Comportamento

Daniela Piva

Eles são viciados em adrenalina

Daniela Piva
18/04/2015 15:05
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Há quem passe os dias correndo contra o tempo. Outros preferem escalar montanhas e caminhar por terras que quase ninguém vê, cair nas correntezas, sentir o coração tão acelerado quanto um bólido de 3 mil cavalos ou flutuar de parapente nas nuvens que nos separam do céu. “Haja hoje para tanto ontem”, decretou o poeta curitibano Paulo Leminski. As quatro pessoas que você vai conhecer a seguir escolheram fazer da vida uma grande aventura.
Aos 85 anos, Henrique Schmidlin não hesita quando perguntado como é sua vida: “um paraíso”. Em parte, por conservar os hábitos herdados da mãe alemã e do pai suíço: diariamente, come muitas hortaliças, pouca carne e um cálice de vinho tinto. Ademais, pelo espírito irrequieto. Para o advogado, historiador e ex-curador do patrimônio natural do Paraná, não existe tempo ruim. Desde menino sobe montanhas como quem busca a redenção.
Henrique Schmidlin, 85 anos, no Morro do Anhangava: mais conhecido como “Vita”, ele continua incansável e garante que ainda tem muitas trilhas para desbravar. Fotos: Letícia Akemi/Gazeta do Povo
Henrique Schmidlin, 85 anos, no Morro do Anhangava: mais conhecido como “Vita”, ele continua incansável e garante que ainda tem muitas trilhas para desbravar. Fotos: Letícia Akemi/Gazeta do Povo
O tio, que morava em Bocaiúva do Sul, na Grande Curitiba, levava o franzino Schmidlin de oito anos para desbravar a topografia da região. “O primeiro montinho que subi parecia o Everest”, brinca seu “Vita”, apelido que ganhou dos montanhistas por ter uma alimentação saudável. O primeiro pico de verdade que subiu foi o do Marumbi, que tem 1.539 metros de altitude, na década de 1940.
De lá para cá, muitas conquistas e clubes fundados. Mas os montes existiam aos montes e precisavam ser escalados de outra forma. “Como fui um dos pioneiros do alpinismo, não havia ainda nenhuma técnica. Então, montamos um grupo, criamos o método de escalar e passamos a incentivar mais gente a praticar. No fim, deu certo, né? Me considero um vitorioso.”
Casado há 40 anos, pai de um casal de biólogos (a filha é falecida) e dono de 40 diários de viagem repletos de relatos que valem ouro, seu Vita se sente satisfeito com suas glórias e ainda tem muito caminho a trilhar. Parar, de jeito nenhum. Só se for para apreciar a vista no topo de uma montanha.
Acelerado
Nascido em Lages (SC), Agenor Avelino Scortegagna Júnior se apaixonou por carros ainda na infância. Aos 18 anos, veio morar na capital paranaense e comprou seu primeiro automóvel, um buggy. Trocou por um Chevette e depois por um Opala, adquirido em sociedade com mais dois amigos que o apresentaram à alta velocidade. Em 1988, quando o drag racer passou a ser um esporte no Autódromo Internacional de Curitiba, Scortegagna decidiu ser profissional de arrancada: investiu em um Opala Comodoro 1977 amarelo fiero com motor de seis cilindros e se tornou o “Scort”.
Agenor Avelino Scortegagna Júnior, 49 anos, e seu Opala com motor de 3 mil cavalos: fera na arrancada tem uma legião de fãs.
Agenor Avelino Scortegagna Júnior, 49 anos, e seu Opala com motor de 3 mil cavalos: fera na arrancada tem uma legião de fãs.
No automobilismo, é comum que os pilotos troquem de carro com o passar do tempo – mas ele não: há 27 anos preserva seu xodó, que ganhou pintura nova e um motor mais potente. Hoje em dia, a bordo do seu Opala – segundo ele, o mais rápido do planeta – Scort é impiedoso na pista: ao sinal verde, ronca o motor de 3 mil cavalos, chega à velocidade máxima em sete segundos e faz o público do autódromo delirar.
Seu “yellow black letal barulhento” é quase a antítese do proprietário, de 49 anos, que traz no sangue o jeito bonachão da família italiana e faz jus ao cognome “urso” ganhado nos boxes. Conhecido também como “o piloto do povo”, a esposa Elisa conta que o marido dá atenção especial para todos os fãs que compartilham da mesma paixão pelo esporte. “Há pessoas que economizam bastante para poder assistir de perto à minha apresentação. Me sinto muito orgulhoso e, por isso, busco ser sempre atencioso com o público”, justifica Scortegagna.
Correntezas
Incentivada pelo pai militar, Letícia Wagner, 25 anos, faz exercícios desde menina. Corrida, bicicleta, natação, musculação e dança sempre fizeram parte da rotina, mas faltava algo mais radical – e companhia para praticar também. Há cinco anos, quando entrou na primeira faculdade, conheceu pessoas com gostos parecidos e começou a subir montanhas.
A escalada e o montanhismo não foram suficientes. Sua queda mesmo sempre foi por rafting, mas o difícil era encontrar quem topasse. Em 2010, Letícia estava de férias em Apiúna (SC), se juntou a um grupo que ia descer o rio e viciou: “Pode parecer clichê, mas a sensação é realmente indescritível. A adrenalina é muito forte e, para mim, não existe nada que me dê mais emoção”. A paixão por esportes a fez mudar de profissão e, atualmente, ela estuda Educação Física. Na universidade, convenceu três amigas a praticar rafting. “Quando chegamos no fim do percurso, elas me agradeceram por ter insistido tanto e já queriam marcar a próxima descida!”.
