Comportamento

Camila Tremea, especial para a Gazeta do Povo

Xô, pavio curto! Saiba como driblar este mau comportamento

Camila Tremea, especial para a Gazeta do Povo
22/01/2016 22:00
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Controle da raiva pode passar por tratamentos, por exercícios físicos e pelo uso da técnica da comunicação não-violenta. Imagem: Shutterstock.

Uma relação norteada pelo medo. A frase, que poderia ser título de um filme, é a melhor descrição para o relacionamento de sete anos de M.C., 31 anos, segundo ele mesmo. E o culpado era o próprio bancário, reconhece. A companheira não saía mais com M.C., pois qualquer evento poderia terminar em um ataque de fúria. O começo do fim ocorreu num estacionamento. Enquanto aguardava pela vaga, outro rapaz se antecipou.
De forma agressiva, o bancário foi pedir satisfações e o rapaz fugiu. Depois do episódio, ela pediu pelo fim do relacionamento. “Ela tinha medo de discutir qualquer assunto comigo. Eu achava minha conduta normal, mas na verdade eu era o famoso ignorante”, atesta. Foi então que ele percebeu que algo precisava mudar. Procurou uma psicóloga e mudou hábitos. A corrida foi uma aliada de M.C., que também passou a evitar determinados tipos de filme e estilos de música.
No caso de M.C., mudar a rotina foi suficiente para diminuir a sua raiva. Mas há casos em que não é o suficiente. Por isso, além dos tradicionais tratamentos farmacológicos e das psicoterapias, existem técnicas que estão conquistando novos adeptos pelo mundo. Entre elas, a Comunicação Não-Violenta (CNV), sistematizada pelo psicólogo Marshall Rosenberg, que se trata de uma abordagem que desenvolve as competências relacionais necessárias para acolher as emoções e lidar com os conflitos – internos e externos – de forma mais sustentável. A facilitadora de grupos de estudo e prática, Maristela S. Lima, explica que a CNV trabalha com duas frentes: a expressão honesta e o acolhimento empático.
Por expressão honesta entende-se que um indivíduo deve observar a situação sem julgá-la, permitindo que a outra parte compreenda qual a sua real necessidade. “Depois disso é que o indivíduo pode fazer um pedido realizável pela outra parte para atender seu próprio bem-estar”, destaca Maristela. No acolhimento empático, em contrapartida, o indivíduo precisa acolher o sentimento do outro tentando perceber o que é realmente importante. “Esta construção possibilita que os dois encontrem juntos a solução ideal para ambos”.
Este exercício traz à tona a responsabilidade de cada um por seus próprios sentimentos, sem culpa. “Para que isso aconteça, a atenção deve estar focada na situação presente e deve existir uma clara intenção de se conectar com o outro”. Hoje, existem profissionais da psicologia que recomendam a CNV mesmo que ela não seja considerada um tratamento, pois apresenta efeitos terapêuticos.
São muitas as situações que – junto com a sensação de injustiça e humilhação, com a mágoa e a ameaça – deixam a pessoa impaciente e com emoções como a raiva, que nasce no sistema límbico do cérebro por inúmeros fatores. A médica psiquiatra Elke Fernandes explica que é a raiva que libera hormônios como a adrenalina no corpo, mas é o córtex que avalia a situação e decide como o indivíduo deve reagir. “O córtex reconhece a emoção, nomeia e analisa as formas de lidar com ela. Alguns chegam a negá-la ou reprimi-la. Porém, com baixo autocontrole ou grande impulsividade, a raiva pode então explodir, caso não seja coibida pela razão”, ressalta.
Sinal vermelho
A história de L.M., 56 anos, começou ainda criança, quando ela era agressiva ao ser contrariada pelos pais. Não concluiu a faculdade, ficou pouco tempo no emprego e, quando começou a namorar, tinha ataques de fúria frequentes até que as agressões, antes verbais, se tornaram também físicas. Foi quando o marido formalizou o pedido de divórcio que ela recusou. Com uma segunda chance, L.M. iniciou sessões de terapia e acompanhamento psiquiátrico.
Embora sentir raiva seja universal, por si, ela não é capaz de desencadear ataques de fúria. Alguns fatores devem chamar a atenção para a necessidade de uma avaliação profissional: a frequência e intensidade dos episódios, as manifestações de agressividade verbal ou física, destruição de patrimônio ou autoagressão e consequências graves dos atos para a vida pessoal e ocupacional do indivíduo. No entanto, Elke Fernandes reforça que a irritabilidade é comum em vários transtornos e que cada um apresenta sintomas específicos que merecem a avaliação aprofundada de gente capacitada para o diagnóstico.
O tratamento destes transtornos pode ser psicossocial ou farmacológico. A sugestão da psiquiatra é um programa de uso de técnicas de manejo da raiva – como as rodas de conversa CNV –, na prática de assertividade e nas terapias cognitivo-comportamental. Para este, vai depender de um diagnóstico médico, que deve avaliar a presença de outros transtornos, interações com remédios e tolerância pessoal. Ela também reforça que é essencial associar a psicoterapia ao tratamento farmacológico e orientar os familiares sobre como auxiliar uma pessoa no momento da crise. O tratamento associado foi uma luz no fim do túnel para L.M., que afirma ser só o começo de uma mudança radical. “Hoje posso dizer que sou outra pessoa, estou bem e vivo desfrutando o melhor”, salienta.
FIQUE ATENTO
O que fazer se você sentir que um ataque de fúria está próximo:
Manter distância de uma situação ou pessoa que causa o estresse ajuda a controlar a raiva. Imagem: Shutterstock.
Manter distância de uma situação ou pessoa que causa o estresse ajuda a controlar a raiva. Imagem: Shutterstock.
  • Respire – Inspirar e expirar profunda e lentamente garante o fluxo de oxigênio necessário para diminuir o ritmo cardíaco e a pressão arterial, relaxar os músculos e acalmar a mente.
  • Afaste-se – Mantendo distância de uma situação ou pessoa que causa o estresse, o indivíduo consegue interpretar e levantar e hipóteses de forma racional e controlada.
  • Volte – Depois de acalmar a mente e diminuir a adrenalina, a pessoa pode voltar à origem do problema e encontrar soluções mais criativas e adequadas.
INFÂNCIA
Exemplo começa em casa
Cada pessoa tem mecanismos próprios para lidar com as emoções em geral e, alguns deles, são aprendidos ao longo do crescimento. Emoções como a raiva aparecem desde fases precoces da vida, enquanto que o desenvolvimento estrutural e funcional do córtex cerebral – responsável por regular e avaliar formas de lidar com os sentimentos – ocorre mais lenta e progressivamente, até o fim da adolescência. Por isso, a maneira de reagir diante das emoções precisa ser ensinada, acompanhada e mediada por adultos, principalmente da família. Não se deve inibir emoções como raiva, medo ou frustração, muito menos reforçar manifestações inadequadas. É importante ensinar a criança desde cedo a nomear seus sentimentos e dar exemplos de como lidar com cada um deles, criando um repertório de ações e reações para cada situação. Isso ajuda a desenvolver indivíduos com habilidades sociais e menos risco de comportamentos impulsivos e agressivos.
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