Comportamento

Camille Bropp Cardoso

Conheça a dor e a delícia de ser fã

Camille Bropp Cardoso
23/05/2015 15:05
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Amor. Parece piegas, mas é a explicação de estudiosos sobre o que leva uma pessoa a idolatrar algo ou alguém – ou seja, ser fã. Desenvolver uma relação de afeição e identificação com o ídolo é o que faz esse interesse ultrapassar o superficial (como mostram as histórias nesta reportagem). Além de acompanhar a obra de quem admiram, fãs procuram saber sobre a vida privada do ídolo, sonham encontrá-lo, sofrem com seus percalços e seguem valores que vinculam a ele. Isso só ocorre porque a base desse amor é um alto grau de idealização – o que talvez explique por que fãs inveterados são minoria e têm comportamento associado à juventude.
“Em francês, a tradução de fã pode ser amateur, ou amador. Há dois sentidos: a pessoa que imita o Raul Seixas, por exemplo, o faz de forma amadora, pois só o verdadeiro é autêntico. Mas amateur é também ‘alguém que ama’”, explica a comunicóloga Ligia Lana, professora da ESPM Rio e estudiosa do fenômeno das celebridades. É simplista, porém, afirmar que apenas jovens são fãs. Poucas coisas são tão humanas quanto ter um ídolo. Eles sempre existiram: eram filósofos, escritores, governantes; gente ilustre com quem o fã passava a vida sem ter contato pessoal. Isso começa a mudar com o cinema falado, na década de 1930 – conhecer a voz das estrelas as aproximou do público. É a partir dos anos 1960, com a tevê, que se expandiu um mercado que pede celebridades para consumo e estimula a mobilização de fãs.
“Em francês, a tradução de fã pode ser amateur, ou amador. Há dois sentidos: a pessoa que imita o Raul Seixas, por exemplo, o faz de forma amadora, pois só o verdadeiro é autêntico. Mas amateur é também ‘alguém que ama’.”
Ligia Lana, professora da ESPM Rio e estudiosa do fenômeno das celebridades.
Mas ser fã hoje é diferente de 50 anos atrás. A posição de ídolo é cada vez mais tomada por pessoas que ganham notoriedade por curtíssimo tempo e sem ter talentos visíveis. Um fato contribui para isso: o participante de reality show, por exemplo, foi alçado à fama nas poucas semanas em que apareceu na tevê, mas também porque isso se desdobrou em conteúdo na internet. Quer dizer, houve duas vezes mais apelo pela imagem dele. E, para Ligia, mesmo essa celebridade fugaz tem algo que gera interesse, seja sua personalidade ou seu estilo de vida.
“Exército”
Cresceu ainda a importância que o ícone popular dá aos fãs, que hoje têm espaço garantido no marketing de celebridades. Reunidos em grupos na internet, fãs criam estratégias para alavancar a imagem da celebridade escolhida e defendê-la das críticas com uma avalanche de comentários, por vezes raivosos. Fãs formam um “exército” que atua como o assessor mais eficiente que um famoso poderia ter.
Não faltam exemplos de famosos que mantêm fãs em ebulição. Madonna, por exemplo, faz encontros com fãs seletos em cada país que pisa. O fã-clube do canadense Justin Bieber vende os “meet and greet” do cantor – ingresso que dá direito a bastidores. Alguns famosos têm números de telefone extras que são “vazados” para atiçar fãs. Luciano Huck, Valesca Popozuda e Anitta pedem votos nas redes sociais para ganhar prêmios de popularidade. O apresentador até sorteia brindes aos votantes. “Óbvio que ele sempre ganha tudo”, comenta uma jornalista que cobre o mundo das celebridades no Rio de Janeiro e preferiu não se identificar.
Autor de livros sobre fãs de realities, o pesquisador Bruno Campanella pondera que a relação fã e ídolo é hoje “monetarizada” como qualquer outra. “Quem interage com amigos em uma rede social está ajudando essa empresa a fazer dinheiro”, avalia. “Acredito que fãs sabem o valor do que fazem, e fazem porque são recompensados. A imagem tem valor grande na nossa sociedade, e quem se aproxima de um ídolo consegue dividendos dentro do grupo de que faz parte”.
Fã da atriz Viviane Araújo (e de outras celebridades, entre elas uma ex-participante de reality), a auxiliar de creche baiana Viviane Barreto, 28 anos, passou madrugadas votando para que a xará ganhasse um prêmio de revista – a atriz mesmo pediu. O resultado sai em junho. “Sei que meu trabalho é o de um assessor, mas faço de coração porque gosto dela”, diz. A fã se orgulha das dezenas de fotos que tem com a atriz, a quem homenageou com uma tatuagem em 2013.
A atriz Viviane Araújo com a fã Viviane Barreto: identificação. Foto: arquivo pessoal
