Comportamento

Érika Busani, erikab@gazetadopovo.com.br

Defenda o seu tempo

Érika Busani, erikab@gazetadopovo.com.br
09/09/2012 03:04
Por certo, temos de trabalhar. E outras demandas devem ser atendidas. Casa, filhos, companheiro (a), família, amigos, colegas de trabalho, estudos, aquele curso importante para o seu desenvolvimento profissional, academia… A lista não tem fim. Sobrou um tempo (olha ele aí!) para aquilo que você realmente deseja fazer (ou não fazer)? Aquela atividade que traz uma satisfação calorosa, quase uma sensação de plenitude? Não? Então está na hora de rever o seu tempo.
Há bons motivos para isso. A começar pela sua saúde. Quem entra na roda-viva de tarefas e obrigações a cumprir, pode ter o que a medicina chinesa chama de distúrbio energético. “Começa com sintomas vagos como cansaço, indisposição, insônia, dores de cabeça. Eles não causam alterações em exames, mas, na visão chinesa, os órgãos internos já estão prejudicados”, afirma Regina Sakai, professora de acupuntura do Colégio Brasileiro de Estudos Sistêmicos.
Sem tempo para descarregar as tensões, a glândula supra-renal, responsável por liberar hormônios em resposta ao estresse, fica em constante alerta, explica Regina. Imagine o estrago que esse rio perene de cortisol e adrenalina pode fazer em seu corpo. Doença na certa.
Alto lá!
Por isso, antes de chegar a tal estado, abra a sua agenda – real, virtual ou mental – e crie espaços dedicados a você. “É o tempo em que vivemos as coisas mais significativas das nossas vidas”, lembra o criador do Clube do Nadismo, Marcelo Boher.
E não adianta substituir um horário em branco por mais uma atividade que até pode ser importante, mas não lhe traz prazer. “Ignoramos a possibilidade de ter tempo livre, porque somos treinados para sermos extremamente produtivos”, lamenta Marcelo.
Não é só isso. Costumamos valorizar não só a dedicação ao trabalho, mas ao outro. Fica sempre parecendo que se colocar em primeiro lugar é um ato egoísta. Repense. “Se você se coloca em primeiro lugar, as relações serão de mais qualidade. Elas ficam mais leves porque você está bem”, defende Tatiana Girardi, terapeuta holística, personal coach e ministrante do curso TPM – Tempo para mulheres.
Ela lembra o quanto é perigoso viver a vida alheia. “Ninguém garante que o outro – seja filho, trabalho, namorado, marido – estará sempre ali. Pode ser perigoso para a saúde mental, física e para a vida da pessoa.”
As relações, aliás, nos regulam. “Estamos a maior parte do tempo em contato com outras pessoas, fazendo coisas adequadas àquelas situações. É normal, mas é importante que tenhamos momentos para ficar sozinhos. Estar sozinho é entrar no seu mundo interno, é importante para avaliar aquilo que você faz naturalmente e o que está representando para os outros”, reflete Renate Michel, professora do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
Você é o foco
É possível transformar-se em prioridade da própria vida, garante Tatiana, “ainda que você tenha de levantar mais cedo ou dormir mais tarde”. Foi justamente roubando umas horinhas de sono que o publicitário Guilherme Gomide, 38 anos, conseguiu incluir, nos seus dias atribulados, treinos de triatlo. Presidente de uma agência de propaganda multinacional, sócio em outras quatro empresas, marido e pai, ele conta que as duas horas diárias que dedica ao esporte seis vezes por semana fizeram muita diferença na sua rotina. “Ironicamente tenho menos tempo para trabalhar, mas produzo mais porque estou melhor, física e mentalmente.”
A vida “cronometrada”, como ele define, ganha uma pausa nos fins de semana. “Quando tenho preguiça de comparecer aos eventos sociais, me dou o direito de ficar em casa sem fazer nada.”
A escolha das palavras de Guilherme dá uma dica do que é necessário: “se dar o direito”. “Há pessoas que não têm tempo para si porque não se autorizam. É muito comum em mulheres que dedicam o tempo todo à família ou homens provedores. Essa autorização interna é sinal de maturidade, de saber que o mundo pode viver sem você um pouquinho, que fazer falta não significa ser substituído imediatamente”, diz Renate.
A dificuldade de realizar o que se deseja passa ainda pelo olhar do outro, sustenta a psicóloga. “É preciso admitir que eu tenho gosto diferente do que a minha mãe esperou de mim a vida toda, ou meu marido espera. O que se faz como obrigação é para mostrar para alguém, dar conta do que se espera de nós.”
Jeito de ver
Às vezes, no entanto, é apenas a forma de encarar. Visitar a sua avó pode ser uma obrigação ou um prazer. No segundo caso, é tempo ganho. “Não podemos confundir compromisso com obrigatoriedade. Na verdade, nada é obrigatório”, decreta o empresário Ricardo Dória, 27 anos. Ele é dono de duas empresas, faz mestrado, muay thai, corrida e está em meio aos preparativos para seu casamento. Além de tudo isso, faz questão de ter tempo para a noiva, a família, fazer as coisas que gosta. “Me dedico ao que é importante”, diz.
Nem sempre foi assim. “Passei um bom tempo só reagindo à vida. Depois que me organizei, comecei a decidir o que gostava e vi que tem como fazer isso sem deixar ninguém frustrado.” Para dar conta de tudo, Ricardo desenhou mapas mentais – diagramas que ajudam a solucionar problemas – e dividiu as horas do seu dia. O trabalho não ultrapassa 40 horas semanais. “Quem tem a percepção de que o trabalho vem em primeiro lugar negligencia outros aspectos da vida. Não faço isso.”
Sentido
Mas nem sempre é fácil descobrir o que realmente faz sentido para nós. O único jeito – e Renate e Tatiana fazem coro neste ponto – é olhar para dentro. “Requer muita coragem, porque é um caminho sem volta e podemos descobrir coisas que não gostaríamos, sobre nós mesmos”, alerta Tatiana. Mas é necessário. E compensador, quando descobrimos o que nos encanta. “É uma coisa gostosa, profunda, um calor, um abraço que você dá em você mesmo. É um prazer que não precisa ser contado. Você se satisfaz profundamente e não precisa postar no Facebook”, brinca Renate.