Comportamento

Guilherme Grandi

Existe uma Chinatown em Curitiba: saiba onde fica e o que fazer por lá

Guilherme Grandi
05/03/2018 12:00
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O quadrilátero próximo à Praça Carlos Gomes forma uma espécie de 'Chinatown informal' de Curitiba. Foto: Guilherme Grandi/Gazeta do Povo.

A cidade de São Paulo tem a Liberdade. Buenos Aires, o Barrio Chino. Nova York, a Chinatown. E Curitiba? Embora não haja nada oficial por parte da Prefeitura ou da Câmara de Vereadores, pelo menos cinco ruas do Centro da cidade formam uma espécie de ‘Chinatown informal’.
Basta caminhar pelas ruas Pedro Ivo, Dr. Muricy, Voluntários da Pátria, André de Barros e Desembargador Westphalen para ouvir dois idiomas que se revezam a cada loja: o mandarim dos chineses e o coreano (do norte e do sul). A região é o reduto dos imigrantes orientais que começaram a chegar ao Brasil há quase 200 anos, em busca de melhores condições de trabalho e também de uma nova vida.
E por aqui eles desenvolveram as mais diversas atividades vistas neste quadrilátero, principalmente lanchonetes e lojas de roupas e briquebraques importados do outro lado do mundo. Cada rua da ‘Chinatown informal’ tem alguns comércios característicos que dão a cara de onde estão instalados. Na Pedro Ivo, os brinquedos, semi-jóias, bijuterias e artefatos dos mais diversos estão à venda na Casa China e na LH Bijoux. Já na Voluntários da Pátria e na Desembargador Westphalen, as lanchonetes se revezam com as lojas de roupas, como a pastelaria Guang Wen e a varejista Lemonade.
A rua Pedro Ivo tem lojas de roupas, lanchonetes e briquebraques de imigrantes chineses e coreanos. Foto: Guilherme Grandi/Gazeta do Povo.
A rua Pedro Ivo tem lojas de roupas, lanchonetes e briquebraques de imigrantes chineses e coreanos. Foto: Guilherme Grandi/Gazeta do Povo.
Na alameda Dr. Muricy, o pasteleiro Chang abriu a lanchonete logo que chegou no Brasil, há cerca de 20 anos. Ainda arranhando um português bem tímido, ele, a esposa e os filhos passam o dia cuidando do comércio, e não param nem mesmo nos feriados de sua terra natal. “A gente não tem como comemorar o ano novo chinês do jeito que os brasileiros festejam, não dá pra fechar a loja nem um dia sequer. Tem que pagar aluguel, fornecedores, as contas”, diz ele.

Bate-papo?

A timidez de Chang é meio que a marca registrada dos chineses que moram ou trabalham no Centro. Pelo menos com quem não é da “comunidade” deles. Duas quadras abaixo, na rua André de Barros, Chao conversa pelos cotovelos com os chineses que passam tomar uma cerveja ou comer um sanduíche na lanchonete dela. Mas, quando é um brasileiro que tenta puxar papo, o pouco português não consegue salvar muito. “Eu estou no Brasil há três anos, entendo pouco o que vocês falam”, conta ela dando risada. Chao se vira para atender os chineses e entra em um bate-papo impossível de compreender. Definitivamente, a memória de Pequim está ali.
Em comum, a chinesa Daiana também apenas arranha o nossos idioma. Mas, e o nome? Bem, Daiana conta que adotou este nome brasileiro quando chegou em Curitiba há dez anos, já que não conseguiria se fazer entender pelos outros. “Meu nome? É complicado, não tenho como falar porque você não vai entender”, conta. E não adianta insistir: Daiana fala e escreve, mas apenas em seu idioma original. Dois símbolos e nada mais.
Daiana adotou este nome quando chegou ao Brasil, para se fazer entender pelos curitibanos. Foto: Guilherme Grandi/Gazeta do Povo.
Daiana adotou este nome quando chegou ao Brasil, para se fazer entender pelos curitibanos. Foto: Guilherme Grandi/Gazeta do Povo.
Daiana é uma chinesa um pouco diferente de seus conterrâneos. Ela é funcionária de uma loja de tapetes e forros para o chão, enquanto a grande maioria dos imigrantes acabou abrindo seus próprios comércios.