Pairando no ar
Desde garoto, Márcio Lichtnow, 48 anos, surfava diariamente nas praias do Paraná. O maior problema era o vento, que interferia na agitação do mar e atrapalhava o passatempo. Quando não dava onda, ficava desapontado, e passou a pensar no que fazer com toda aquela ventania.
Certa tarde de 1996, ele avistou uma pessoa voando de parapente do Morro do Boi, em Matinhos. O velame era uma novidade e Márcio foi conversar com aquele homem – Guilherme Zippin, um dos precursores do esporte. No mesmo ano, iniciou o curso de voo livre. “A ideia inicial era surfar de manhã e voar à tarde. Passei muito tempo fazendo isso até que o parapente se tornou muito mais interessante que o surfe. Quem começa a voar, não para nunca mais”, justifica.
Márcio Lichtnow, de 49 anos, aprendeu a voar para aproveitar o vento quando não dava parar surfar - e acabou mudando de esporte.
Márcio Lichtnow, de 49 anos, aprendeu a voar para aproveitar o vento quando não dava parar surfar - e acabou mudando de esporte.
Nos primeiros 10 anos em que praticou o esporte, Lichtnow participava de competições em vários locais do país, e o filho Kauan, que ainda era criança, acompanhava todas as aventuras do pai. Não deu outra, a paixão contagiou o menino também. O estudante de marketing tem 27 anos, voa há 11 e conquistou diversos títulos no voo livre.
O amor pelo ar é tão grande que, em 2007, o empresário vendeu sua indústria química e apostou em uma escola de formação de pilotos. Hoje em dia, é instrutor de parapente e de paramotor. “Sei que marco a vida das pessoas de alguma maneira e isso me motiva. Meus alunos saem transformados, pois esse esporte é um misto de responsabilidade com liberdade”. O filho mais novo, Natan, de 16 anos, pratica voo livre há um ano e também segue as asas do pai.
CUIDADOS
Antes de iniciar qualquer esporte (radical ou não), é importante fazer um check-up completo
Praticar um esporte radical faz com que o corpo libere substâncias como a endorfina (relacionada ao bem-estar e ao prazer) e a adrenalina (responsável por aumentar a circulação sanguínea em situações de estresse, perigo e emoção).
Essas sensações geram um “vício do bem”, segundo Alana Santos, médica do esporte do hospital Vita, levando a pessoa a experimentar novamente esses sentimentos. “Porém, antes de iniciar uma atividade física – radical ou não –, é prudente aprender as especificidades da prática, seus procedimentos de segurança e também passar por uma avaliação clínica, para conhecer a si mesmo e seus limites”.
De acordo com a médica, o ideal é fazer um check-up que englobe análise cardíaca e ortopédica, exames laboratoriais e teste de esforço, além de considerar doenças pré-existentes, uso de medicamentos e histórico familiar.
É importante também que o praticante leve em conta alguns itens essenciais, como vestimenta, alimentação e até mesmo o sono. “Especialmente nos esportes radicais, que exigem alto nível de atenção e concentração, vale a regra de dormir pelo menos oito horas por noite e só praticar a atividade sentindo-se bem, após ter repousado adequadamente”.
Para evitar surpresas e transtornos, a profissional orienta que a roupa seja adequada ao tipo de exercício e ao ambiente. Quanto à alimentação, além de hábitos saudáveis e uma nutrição balanceada, jamais exercitar-se em jejum e hidratar-se antes, durante e após a prática. “Para isso, é preciso saber a duração da atividade, para levar alimentação e fontes de hidratação, como água, sucos e isotônicos”, recomenda Alana. Não se esqueça do protetor solar e do repelente!
QUANTO CUSTA?
Confira os gastos com com cada modalidade:
Parapente
Com 60 horas de aulas teóricas e 12 horas práticas, o curso custa R$ 3 mil e inclui empréstimo de equipamentos. Se o piloto decidir investir no próprio velame (parapente) para voar quando quiser, precisará desembolsar mais R$ 11 mil.
Rafting
A partir de R$ 75 por pessoa (inclui empréstimo de equipamentos). É possível praticar o esporte em grupos de cinco a 15 amigos e, dependendo da correnteza e do nível do rio, a descida pode durar de 30 minutos a duas horas.
Montanhismo
Para começar a praticar, vale investir em uma mochila cargueira (R$ 180), botas (R$ 250) e em um cantil específico de hidratação (R$ 55). É importante procurar trilhas seguras e não andar sozinho.
Drag racer
Um motor ultrapotente custa US$ 100 mil e um piloto profissional gasta, a cada corrida, em torno de R$ 30 mil. Para os iniciantes há a categoria desafio, realizada no Autódromo Internacional de Curitiba, com inscrição de R$ 200.
Serviço:
Calango Expedições, fone (41) 3462-2600. Clube Paranaense de Montanhismo, fone (41) 9600-8085. Força Livre, fone (41) 3014-7373. Vento Norte, fone (41) 3068-6675.