A atriz Viviane Araújo com a fã Viviane Barreto: identificação. Foto: arquivo pessoal
Identificação
Um benefício claro para quem é fã é pertencer a um grupo. Às vezes, equivale a ter título. Fãs do grupo One Direction se chamam de “directioners”; os de Anitta, “anitters”; os de MC Gui, “guináticos”; os de Bieber, “beliebers”. Até fãs da atriz Gloria Pires (que faz o estilo low profile) se dizem os “gloriosos”. Identificação é um pilar do processo de formação do indivíduo; o ídolo oferece apoio em momentos complexos, como é a adolescência. Mas há riscos, segundo Bruno Campanella. Um deles é se expor demais na internet. O efeito de manada também é problema – essa é uma explicação para a onda de adolescentes que se mutilam, por exemplo, para pressionar um ídolo.
Exageros dificilmente têm boa explicação. Entre os maus indícios estão parar ou prejudicar a própria vida e sofrer demais quando o ídolo “decepciona”. O pesquisador do Laboratório de Neurociências e do Comportamento da Universidade de Brasília (UnB), Raphael Boechat, acredita que deve haver “proporcionalidade” conforme a idade. “O ídolo vem nisso de ‘o que quero ser’. Quando ultrapassa essa barreira, pode haver algum transtorno de personalidade. Às vezes falta gratificação na vida, e a postura exagerada é uma forma de se colocar no papel de alguém”.
VOZ DE VELUDO
Há três décadas, a cabeleireira Selma Bueno Carneiro, 50 anos, teve a chance da sua vida. Durante um show de Amado Batista em Araucária, ela se ofereceu para subir no palco e cantar uma música em troca de ver o cantor de perto. O nervosismo foi tanto que Selma esqueceu a letra, fato de que se recrimina até hoje. Ela conheceu a voz de Amado quando era adolescente e trabalhava em fábrica. “Cartas Sobre a Mesa” era hit nas rádios e as operárias cantavam para ver o tempo passar. Em casa, Selma ouvia os LPs na vitrola, mascando chiclete. Hoje, Amado é a certeza de bem estar para ela, que acompanha o ídolo disco a disco. “A voz dele é tão suave… e as músicas tão bonitas”, explica. O marido, Celso, tira sarro – chama o cantor de “Amassado na Pista”, mas deixou de levar o ciúme a sério. “Ele sabe que é impossível”, diz a cabeleireira.
ATENTO NA TEVÊ
O auxiliar administrativo Gustavo Alberti Vieira, 19 anos, é fã da série de tevê Chaves, mas não tem cacarecos e pôsteres pela casa. A prova da admiração está na memória: ele sabe de cor boa parte dos diálogos da série, criada nos anos 1970 no México. Gustavo assina um serviço de tevê por internet para ver os episódios quando quiser. E sempre quer: chegou a passar um dia inteiro vendo a série, que foi de grande valia quando se submeteu a uma cirurgia nos olhos para combater uma doença genética. Gustavo é também fã dos valores que a série transmite. “Admiro o Chaves porque ele não perde a alegria mesmo sendo um menino órfão”, diz.
NUNCA DIGA NUNCA
“Believe” (acredite), diz a tatuagem da estudante Cristina Silva, 23 anos, feita em homenagem ao popstar Justin Bieber. É isso que ela faz há cinco anos, quando descobriu a franja e o pop romântico do cantor canadense. Fotos de Bieber (em especial na atual versão musculosa de garoto-propaganda de cueca) compõem a decoração do quarto de Cristina. Mas não só a beleza que conta, diz. A estudante explica ter superado a morte de um amigo com os tuítes do cantor: “Ele havia terminado um namoro e escrevia sobre como é importante ter força e deixar o tempo curar as coisas”. Em breve, ela fará outra tatuagem com a frase “Never Say Never”, título de uma música de Bieber. Sobre a fase bad boy do cantor, que tem até petição para ser expulso dos EUA, ela pondera: “Ele se desculpou, disse que está amadurecendo. E nós, fãs, acreditamos”.
METALURGIA SINISTRA
O metalúrgico André Ricardo da Silva, 29 anos, comprou 46 livros do autor americano de terror Stephen King de uma vez. Gastou R$ 1 mil. Foi o ápice da admiração pelo escritor (“um enrolão que prende você na página”, brinca ele). E tudo começou com uma promoção de banca de jornal. André fez amigos na internet por ser fã, mas no dia a dia se acostumou a ouvir “lá vem você falando disso de novo”. “No trabalho pouca gente se interessa, pouca gente lê. Então comento sobre os filmes baseados nas obras, como À Espera de um Milagre. Sim, além dos livros, ele tem todos os filmes. O metalúrgico garimpa tanto que tem cópia de Fúria, livro que o autor proibiu depois de ser ligado a uma chacina em 1997. André está lendo a autobiografia de King, mas se diz mais interessado na obra do que em sua vida privada. “Ele até escreveu sobre fãs neuróticos”, diz, citando Louca Obsessão.