Insegurança

Não é difícil perceber quando um chinês é o dono do negócio. Na “linha de frente” das vendas geralmente há um filho ou funcionários contratados, estrategicamente posicionados na porta da loja oferecendo seus produtos. E lá no fundo, em um pequeno balcão onde fica o caixa, o dono observa tudo à distância, com um olho monitora meticulosamente o movimento de clientes através de câmeras de segurança, e com o outro fica de olho na gaveta de dinheiro. “Todo cuidado é pouco aqui no Brasil”, conta outro chinês que não quis muito papo enquanto contava agilmente as notas de Real dadas por um cliente que acabara de comprar alguns briquebraques.
Na região, concentram-se várias lojas de tapetes e forros para o chão. a. O trecho da alameda Dr. Muricy entre as ruas Pedro Ivo e André de Barros tem várias lojas de piso, uma ao lado da outra.
É em uma delas que o engenheiro Nino Guo passou boa parte da vida após ser trazido da China pelos pais. Ele tinha apenas cinco anos quando chegou em Curitiba, e já soma três décadas e meia tocando a HG Decorações. Nino aprendeu bem a falar o português, fez faculdade na UFPR, e é mais conversador que seus pares. Ele conta que essas ruas do Centro eram bem diferentes quando ele chegou. “Já tinham muitos chineses sim, mas o movimento aqui não era tão grande como é hoje. A rua era diferente, não tinha esses prédios e nem muita fiscalização de trânsito”, aponta ele por causa da falta de vagas de estacionamento neste trecho da Muricy.
O engenheiro Nino Guo chegou ao Brasil com apenas cinco anos, e diz que a Muricy era bem diferente naquela época. Foto: Guilherme Grandi/Gazeta do Povo.
O engenheiro Nino Guo chegou ao Brasil com apenas cinco anos, e diz que a Muricy era bem diferente naquela época. Foto: Guilherme Grandi/Gazeta do Povo.

Tradições

Embora os chineses mais velhos tentem manter as tradições aqui no Brasil, como a comemoração do ano novo, Chang e Nino dizem que está cada vez mais difícil. Para Chang, “a gente até faz alguma coisa em casa, mas isso está se perdendo, os jovens não querem mais saber. É a globalização”. Nino completa a opinião do pasteleiro, e afirma que “fora da China, a tradição não se manteve com tanta força, embora as comunidades tentem promover”.
A Yasmin Yang, que está no Brasil há dez anos, diz que até teve uma pequena comemoração em casa com os pais e familiares na chegada do ano novo chinês, na última semana. Mas, “a família só comemora mesmo, de verdade, quando está lá na China”, conta.
No entanto, esse problema de perda da tradição parece ser uma coisa pontual. A estudante curitibana Suelen Francisco está fazendo intercâmbio nos Estados Unidos, na casa de uma família chinesa na cidade de Alexandria. Ela conta que os ‘pais’ dela levam a cultura oriental à risca: “a educação que as crianças recebem é incrível, a comida tem um tempero diferente, não são tão consumistas quanto os americanos, são pessoas muito corretas, com princípios. O que é certo é certo”.
Uma das notas de Dólar que a Suelen Francisco ganhou da família chinesa. Foto: acervo pessoal.
Uma das notas de Dólar que a Suelen Francisco ganhou da família chinesa. Foto: acervo pessoal.
Suelen conta que a família comemorou a chegada do ano novo chinês com um jantar em casa feito pela “mãe”, Iris Ming-Ming Yu, inclusive com a tradição de presentear os convidados com dinheiro. “Para você ter uma ideia, eu ganhei US$ 100 da mãe como agradecimento. Ela falou que na cultura deles isso é normal no ano novo”, diz. E isso realmente acontece. Nas cidades chinesas mais tradicionais, as pessoas costumam parar o trabalho de sete a dez dias nesta época, assim como os brasileiros fazem entre o Natal e o Ano Novo, e fazem festas em que presenteiam uns aos outros com dinheiro.

Ano no Cachorro: fidelidade e constância

Em 2018, eles estão comemorando o Ano do Cachorro, que representa a fidelidade e a constância. O animal também representa uma melhora nos assuntos referentes ao dinheiro e aplicações financeiras. Pelo calendário chinês, este já é o ano 4716. A principal diferença entre o calendário deles e o nosso é que o ocidente mede os anos usando a posição da Terra em relação ao Sol, e os chineses seguem os padrões lunares. O ano novo deles ocorre com a lua nova mais próxima ao início da primavera, geralmente caindo entre 21 de janeiro e 21 de fevereiro. Por isso, os chineses o chamam de “festival da primavera”.
A China comemora em 2018 o "ano do cachorro". Foto: Governo da China/divulgação
A China comemora em 2018 o "ano do cachorro". Foto: Governo da China/divulgação

China no Brasil

De acordo com a Associação Cultural Chinesa do Paraná, o Brasil possui a terceira maior comunidade do mundo, com mais de 300 mil pessoas. Só Curitiba é responsável por algo em torno de dois a três mil chineses. Em 2018, eles comemoram oficialmente os 110 anos de imigração. No entanto, a primeira leva de chineses ocorreu na época do Império, quando o imperador Dom Pedro I pediu que alguns chineses cultivassem variedades de chá no Rio de Janeiro, para suprir a vontade da corte.
No ano passado, o Brasil e a China assinaram um acordo de facilitação de vistos para visitantes dos dois países. O documento prevê um prazo de validade de até cinco anos para as permissões concedidas a brasileiros e chineses que viajam para turismo ou em visita a familiares. Antes, o prazo para a maioria dos vistos era de três meses.
O acordo também determina que as embaixadas e repartições consulares dos dois países se esforçarão para emitir os vistos em cinco dias úteis a partir da solicitação.
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