as pessoas choram, é muito bonito.”
Bento no dia em que recebeu suas insígnias e se tornou membro oficial da Les Clefs D'Or. Foto: Deivisson Bento/Arquivo Pessoal
Bento no dia em que recebeu suas insígnias e se tornou membro oficial da Les Clefs D'Or. Foto: Deivisson Bento/Arquivo Pessoal
Um concierge é a figura mais próxima dos hóspedes de um hotel. É a ele que todos recorrem quando precisam de ajuda com itens que não estão necessariamente relacionados à hospedagem. Bento viveu uma dessas situações ainda no Radisson:
Havia um casal de hóspedes prestes a completar bodas de ouro. Eles tinham marcado uma renovação de seus votos em Curitiba e o “noivo” procurou o então recepcionista. “Ele disse que precisava de uma ajuda minha. Disse que eles tinham estado na Colômbia e que, em determinada situação, tiveram contato com as rosas colombianas. Então, pediu que eu arrumasse um buquê com 50 rosas colombianas, cada uma representando um ano do casamento.”
Bento tinha uma hora e meia para cumprir a missão. Ele conta que conhecia a dona de uma banca que ficava no Batel. Pediu socorro a ela, que saiu pela cidade pegando todas as rosas que encontrava em outras bancas, até chegar às 50.
“O buquê ficou gigante, porque elas são trabalhadas artesanalmente, então tomam muito espaço. Valeu muito a pena, a senhora ficou encantada e todos que estavam perto da recepção também. Foi lindo.”
Ser concierge é uma arte
A regra número um de um bom concierge é ter uma ampla agenda de contatos. Também é importante conhecer os melhores estabelecimentos da cidade em que se trabalha e ter boa relação com empresários e gerentes de restaurantes e outras casas.
“A gente faz uma avaliação de lugares que a gente indica. E, para indicar um lugar, eu vou a ele pessoalmente, para conhecê-lo. A gente sempre vai à paisana, isso é uma regra”, explica Bento. Para ele, o essencial é que o concierge tenha força de vontade e prazer em servir.
“Tem um maître muito amigo meu que me disse uma vez uma frase. Talvez não seja de autoria dele, mas eu nunca vou me esquecer. Ele me disse: ‘Servir é uma arte e não é para qualquer um‘.”
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